Refletindo sobre formação docente – Resenha de “A aprendizagem histórica e os professores de história (Ciências Sociais)”, de Marcos Roberto Barbosa || Aprendizagem histórica: espaços, suportes e experiências | José Vieira da Cruz e Fábio Alves dos Santos

Charge de Lotti Zero Hora [2014]
Em boa hora, foram lançadas duas obras que discutem aprendizagem histórica. A primeira,  A aprendizagem histórica e os professores de história, foi escrita por Marcos Roberto Barbosa (2017), como fruto da sua pesquisa A Cognição histórica situada: orientações curriculares e metodologias de professores de História da Educação Básica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu da Universidade Tuiuti do Paraná, em 2012, em Curitiba, Paraná; a segunda, Aprendizagem Histórica – espaços, suportes e experiências foi organizada pelos professores José Vieira da Cruz e Fábio Alves dos Santos, ambos docentes do Mestrado Profissional em História da Universidade Federal de Sergipe, e reúne textos de pesquisadores do ensino de História dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe.

A obra A aprendizagem histórica e os professores de história está dividida em três capítulos, além da introdução e das considerações finais: 1. “A aprendizagem histórica e a educação histórica”, 2. “A aprendizagem histórica e as prescrições curriculares” e 3. “A aprendizagem histórica e os professores”.

Na apresentação e no prefácio, fica claro que se trata de uma contribuição ao estudo da Educação Histórica com foco nos processos de aprendizagem histórica no ambiente escolar, orientada pela seguinte questão: “os encaminhamentos metodológicos utilizados pelos professores de História contemplam os métodos da investigação histórica conforme sugerem as prescrições curriculares do Paraná?” Com tal questão, o autor tem por objetivo averiguar em que medida as sugestões de utilização dos métodos da investigação histórica pautados nas prescrições estão presentes nas metodologias de ensino dos professores/as pesquisados/as, sendo importante destacar que o pano de fundo da análise proposta é a Rede Estadual do Paraná, com professores/as iniciantes com, no máximo, cinco anos de trabalho docente, nos anos finais do Ensino Fundamental.

No primeiro capítulo, o autor procura situar o ensino de História considerado como objeto de pesquisa, resgatando sua historicidade no Brasil, estabelecendo uma contextualização histórica que remonta ao período do surgimento do ensino de História no Brasil no século XIX, quando o ensino era pensado em torno da formação. O marco final são os últimos vinte anos do século XX quando a aprendizagem histórica foi tomada como objeto de pesquisa. Aqui, destacamos o importante resgate histórico do processo de construção do sistema de ensino no Brasil desde a chegada dos jesuítas em nosso território, tendo, na História, o papel de se difundir como instrumento de interpretação utilizado nos cursos de Humanidades, principalmente a História da Grécia e de Roma Antigas, bem como nos cursos de Teologia.

No segundo capítulo, o autor procurou analisar as prescrições sobre aprendizagem histórica presentes nos principais dispositivos curriculares que são referências para a organização do trabalho pedagógico dos professores/as sujeitos (protagonistas) do Estado do Paraná. Buscou, ainda, examinar as perspectivas curriculares em relação à aprendizagem histórica na Educação Básica no âmbito nacional e regional, seus consensos e seus dissensos.

No terceiro capítulo, o autor comunica os resultados da pesquisa. Na primeira parte, discorre sobre métodos de ensino e aprendizagem, apontando a importância do desenvolvimento de procedimentos metodológicos que promovam entre estudantes e professores/as o melhor processo de ensino-aprendizagem para estimular o conhecimento histórico. Na segunda, comenta a literatura sobre as carreiras docentes no que diz respeito as fases, a identidade, a subjetividade, a socialização, a didática, a formação, enfim os principais desafios que se apresentam aos educadores, em especial aos que estão no início da carreira profissional, mas aborda, também, o que define como professores/as especialistas aqueles com mais tempo no magistério. Na parte conclusiva, o autor revela os “textos invisíveis” que se constituem nas práticas docentes e que foram verificados a partir da análise das informações fornecidas pelos educadores/as. Tais textos são compostos relatos de práticas docentes presentes nos depoimentos e nas respostas aos questionários aplicados na pesquisa e têm como consequência a crítica da necessidade de permanente formação aos docentes, relacionada à educação histórica, de caráter reflexivo reconhecendo o professor como sujeito construtor de saberes no decorrer de sua jornada, na medida em que essa ação pode ter reflexo no processo de aprendizagem histórica deslocando o ensino da lógica da transposição didática para a cognição histórica situada.

Trata-se, pois, de uma obra voltada ao estudo das metodologias e práticas docentes no desenvolvimento do ensino de História, objetivando a aprendizagem histórica, tendo como parâmetro as questões da transposição didática e da cognição histórica, na perspectiva de compreender de que maneira os professores/as pesquisados/as aplicam, ou não, as orientações que constam nos documentos referenciais do Estado do Paraná, a exemplo das Diretrizes Curriculares do Estado cuja finalidade do ensino de História é a formação da consciência histórica.

Diferente é a orientação teórico-metodológica da segunda obra com a qual nos ocupamos nesta resenha. Aprendizagem Histórica – espaços, suportes e experiências não apresenta unidade em termos de teoria da aprendizagem histórica. Seus organizadores esclarecem, já na introdução, que a aprendizagem histórica é “um processo intelectual, educativo e político sobre o qual se decidem as possibilidades de se manter ou de se transformar legados, processos e identidades de sujeitos, instituições e sociedades”. (p.05). Com base nessa afirmativa, os autores tipificam as disputas que perpassam pela organização e produção da aprendizagem histórica junto aos sujeitos, comunidades, movimentos sociais, partidos políticos, instituições, políticas públicas e governos.

Curz e Alves afirmam que o objetivo da obra é divulgar o que professores/as, em diferentes níveis escolares, têm pesquisado e experimentado sobre o ensino de história no Tempo Pre­sente. Estruturada em nove artigos, a obra expõe estudos sobre diferentes espaços de aprendizagem – a exemplo do centro de memória escolar e uma comunidade escolar quilombola; artigos com  análises de prescrições e avaliações – pareceres do PNLD; conteúdo de ensino no livro didático – a formação do homem republicano no final do século XIX, “Pós-abolição”; dispositivos legais, como em currículos, livros didáticos e BNCC, inclusive os debates de gênero frente à BNCC; e, estudos sobre experiências pedagógicas  – imagens e eventos comemorativos, da música e das artes cênicas, com foco no desenvolvimento da aprendizagem histórica. Vale destacar que, dos nove capítulos, quatro são resultados das pesquisas desenvolvidas no Mestrado de Educação e no Mestrado Profissional em Ensino de História.

Nessa obra, Cruz e Alves oferecem a possibilidade de os professores/as se reconhecerem nas propostas e discussões que a compõem, percebendo o seu fazer pedagógico como um mecanismo no processo de promover junto com o estudante a construção da aprendizagem histórica. A obra ressalta o valor da prática do professor como elemento de análise e reflexão identificando situações que possibilitem a tomada de consciência dos problemas que dela advêm. Contudo, penso que alguma referência à expressão “Tempo Presente” deveria existir para facilitar o entendimento de leigos sobre a matéria.

 

José Vieira da Cruz
Fábio Alves
Marcos R. Barbosa

 

 

 

 

 

 

Tanto na obra de Barbosa quanto na de Cruz e Alves, a ideia de aprendizagem histórica de Jörn Rüsen está presente. Ambos discutem e apontam a importância da formação continuada no aprimoramento do trabalho docente, considerada a relevância de suplantar conflitos entre currículo prescrito e currículo em ação na perspectiva de atender às questões atuais em relação ao ensino e aprendizagem histórica que, recentemente, tem se constituído na promoção do entendimento do pensamento histórico dos estudantes através da categoria “consciência histórica”. Ambos, por fim, apresentam espaços, suportes e experiências, guardadas as devidas especialidades de abordagem para debater o papel docente e a finalidade do ensino de História.

Apesar das diferentes perspectivas e objetivos em suas abordagens sobre o tema da aprendizagem histórica, ambas as obras merecem ser conhecidas por todos que se interessam não apenas por educação histórica mas também pelo debate sobre formação continuada e construção da consciência histórica.

A escrita das duas obras é um aspecto favorável à leitura uma vez que apresenta linguagem simples e direta. Alguns conceitos, porém, poderiam ser mais explorados ou mesmo estarem em um glossário com significados, a exemplo de: epistemologia histórica, fenomenologia, descritores, revisionismo histórico, clivagens identitárias. São expressões recorrentes na linguagem de pesquisa, porém como as obras podem e devem ser consumidas para além dos que estão no campo da pesquisa historiográfica, as definições e/ou exemplificações em formato didático fizeram falta.

Como professora de História da Educação Básica, ao visualizar o título da obra de Barbosa, pensei tratar-se de um arcabouço teórico que analisaria as variadas perspectivas de aprendizagem histórica e forneceria estratégias de como promover sua materialização no Ensino Básico. No entanto, fui surpreendida de forma positiva. Apesar de ser um estudo de caso numa rede específica, a obra possibilita e estimula debates sobre teoria e prática no campo da educação histórica, relativizando o que se pretende nos referencias institucionais para o ensino e o que realmente se efetiva em nossas unidades escolares ante a realidade que temos e as formações possíveis.

Na obra de Cruz e Alves, o título aponta, de forma direta, o que esperar no seu conteúdo: apresentar suportes, experiências e espaços de como se constitui ou se promove o processo para alcançar a aprendizagem histórica. Todavia, me causaram maior impacto os artigos sobre os suportes, a discussão de referenciais e manuais didáticos e suas temáticas alusivas a questões específicas. Para nós, professores/as, os livros didáticos são o principal instrumento no Ensino Básico, o material de maior alcance de estudantes e, muitas vezes, o único recurso que os estudantes dispõem, de maneira geral, no cotidiano do ensino-aprendizagem de História. A obra nos remete a refletir sobre o papel que tal suporte cumpre na construção do debate da aprendizagem histórica.

A leitura das duas obras aqui apresentadas, por professores/as em atividade e graduandos em história – para quem sugiro e recomendo –, nos remete a uma série de indagações, ainda sem respostas generalizáveis, consideradas realidades de formação inicial e continuada de professores/as da Educação Básica brasileira: de que maneira os docentes podem transpor questões conteudistas para aplicar de forma efetiva a prática de uma educação histórica? Como subverter a concepção ideológica que está transmitida nos currículos? Quanto e como devemos estimular e desenvolver experiências pedagógicas no ensino de História para romper com o ensino de História dito tradicional?


Sumário de A aprendizagem histórica e os professores de história

  • Introdução – José Vieira da Cruz e Fábio Alves
  • Centros de Memória Escolar e a preservação escolar e a preservação do patrimônio histórico: uma experiência na educação básica, CEMDAP-UFS, 1959-1995 – Joaquim Tavares da Conceição
  • Ensino de História e educação escolar quilombola: a experiência da Escola Gilberto Amado, comunidade Porto D’Areia, Estância, Sergipe, 2016-2017 – Andréia Teixeira dos Santos
  • Livros didáticos de História regional excluídos do PNLD: o que dizem os avaliadores? – Itamar Freitas e Margarida Maria Dias de Oliveira
  • O ensino de História Afro-Brasileira: a questão do pós-abolição nos livros didáticos, legislação e currículos – Josimari Viturino Santos
  • O ensino de História em livros de leitura: civilizar, regenerar e prosperar – Elizabeth de Souza Oliveira
  • Base Nacional Comum Curricular e gênero: limites e possibilidades para o ensino da História – Jane SEmeão
  • O ensino de História no compasso do forró: didática para um aprendizado – Monaquelly Carmo de Jesus
  • “Vamos saudar o Brasil”: civismo, autoritarismos e ensino de História – Francisco Egberto de Melo
  • Ensino de História e formação docente: o encontro entre História Moderna e artes cênicas em uma experiência de extensão universitária – José Vieira da Cruz

Sumário de A aprendizagem histórica e os professores de História

  • Introdução
  • A aprendizagem histórica e a educação histórica
  • A aprendizagem histórica e as prescrições curriculares
  • A aprendizagem histórica e os professores
  • Considerações finais
  • Referências

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Resenhista

Leila Angélica Oliveira Moraes de Andrade – Graduada em História (UFS) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe (ProfHistória/UFS). Professora de História da Educação Básica nas Redes Estadual de Sergipe e Municipal de Estância/SE e dirigente sindical. Publicou, entre outros trabalhos, “Estudantes, Eleições Bolsonaristas e Didática da História do Tempo Presente” e “Proposta de formação continuada para professores de História do ensino fundamental de Estância/SE – notas de uma pesquisa em construção“. E-mail: [email protected]


Para citar esta resenha

BARBOSA, Marcos Roberto. A aprendizagem histórica e os professores de história (Ciências Sociais). Editora Appris Edição do Kindle, 2017. 159p. CRUZ, José Vieira da, e SANTOS, Fábio Alves dos.  Aprendizagem histórica: espaços, suportes e experiências. Recife: EDUPE, 2020. 229p. Resenha de: ANDRADE, Leila Angélica Oliveira Moraes de. Refletindo sobre formação docente Crítica Historiográfica. Natal, v.1, n.1, set./out. 2021. Disponível em: https://www.criticahistoriografica.com.br/1521/

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© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA)

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Charge de Lotti Zero Hora [2014]
Em boa hora, foram lançadas duas obras que discutem aprendizagem histórica. A primeira,  A aprendizagem histórica e os professores de história, foi escrita por Marcos Roberto Barbosa (2017), como fruto da sua pesquisa A Cognição histórica situada: orientações curriculares e metodologias de professores de História da Educação Básica, apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação Stricto Sensu da Universidade Tuiuti do Paraná, em 2012, em Curitiba, Paraná; a segunda, Aprendizagem Histórica – espaços, suportes e experiências foi organizada pelos professores José Vieira da Cruz e Fábio Alves dos Santos, ambos docentes do Mestrado Profissional em História da Universidade Federal de Sergipe, e reúne textos de pesquisadores do ensino de História dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe.

A obra A aprendizagem histórica e os professores de história está dividida em três capítulos, além da introdução e das considerações finais: 1. “A aprendizagem histórica e a educação histórica”, 2. “A aprendizagem histórica e as prescrições curriculares” e 3. “A aprendizagem histórica e os professores”.

Na apresentação e no prefácio, fica claro que se trata de uma contribuição ao estudo da Educação Histórica com foco nos processos de aprendizagem histórica no ambiente escolar, orientada pela seguinte questão: “os encaminhamentos metodológicos utilizados pelos professores de História contemplam os métodos da investigação histórica conforme sugerem as prescrições curriculares do Paraná?” Com tal questão, o autor tem por objetivo averiguar em que medida as sugestões de utilização dos métodos da investigação histórica pautados nas prescrições estão presentes nas metodologias de ensino dos professores/as pesquisados/as, sendo importante destacar que o pano de fundo da análise proposta é a Rede Estadual do Paraná, com professores/as iniciantes com, no máximo, cinco anos de trabalho docente, nos anos finais do Ensino Fundamental.

No primeiro capítulo, o autor procura situar o ensino de História considerado como objeto de pesquisa, resgatando sua historicidade no Brasil, estabelecendo uma contextualização histórica que remonta ao período do surgimento do ensino de História no Brasil no século XIX, quando o ensino era pensado em torno da formação. O marco final são os últimos vinte anos do século XX quando a aprendizagem histórica foi tomada como objeto de pesquisa. Aqui, destacamos o importante resgate histórico do processo de construção do sistema de ensino no Brasil desde a chegada dos jesuítas em nosso território, tendo, na História, o papel de se difundir como instrumento de interpretação utilizado nos cursos de Humanidades, principalmente a História da Grécia e de Roma Antigas, bem como nos cursos de Teologia.

No segundo capítulo, o autor procurou analisar as prescrições sobre aprendizagem histórica presentes nos principais dispositivos curriculares que são referências para a organização do trabalho pedagógico dos professores/as sujeitos (protagonistas) do Estado do Paraná. Buscou, ainda, examinar as perspectivas curriculares em relação à aprendizagem histórica na Educação Básica no âmbito nacional e regional, seus consensos e seus dissensos.

No terceiro capítulo, o autor comunica os resultados da pesquisa. Na primeira parte, discorre sobre métodos de ensino e aprendizagem, apontando a importância do desenvolvimento de procedimentos metodológicos que promovam entre estudantes e professores/as o melhor processo de ensino-aprendizagem para estimular o conhecimento histórico. Na segunda, comenta a literatura sobre as carreiras docentes no que diz respeito as fases, a identidade, a subjetividade, a socialização, a didática, a formação, enfim os principais desafios que se apresentam aos educadores, em especial aos que estão no início da carreira profissional, mas aborda, também, o que define como professores/as especialistas aqueles com mais tempo no magistério. Na parte conclusiva, o autor revela os “textos invisíveis” que se constituem nas práticas docentes e que foram verificados a partir da análise das informações fornecidas pelos educadores/as. Tais textos são compostos relatos de práticas docentes presentes nos depoimentos e nas respostas aos questionários aplicados na pesquisa e têm como consequência a crítica da necessidade de permanente formação aos docentes, relacionada à educação histórica, de caráter reflexivo reconhecendo o professor como sujeito construtor de saberes no decorrer de sua jornada, na medida em que essa ação pode ter reflexo no processo de aprendizagem histórica deslocando o ensino da lógica da transposição didática para a cognição histórica situada.

Trata-se, pois, de uma obra voltada ao estudo das metodologias e práticas docentes no desenvolvimento do ensino de História, objetivando a aprendizagem histórica, tendo como parâmetro as questões da transposição didática e da cognição histórica, na perspectiva de compreender de que maneira os professores/as pesquisados/as aplicam, ou não, as orientações que constam nos documentos referenciais do Estado do Paraná, a exemplo das Diretrizes Curriculares do Estado cuja finalidade do ensino de História é a formação da consciência histórica.

Diferente é a orientação teórico-metodológica da segunda obra com a qual nos ocupamos nesta resenha. Aprendizagem Histórica – espaços, suportes e experiências não apresenta unidade em termos de teoria da aprendizagem histórica. Seus organizadores esclarecem, já na introdução, que a aprendizagem histórica é “um processo intelectual, educativo e político sobre o qual se decidem as possibilidades de se manter ou de se transformar legados, processos e identidades de sujeitos, instituições e sociedades”. (p.05). Com base nessa afirmativa, os autores tipificam as disputas que perpassam pela organização e produção da aprendizagem histórica junto aos sujeitos, comunidades, movimentos sociais, partidos políticos, instituições, políticas públicas e governos.

Curz e Alves afirmam que o objetivo da obra é divulgar o que professores/as, em diferentes níveis escolares, têm pesquisado e experimentado sobre o ensino de história no Tempo Pre­sente. Estruturada em nove artigos, a obra expõe estudos sobre diferentes espaços de aprendizagem – a exemplo do centro de memória escolar e uma comunidade escolar quilombola; artigos com  análises de prescrições e avaliações – pareceres do PNLD; conteúdo de ensino no livro didático – a formação do homem republicano no final do século XIX, “Pós-abolição”; dispositivos legais, como em currículos, livros didáticos e BNCC, inclusive os debates de gênero frente à BNCC; e, estudos sobre experiências pedagógicas  – imagens e eventos comemorativos, da música e das artes cênicas, com foco no desenvolvimento da aprendizagem histórica. Vale destacar que, dos nove capítulos, quatro são resultados das pesquisas desenvolvidas no Mestrado de Educação e no Mestrado Profissional em Ensino de História.

Nessa obra, Cruz e Alves oferecem a possibilidade de os professores/as se reconhecerem nas propostas e discussões que a compõem, percebendo o seu fazer pedagógico como um mecanismo no processo de promover junto com o estudante a construção da aprendizagem histórica. A obra ressalta o valor da prática do professor como elemento de análise e reflexão identificando situações que possibilitem a tomada de consciência dos problemas que dela advêm. Contudo, penso que alguma referência à expressão “Tempo Presente” deveria existir para facilitar o entendimento de leigos sobre a matéria.

 

José Vieira da Cruz
Fábio Alves
Marcos R. Barbosa

 

 

 

 

 

 

Tanto na obra de Barbosa quanto na de Cruz e Alves, a ideia de aprendizagem histórica de Jörn Rüsen está presente. Ambos discutem e apontam a importância da formação continuada no aprimoramento do trabalho docente, considerada a relevância de suplantar conflitos entre currículo prescrito e currículo em ação na perspectiva de atender às questões atuais em relação ao ensino e aprendizagem histórica que, recentemente, tem se constituído na promoção do entendimento do pensamento histórico dos estudantes através da categoria “consciência histórica”. Ambos, por fim, apresentam espaços, suportes e experiências, guardadas as devidas especialidades de abordagem para debater o papel docente e a finalidade do ensino de História.

Apesar das diferentes perspectivas e objetivos em suas abordagens sobre o tema da aprendizagem histórica, ambas as obras merecem ser conhecidas por todos que se interessam não apenas por educação histórica mas também pelo debate sobre formação continuada e construção da consciência histórica.

A escrita das duas obras é um aspecto favorável à leitura uma vez que apresenta linguagem simples e direta. Alguns conceitos, porém, poderiam ser mais explorados ou mesmo estarem em um glossário com significados, a exemplo de: epistemologia histórica, fenomenologia, descritores, revisionismo histórico, clivagens identitárias. São expressões recorrentes na linguagem de pesquisa, porém como as obras podem e devem ser consumidas para além dos que estão no campo da pesquisa historiográfica, as definições e/ou exemplificações em formato didático fizeram falta.

Como professora de História da Educação Básica, ao visualizar o título da obra de Barbosa, pensei tratar-se de um arcabouço teórico que analisaria as variadas perspectivas de aprendizagem histórica e forneceria estratégias de como promover sua materialização no Ensino Básico. No entanto, fui surpreendida de forma positiva. Apesar de ser um estudo de caso numa rede específica, a obra possibilita e estimula debates sobre teoria e prática no campo da educação histórica, relativizando o que se pretende nos referencias institucionais para o ensino e o que realmente se efetiva em nossas unidades escolares ante a realidade que temos e as formações possíveis.

Na obra de Cruz e Alves, o título aponta, de forma direta, o que esperar no seu conteúdo: apresentar suportes, experiências e espaços de como se constitui ou se promove o processo para alcançar a aprendizagem histórica. Todavia, me causaram maior impacto os artigos sobre os suportes, a discussão de referenciais e manuais didáticos e suas temáticas alusivas a questões específicas. Para nós, professores/as, os livros didáticos são o principal instrumento no Ensino Básico, o material de maior alcance de estudantes e, muitas vezes, o único recurso que os estudantes dispõem, de maneira geral, no cotidiano do ensino-aprendizagem de História. A obra nos remete a refletir sobre o papel que tal suporte cumpre na construção do debate da aprendizagem histórica.

A leitura das duas obras aqui apresentadas, por professores/as em atividade e graduandos em história – para quem sugiro e recomendo –, nos remete a uma série de indagações, ainda sem respostas generalizáveis, consideradas realidades de formação inicial e continuada de professores/as da Educação Básica brasileira: de que maneira os docentes podem transpor questões conteudistas para aplicar de forma efetiva a prática de uma educação histórica? Como subverter a concepção ideológica que está transmitida nos currículos? Quanto e como devemos estimular e desenvolver experiências pedagógicas no ensino de História para romper com o ensino de História dito tradicional?


Sumário de A aprendizagem histórica e os professores de história

  • Introdução – José Vieira da Cruz e Fábio Alves
  • Centros de Memória Escolar e a preservação escolar e a preservação do patrimônio histórico: uma experiência na educação básica, CEMDAP-UFS, 1959-1995 – Joaquim Tavares da Conceição
  • Ensino de História e educação escolar quilombola: a experiência da Escola Gilberto Amado, comunidade Porto D’Areia, Estância, Sergipe, 2016-2017 – Andréia Teixeira dos Santos
  • Livros didáticos de História regional excluídos do PNLD: o que dizem os avaliadores? – Itamar Freitas e Margarida Maria Dias de Oliveira
  • O ensino de História Afro-Brasileira: a questão do pós-abolição nos livros didáticos, legislação e currículos – Josimari Viturino Santos
  • O ensino de História em livros de leitura: civilizar, regenerar e prosperar – Elizabeth de Souza Oliveira
  • Base Nacional Comum Curricular e gênero: limites e possibilidades para o ensino da História – Jane SEmeão
  • O ensino de História no compasso do forró: didática para um aprendizado – Monaquelly Carmo de Jesus
  • “Vamos saudar o Brasil”: civismo, autoritarismos e ensino de História – Francisco Egberto de Melo
  • Ensino de História e formação docente: o encontro entre História Moderna e artes cênicas em uma experiência de extensão universitária – José Vieira da Cruz

Sumário de A aprendizagem histórica e os professores de História

  • Introdução
  • A aprendizagem histórica e a educação histórica
  • A aprendizagem histórica e as prescrições curriculares
  • A aprendizagem histórica e os professores
  • Considerações finais
  • Referências

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Resenhista

Leila Angélica Oliveira Moraes de Andrade – Graduada em História (UFS) e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História da Universidade Federal de Sergipe (ProfHistória/UFS). Professora de História da Educação Básica nas Redes Estadual de Sergipe e Municipal de Estância/SE e dirigente sindical. Publicou, entre outros trabalhos, “Estudantes, Eleições Bolsonaristas e Didática da História do Tempo Presente” e “Proposta de formação continuada para professores de História do ensino fundamental de Estância/SE – notas de uma pesquisa em construção“. E-mail: [email protected]


Para citar esta resenha

BARBOSA, Marcos Roberto. A aprendizagem histórica e os professores de história (Ciências Sociais). Editora Appris Edição do Kindle, 2017. 159p. CRUZ, José Vieira da, e SANTOS, Fábio Alves dos.  Aprendizagem histórica: espaços, suportes e experiências. Recife: EDUPE, 2020. 229p. Resenha de: ANDRADE, Leila Angélica Oliveira Moraes de. Refletindo sobre formação docente Crítica Historiográfica. Natal, v.1, n.1, set./out. 2021. Disponível em: https://www.criticahistoriografica.com.br/1521/

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© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA)

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