Agência excluída — Resenha de Bruna Gabriella Santiago Silva (PPGH/UFRGS) sobre o livro “Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930-1970)”, de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães

Antônio Sérgio Alfredo Guimarães | Imagem: Lapora

Resumo: Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930–1970), de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, analisa a formação racial brasileira (1930-1970) focando na intelectualidade negra e o racismo na configuração ideológica. A obra, criticada por limitar a agência negra e enfatizar influências brancas, é vista como parcialmente bem-sucedida em atingir o seu objetivo de refletir sobre o pensamento social brasileiro, sendo importante para estudantes de graduação pela diversidade de fontes e perspectivas críticas que oferece.

Palavras-chave: Modernidade Negra, Agência, Intelectuais Negros.


Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930–1970) é um livro que reúne ensaios de Sociologia Histórica, publicados entre 2003 e 2020 que, entre outros objetivos, quer aprofundar os estudos sobre “a formação da intelectualidade negra brasileira”. Partindo de um aparato conceitual sociológico que seja possível compreender a dimensão do racismo na formação ideológica dos intelectuais negros e da população de modo geral, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães aborda a definição de negro, a autoafirmação do negro, e as ideias de raça e democracia racial dentro das epistemologias negras. O livro foi publicado em 2021 pela editora 34.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães é professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Clare Hall da Universidade de Cambridge. É autor de Preconceito e discriminação (1998), Racismo e antirracismo no Brasil (1999), Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil (2000) e Classes, Raças e Democracia (2002). É, portanto, um dos intelectuais incontornáveis no campo dos estudos raciais no Brasil. O livro é prefaciado por Matheus Gato e Flávia Rios que afirmam: é “autor mais citado nos estudos das relações raciais do país” (p.07). O livro é composto por nove ensaios que transitam desde a análise dos estudos raciais em nosso território e sua formação histórica até a reflexão final sobre a democracia racial e sua formulação pelos ideólogos brancos e negros.

Na introdução, Guimarães apresenta a ideia de modernidade em seu sentido literário de “renovação estética e de representação do mundo” (p.15). Ancora-se no pensamento de Paul Gilroy, em relação à contracultura da modernidade, que seria a possibilidade de os sujeitos subalternizados, dentro da cultura dominante, subverterem as definições sobre si e se autodefinirem, gerando novos sentidos do ser negro.

No primeiro capítulo, o autor analisa a concepção de raça no sentido sociológico. Discorrendo sobre melhores caminhos epistemológicos a seguir, destaca a necessidade de situar o conceito dentro de um contexto histórico, considerando suas limitações, superações e necessidade de renovação dentro de cada realidade e tempo sócio-histórico. A partir daí, traz as diversas concepções de raça e suas principais modulações e modificações no decorrer da história, enfatizando o falsa ideia de raça no sentido biológico e sua superação, ao modo da Sociologia e das Ciências Sociais, ou seja, as raças como construção sociopolítica. O autor também expõe as diferenças entre etnia, raça e nação, define e relaciona os conceitos de classes sociais, cor e cultura.

No segundo capítulo, o autor trata da formação da identidade brasileira através do projeto ideológico da mestiçagem, descrevendo o imaginário social brasileiro (país mestiço e racialmente fraterno) que desemboca na democracia racial. Anuncia o investimento do Estado na ideia de que a liberdade foi de fato alcançada com o fim do cativeiro e que tanto o abolicionismo quanto o republicanismo (o autor se concentra no período 1870-1930) foram processos ideologicamente focados na cultura mestiça. São esses sentimentos que estarão no cerne da elaboração estética, cultural e epistemológica (dentro e fora) das populações negras, aspectos que marcaram, segundo o autor, a modernidade e a política brasileira.

No terceiro capítulo, temos a elaboração da tese central da obra. Partindo de uma concepção eurocêntrica, traz a definição sociológica da modernidade como essa ruptura radical: formas passadas e somente compreendida em relação a outras noções. No que tange a definição de modernidade negra, o autor afirma: “é o processo de inclusão cultural e simbólica dos negros à sociedade ocidental” (p.69). Essa modernidade seria marcada pelo desenvolvimento de imagens de negros cada vez mais animalescos para contraposição das imagens de humanidade dos europeus. Compreendendo as várias modernidades no sentido temporal, destaca as especificidades que marcam o moderno na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.

No quarto capítulo o autor discute a democracia racial negra dos anos de 1940, analisando os meios culturais e intelectuais negros, declarando que a ideologia da miscigenação foi um mote para uma ideia de identidade brasileira descentrada da raça. O autor analisa os discursos de Abdias Nascimento, Solano Trindade, Laurindo Pompílio, Raimundo Dantas e algumas ideias do Teatro Experimental do Negro (TEN), demonstrando a dificuldade da construção de um discurso em termos raciais até a década de 1940. Nas falas, o autor identifica a afirmação da existência do preconceito de cor e não de raças. Havia cautela no sentido de apontar o Brasil como um país racista. O capítulo se encerra com o relato sobre o surgimento da democracia racial negra, descrevendo como a ideia de integração dentro de uma identidade mestiça brasileira embasava essa ideologia.

O quinto capítulo faz um panorama do desenvolvimento do pensamento de Abdias Nascimento dentro das categorias “resistência” e “revolta”. O autor explica o rompimento com a ideia de democracia racial, expresso em O negro revoltado (1968). O capítulo seis continua pensando o papel dos intelectuais negros na construção teórica da democracia racial e como paulatinamente foi se constituindo um discurso militante que a negava.

O sétimo capítulo trata da recepção da obra do intelectual martinicano Frantz Fanon nas universidades brasileiras, até as primeiras décadas deste século, apontando o desinteresse da esquerda brasileira em torno de Fanon e do baixo assentimento de suas ideias entre os jovens negros. Dialogando com essa ausência, o penúltimo capítulo do livro faz um balanço das ações afirmativas no Brasil, a partir de 1968, citando projetos das políticas de cotas, entre os quais aquele descartado pelo próprio ministro do trabalho, o coronel Jarbas Passarinho.

O nono e último capítulo revisita a construção da ideia de democracia racial no país. Transitando entre “democracia étnica”, “fraternidade racial” e “democracy race” (categorias empregadas por pensadores estadunidenses),

o autor explora nomes como Gilberto Freyre, Thales de Azevedo, Guerreiro Ramos e afirma que, apesar das diferenças de abordagem, ainda pensam nos termos de uma nação mestiça onde seria possível construir uma sociedade sem hierarquia racial.

Thales de Azevedo | Foto: Agilberto Lima/Wikipédia

Modernidades Negra cobre um amplo espaço de tempo e uma pluralidade de fontes que nos permite inseri-lo em diversos debates. Chama atenção a concatenação de textos produzidos em momentos distintos, que nos permitem compreender a ideologia da miscigenação como base da democracia racial (ainda empregada na elaboração de políticas afirmativas no Brasil). A obra informa sobre os diversos usos democracia racial, constantemente reelaborada, e presente, por exemplo, nos discursos autoritários de Jair Messias Bolsonaro e General Hamilton Mourão.

No entanto, há alguns incômodos no que tange à atuação das pessoas negras na obra. Embora Antônio Sérgio afirme na apresentação que está alinhado à ideia da contracultura da modernidade, onde os subalternos se redefinem, o capítulo “Modernidade Negra” concebe a referida categoria como a inclusão negra na cultura ocidental. Essa visão é limitada quando pensamos tanto uma ideia de incorporação ao mundo “civilizado” como a possibilidade de autodefinição dentro desses termos. Para o autor, a modernidade seria esse processo de renovação estética e representativa que envolve representações no meio da arte, música, pensamento político. No caso brasileiro, seria marcada pela ação dos intelectuais modernistas, brancos.

Observando o livro a partir dos estudos críticos da branquitude contemporânea de Charles W. Mills (conceito de “ignorância branca”), pensamos se tratar de um caso de “ignorância” vivenciada pelos grandes intelectuais, onde o véu da branquitude os impedia de transitar entre outros olhares e experiências. Apesar de trazer a experiência negra, o livro parece concentrar-se mais na influência branca sobre os negros, não dando conta da ideia de Gilroy que nos fala sobre a alternância de dominação e submissão. Essa ausência se expressa, por exemplo, na minimização do papel da imprensa negra no processo de constituição do Modernismo, na omissão das iniciativas negras de preservação da cultura negra, no reforço à ideia de aculturação, na indução de um pseudo-alinhamento dos intelectuais negros à ideia de democracia racial e na omissão do racismo da esquerda como condicionante da baixa recepção das ideias de Frantz Fanon no Brasil.

Por todas as razões acima, a obra cumpre de modo parcial o objetivo anunciado, que seria o de refletir sobre o pensamento social brasileiro. Apesar das falhas, deve ser lida, inclusive, por estudantes de graduação, sobretudo pela diversidade de fontes que apresenta e possibilidades críticas que oferece sobre o tema.

Sumário de Modernidades Negras

  • Introdução
  • 1. O estudo de raças e sua formação histórica.
  • 2. A liberdade é negra; a igualdade branca e a fraternidade, mestiça.
  • 3. A modernidade negra.
  • 4. A democracia racial negra nos 1940.
  • 5. Resistência, revolta e quilombo.
  • 6. Os negros em busca da cidadania.
  • 7. A recepção de Fanon pela juventude negra.
  • 8. Ação afirmativa, um balão de ensaio em 1968.
  • 9. A democracia racial revisitada.

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Bruna Gabriella Santiago Silva é mestra em História (PROHIS/UFS) e graduada em História (UFCG). É doutoranda em História (PPGH/UFRGS), bolsista CAPES e membro do Grupo de Pesquisa “Pós-abolição no Mundo Atlântico”. Entre outros trabalhos, publicou: O Pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência (2021), Feministas Negras Brasileiras e a interseccionalidade (2023), Marxismo Negro: As mulheres negras na vanguarda da luta revolucionária (2022) e Claudia Jones e Angela Davis: contribuição para a luta revolucionária (2023). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/3803923422902489 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0072-823X . E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930–1970). São Paulo: Editora 34, 2021. 296p. Resenha de: SILVA, Bruna Gabriella Santiago. Agência excluída. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.15, jan./fev., 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/agencia-excluida-resenha-de-bruna-gabriella-santiago-silva-ppgh-ufrgs-sobre-o-livro-modernidades-negras-de-antonio-sergio-alfredo-guimaraes/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 15, jan./fev., 2024 | ISSN 2764-2666

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Agência excluída — Resenha de Bruna Gabriella Santiago Silva (PPGH/UFRGS) sobre o livro “Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930-1970)”, de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães

Antônio Sérgio Alfredo Guimarães | Imagem: Lapora

Resumo: Modernidades negras: a formação racial brasileira (1930–1970), de Antônio Sérgio Alfredo Guimarães, analisa a formação racial brasileira (1930-1970) focando na intelectualidade negra e o racismo na configuração ideológica. A obra, criticada por limitar a agência negra e enfatizar influências brancas, é vista como parcialmente bem-sucedida em atingir o seu objetivo de refletir sobre o pensamento social brasileiro, sendo importante para estudantes de graduação pela diversidade de fontes e perspectivas críticas que oferece.

Palavras-chave: Modernidade Negra, Agência, Intelectuais Negros.


Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930–1970) é um livro que reúne ensaios de Sociologia Histórica, publicados entre 2003 e 2020 que, entre outros objetivos, quer aprofundar os estudos sobre “a formação da intelectualidade negra brasileira”. Partindo de um aparato conceitual sociológico que seja possível compreender a dimensão do racismo na formação ideológica dos intelectuais negros e da população de modo geral, Antônio Sérgio Alfredo Guimarães aborda a definição de negro, a autoafirmação do negro, e as ideias de raça e democracia racial dentro das epistemologias negras. O livro foi publicado em 2021 pela editora 34.

Antonio Sérgio Alfredo Guimarães é professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Clare Hall da Universidade de Cambridge. É autor de Preconceito e discriminação (1998), Racismo e antirracismo no Brasil (1999), Tirando a máscara: ensaios sobre o racismo no Brasil (2000) e Classes, Raças e Democracia (2002). É, portanto, um dos intelectuais incontornáveis no campo dos estudos raciais no Brasil. O livro é prefaciado por Matheus Gato e Flávia Rios que afirmam: é “autor mais citado nos estudos das relações raciais do país” (p.07). O livro é composto por nove ensaios que transitam desde a análise dos estudos raciais em nosso território e sua formação histórica até a reflexão final sobre a democracia racial e sua formulação pelos ideólogos brancos e negros.

Na introdução, Guimarães apresenta a ideia de modernidade em seu sentido literário de “renovação estética e de representação do mundo” (p.15). Ancora-se no pensamento de Paul Gilroy, em relação à contracultura da modernidade, que seria a possibilidade de os sujeitos subalternizados, dentro da cultura dominante, subverterem as definições sobre si e se autodefinirem, gerando novos sentidos do ser negro.

No primeiro capítulo, o autor analisa a concepção de raça no sentido sociológico. Discorrendo sobre melhores caminhos epistemológicos a seguir, destaca a necessidade de situar o conceito dentro de um contexto histórico, considerando suas limitações, superações e necessidade de renovação dentro de cada realidade e tempo sócio-histórico. A partir daí, traz as diversas concepções de raça e suas principais modulações e modificações no decorrer da história, enfatizando o falsa ideia de raça no sentido biológico e sua superação, ao modo da Sociologia e das Ciências Sociais, ou seja, as raças como construção sociopolítica. O autor também expõe as diferenças entre etnia, raça e nação, define e relaciona os conceitos de classes sociais, cor e cultura.

No segundo capítulo, o autor trata da formação da identidade brasileira através do projeto ideológico da mestiçagem, descrevendo o imaginário social brasileiro (país mestiço e racialmente fraterno) que desemboca na democracia racial. Anuncia o investimento do Estado na ideia de que a liberdade foi de fato alcançada com o fim do cativeiro e que tanto o abolicionismo quanto o republicanismo (o autor se concentra no período 1870-1930) foram processos ideologicamente focados na cultura mestiça. São esses sentimentos que estarão no cerne da elaboração estética, cultural e epistemológica (dentro e fora) das populações negras, aspectos que marcaram, segundo o autor, a modernidade e a política brasileira.

No terceiro capítulo, temos a elaboração da tese central da obra. Partindo de uma concepção eurocêntrica, traz a definição sociológica da modernidade como essa ruptura radical: formas passadas e somente compreendida em relação a outras noções. No que tange a definição de modernidade negra, o autor afirma: “é o processo de inclusão cultural e simbólica dos negros à sociedade ocidental” (p.69). Essa modernidade seria marcada pelo desenvolvimento de imagens de negros cada vez mais animalescos para contraposição das imagens de humanidade dos europeus. Compreendendo as várias modernidades no sentido temporal, destaca as especificidades que marcam o moderno na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.

No quarto capítulo o autor discute a democracia racial negra dos anos de 1940, analisando os meios culturais e intelectuais negros, declarando que a ideologia da miscigenação foi um mote para uma ideia de identidade brasileira descentrada da raça. O autor analisa os discursos de Abdias Nascimento, Solano Trindade, Laurindo Pompílio, Raimundo Dantas e algumas ideias do Teatro Experimental do Negro (TEN), demonstrando a dificuldade da construção de um discurso em termos raciais até a década de 1940. Nas falas, o autor identifica a afirmação da existência do preconceito de cor e não de raças. Havia cautela no sentido de apontar o Brasil como um país racista. O capítulo se encerra com o relato sobre o surgimento da democracia racial negra, descrevendo como a ideia de integração dentro de uma identidade mestiça brasileira embasava essa ideologia.

O quinto capítulo faz um panorama do desenvolvimento do pensamento de Abdias Nascimento dentro das categorias “resistência” e “revolta”. O autor explica o rompimento com a ideia de democracia racial, expresso em O negro revoltado (1968). O capítulo seis continua pensando o papel dos intelectuais negros na construção teórica da democracia racial e como paulatinamente foi se constituindo um discurso militante que a negava.

O sétimo capítulo trata da recepção da obra do intelectual martinicano Frantz Fanon nas universidades brasileiras, até as primeiras décadas deste século, apontando o desinteresse da esquerda brasileira em torno de Fanon e do baixo assentimento de suas ideias entre os jovens negros. Dialogando com essa ausência, o penúltimo capítulo do livro faz um balanço das ações afirmativas no Brasil, a partir de 1968, citando projetos das políticas de cotas, entre os quais aquele descartado pelo próprio ministro do trabalho, o coronel Jarbas Passarinho.

O nono e último capítulo revisita a construção da ideia de democracia racial no país. Transitando entre “democracia étnica”, “fraternidade racial” e “democracy race” (categorias empregadas por pensadores estadunidenses),

o autor explora nomes como Gilberto Freyre, Thales de Azevedo, Guerreiro Ramos e afirma que, apesar das diferenças de abordagem, ainda pensam nos termos de uma nação mestiça onde seria possível construir uma sociedade sem hierarquia racial.

Thales de Azevedo | Foto: Agilberto Lima/Wikipédia

Modernidades Negra cobre um amplo espaço de tempo e uma pluralidade de fontes que nos permite inseri-lo em diversos debates. Chama atenção a concatenação de textos produzidos em momentos distintos, que nos permitem compreender a ideologia da miscigenação como base da democracia racial (ainda empregada na elaboração de políticas afirmativas no Brasil). A obra informa sobre os diversos usos democracia racial, constantemente reelaborada, e presente, por exemplo, nos discursos autoritários de Jair Messias Bolsonaro e General Hamilton Mourão.

No entanto, há alguns incômodos no que tange à atuação das pessoas negras na obra. Embora Antônio Sérgio afirme na apresentação que está alinhado à ideia da contracultura da modernidade, onde os subalternos se redefinem, o capítulo “Modernidade Negra” concebe a referida categoria como a inclusão negra na cultura ocidental. Essa visão é limitada quando pensamos tanto uma ideia de incorporação ao mundo “civilizado” como a possibilidade de autodefinição dentro desses termos. Para o autor, a modernidade seria esse processo de renovação estética e representativa que envolve representações no meio da arte, música, pensamento político. No caso brasileiro, seria marcada pela ação dos intelectuais modernistas, brancos.

Observando o livro a partir dos estudos críticos da branquitude contemporânea de Charles W. Mills (conceito de “ignorância branca”), pensamos se tratar de um caso de “ignorância” vivenciada pelos grandes intelectuais, onde o véu da branquitude os impedia de transitar entre outros olhares e experiências. Apesar de trazer a experiência negra, o livro parece concentrar-se mais na influência branca sobre os negros, não dando conta da ideia de Gilroy que nos fala sobre a alternância de dominação e submissão. Essa ausência se expressa, por exemplo, na minimização do papel da imprensa negra no processo de constituição do Modernismo, na omissão das iniciativas negras de preservação da cultura negra, no reforço à ideia de aculturação, na indução de um pseudo-alinhamento dos intelectuais negros à ideia de democracia racial e na omissão do racismo da esquerda como condicionante da baixa recepção das ideias de Frantz Fanon no Brasil.

Por todas as razões acima, a obra cumpre de modo parcial o objetivo anunciado, que seria o de refletir sobre o pensamento social brasileiro. Apesar das falhas, deve ser lida, inclusive, por estudantes de graduação, sobretudo pela diversidade de fontes que apresenta e possibilidades críticas que oferece sobre o tema.

Sumário de Modernidades Negras

  • Introdução
  • 1. O estudo de raças e sua formação histórica.
  • 2. A liberdade é negra; a igualdade branca e a fraternidade, mestiça.
  • 3. A modernidade negra.
  • 4. A democracia racial negra nos 1940.
  • 5. Resistência, revolta e quilombo.
  • 6. Os negros em busca da cidadania.
  • 7. A recepção de Fanon pela juventude negra.
  • 8. Ação afirmativa, um balão de ensaio em 1968.
  • 9. A democracia racial revisitada.

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Bruna Gabriella Santiago Silva é mestra em História (PROHIS/UFS) e graduada em História (UFCG). É doutoranda em História (PPGH/UFRGS), bolsista CAPES e membro do Grupo de Pesquisa “Pós-abolição no Mundo Atlântico”. Entre outros trabalhos, publicou: O Pensamento de Angela Davis: perspectivas de liberdade e resistência (2021), Feministas Negras Brasileiras e a interseccionalidade (2023), Marxismo Negro: As mulheres negras na vanguarda da luta revolucionária (2022) e Claudia Jones e Angela Davis: contribuição para a luta revolucionária (2023). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/3803923422902489 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0072-823X . E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. Modernidades negras: A formação racial brasileira (1930–1970). São Paulo: Editora 34, 2021. 296p. Resenha de: SILVA, Bruna Gabriella Santiago. Agência excluída. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.15, jan./fev., 2024. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/agencia-excluida-resenha-de-bruna-gabriella-santiago-silva-ppgh-ufrgs-sobre-o-livro-modernidades-negras-de-antonio-sergio-alfredo-guimaraes/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 15, jan./fev., 2024 | ISSN 2764-2666

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