Leituras sobre o Office of Strategic Services (OSS)

Por Raquel Anne Lima de Assis (UFRJ) | ID: https://orcid.org/0000-0002-6094-9889.

Candidates for the Office of Strategic Services (OSS) train at Prince William Forest Park, Va. | Imagem: National Archives and Records Administration photo

Neste artigo, discutimos a ação do serviço de espionagem dos Estados Unidos da América, durante a Segunda Guerra Mundial, revisando trabalhos sobre a “Office of Strategic Services” (OSS), agência surgida em 1941. Nosso objetivo é identificar perspectivas teóricas, metodologia e fontes utilizadas em tais trabalhos, e observar como os autores dialogam entre si. (Palavras – Chave: Office of Strategic Service (OSS), Espionagem, Agências de Inteligência, Estados Unidos da América e Segunda Guerra Mundial).

Introdução

Na literatura especializada sobre o Office of Strategic Service (OSS), produzida entre as décadas de 1960 e 2010, uma convergência se apresenta em termos de proposição e modelo de interpretação, que é a “Teoria Realista” para analisar o papel das agências de inteligência, notadamente, inglesas e norte-americanas, em sua ação na Segunda Guerra Mundial.

Na linha do realismo, segurança é, em poucas palavras, vista como proteção contra ameaças de invasões por meio da capacidade técnica e militar (PONTES, 2015, p.2). Assim, “a soberania nacional e o equilíbrio de poderes, que são distribuídos entre os diversos Estados, estão indiscutivelmente associados ao que se entende por segurança” (Idem). Dessa forma, os estudos de segurança, conforme essa perspectiva, procuram analisar os cenários em que o uso da força se torna mais provável e, consequentemente, as maneiras que possibilitem prevenir, evitar ou empreender uma guerra (Idem). O Estado, o poder militar e o controle político são os principais focos de análise, segundo essa teoria.

Seguindo o paradigma de Tomas Hobbes, que defende o estado de natureza do homem da “guerra de todos contra todos” e a necessidade de criação de um Estado para controlar esse contexto de anarquia (HOBBES, 2014), o realismo aplica tal concepção para as Relações Internacionais e a segurança nacional. Tal perspectiva entende que, na arena internacional, os Estados lutam entre si, fazendo da diplomacia e da guerra os principais meios para atingir as causas nacionais.

Sendo assim, a teoria do realismo compreende segurança e defesa como a salvaguarda contra ameaças externas através das disputas de poderes. Ou seja, segundo Helga Haftendorn, para o realismo as relações entre os Estados são reguladas através de interesses e de uma balança de poder em que se sobressaem aqueles com poder suficientemente coerente e forte. Ainda conforme a autora, somente ao final da Segunda Guerra Mundial esses teóricos “reconheceram que um sistema de segurança duraria apenas se dependesse tanto da renúncia à força quanto do respeito aos direitos humanos” (Tradução Nossa). (HAFTENDORN, 1990, p.7).

Consoante Stephen Walt, os estudos de segurança são definidos como a observação da ameaça, do uso e controle da força militar para garantir a independência, soberania e as fronteiras dos Estados. Trata-se de explorar as condições que tornam o “uso da força mais provável, as maneiras que a força afeta os indivíduos, os Estados e as sociedades, e as políticas específicas que os Estados adotam para preparar, prevenir e empreender uma guerra.” (WALT, 1991, p.212). Contudo, ainda conforme o autor, apesar de as ameaças militares serem os perigos mais sérios enfrentados pelos Estados em sua segurança nacional, não são os únicos (Ibidem). Como exemplo, podemos citar o controle de armas, a diplomacia, gestão de crises, as agendas econômicas e ecológicas, entre outros.

Neste cenário de anarquia internacional, conforme a perspectiva realista, não há um governo mundial que possa controlar os anseios de cada Estado. Logo, estes se utilizam da força para alcançar seus interesses e analisam se o resultado de tal política é mais benéfico que a paz. Como cada Estado é soberano em relação às suas ações, ele próprio decidirá se empregará sua força. Segundo Kenneth Waltz, a consequência é que, ao mesmo tempo em que todos os países podem utilizar da força, todos os outros devem estar preparados para responder da mesma forma ou pagar pela sua fraqueza. (WALTZ, 2004, p.198).

Os Estados, a fim de alcançar interesses próprios, criam uma Política de Estado de acordo com determinada racionalidade, de maneira que, caso haja a necessidade, haverá o uso da força, corroborando a ideia de que “um Estado guerreia com outro Estado. O objetivo da guerra é destruir ou alterar o Estado inimigo” (Ibidem, p.222). Essa estrutura geral se forma de acordo com o que Waltz chama de “teoria dos jogos”, em que “a estratégia de todos depende da estratégia de todos os outros” (Ibidem, p.248).

A historiografia e a operação SPARROW

Essa maneira pragmática e racionalizada da teoria realista pode ser observada na historiografia sobre a espionagem norte-americana. Um exemplo é o artigo de Zoltan Peterecz[1] (1969-) sobre a Operação SPARROW do OSS intitulado “Sparrow Mission: A US Intelligence Failure during World War II”, publicado em 2012 na Intelligence and National Security. Esta missão tinha como objetivo enviar agentes secretos para a Hungria com o objetivo de coletar informações, em 1944.

Entretanto, segundo o autor, os húngaros estavam dispostos a um acordo de paz em separado com os países anglo-saxônicos e a entrar em conflito contra a Alemanha. Essas negociações não se efetivaram pois, a Alemanha invadiu o território húngaro antes disto. Hitler já possuía a intenção de atacar, pois os húngaros, ao perceberem que a derrota alemã estava próxima, resolveram não entregar os judeus aos nazistas (EVANS, 2012). Contudo, ao descobrir os planos da inteligência norte-americana de entrar em acordo com a Hungria, o Führer resolveu prosseguir com o desejado:

A contrainteligência alemã, portanto, sabia o que estava por vir. Ela foi capaz de ler alguns dos telegramas americanos que entravam e saíam de Berna e estava bem informada sobre os objetivos de seu satélite desleal. Isso certamente minaria qualquer ação conjunta tomada pelo OSS e o governo da Hungria (Tradução Nossa) (PETERECZ, 2012, p.252).

Diante desse cenário, Zoltan Peterecz levanta o questionamento se essa de fato não foi a intenção dos EUA, ou seja, que a Hungria fosse ocupada pela Alemanha. Para o autor, o principal interesse dos norte-americanos era vencer a guerra, mesmo sendo necessário exercer pressão sobre os países satélites. Quando os alemães invadiram o território húngaro, três divisões que seriam utilizadas no momento do desembarque da Normandia foram transferidas para esse território, enfraquecendo, assim, as tropas alemãs na França (Ibidem, p.255-256). Em outras palavras, é levantada a possibilidade de que o OSS agiu para oferecer “provas” a Hitler de que os húngaros queriam uma paz em separado. Portanto, uma perspectiva realista do uso de um pragmatismo para alcançar seus interesses.

Percebemos a preocupação de Peterecz em analisar a influência do serviço secreto norte-americano no cenário internacional em que há uma busca pelos interesses nacionais do país. Contudo, essa análise encontra um limite, pois não se tem a resposta sobre até que ponto foi uma ação racional para impedir que tropas nazistas chegassem ao front francês, ou se realmente houve uma falha que acabou contribuindo.

Peterecz faz uso de uma extensa variedade de fontes, dentre as quais se encontram telegramas, memorandos, minutas e correspondências encontradas no National Archives de Washington D.C., além de entrevistas, memórias e diários de guerra. São documentos tanto sobre a Hungria como também relacionados à Turquia e Alemanha. Entretanto, não encontramos entre essas fontes o projeto da Operação SPARROW ao qual tivemos acesso ao coletarmos documentos, no mesmo arquivo, referente a Operação ROOK de sabotagem em transportes no sul da França.

Comparando nossa documentação com as análises de Peterecz, não encontramos uma comprovação de sua hipótese. Segundo o projeto da Operação SPARROW, a missão era estabelecer contato com o general húngaro Ujszassy e, através de sua equipe, conduzir ações de Serviço de Inteligência com o objetivo de acumular informações de Battle Order (Ordem de Batalha) na área do Rio Danúbio. Conforme o Mapa 1, este rio possui importância estratégica, pois cruza a Romênia, a Hungria, a Áustria, chegando até a Alemanha na fronteira com a Suíça, ou seja, parte da ocupação alemã no leste europeu. Além disso, servia para comunicar tais informações por meio dos canais do OSS ao quartel-general para que pudessem realizar o processo de análise, avaliação e distribuição dos dados.

Mapa 1

Fonte Google Maps. Acesso em 18032020 às 1414h.

Fonte: Google Maps. Acesso em 18/03/2020 às 14:14h.CIAOperação TORCH

O General Ujszassy não comandava qualquer área em particular, mas poderia ser enviado para outras regiões em uma comissão itinerante com funções gerais da missão. O plano era lançar de paraquedas dois agentes americanos no território húngaro, para que encontrassem oficiais a mando do general Ujszassy e, em seguida, fossem guiados a suas missões. As comunicações eram feitas através de Berne (Suíça) e de Istambul[2] (aqui encontramos o motivo de Peterecz utilizar documentos do OSS sobre este território).

Entre os agentes enviados estava um operador de rádio encarregado de encaminhar as informações à sede do OSS para fins estratégicos. Assim, foram pensados inicialmente dois nomes (ao final foram enviados três), o Tenente Suarez, que por não ser fluente em alemão foi enviado juntamente com Sargento G. Nunn.

Os húngaros acreditavam que paraquedismo direto no território poderia ser descoberto pelos agentes alemães. Portanto, eles propuseram que o lançamento fosse em território Partisan, para esconder melhor a ação e oferecer formas de explicar a situação. Além do general Ujszassy, esses agentes manteriam contato também com um ministro húngaro (não foi revelado o nome) de “total confiança das mais altas autoridades na Hungria e também é um amigo próximo […] inquestionavelmente confiável” (Tradução Nossa).[3]

Esse contato com altos escalões da Hungria poderia nos fazer questionar se essa foi, além de uma missão de coleta de informações, também uma ação com o objetivo de levar tensões entre os húngaros e os alemães. O agente 684, que fez parte do planejamento da operação, chegou a aconselhar que os húngaros deveriam evitar a ajuda alemã contra a Rússia[4]. A Hungria era um país anticomunista e inimigo dos soviéticos. Segundo Zoltan Peterecz, o país húngaro “exigiu garantias não apenas contra possíveis represálias alemãs, mas também contra a aproximação do Exército Vermelho Soviético (Tradução Nossa) (PETERECZ, 2012, p.246-247). O OSS também exigiu que eles deveriam “se opor às demandas alemãs para o uso de ferrovias húngaras, já que sem dúvida faria da ocupação russa uma certeza” (Tradução Nossa)[5].

Mas nada foi encontrado no projeto da Operação SPARROW de que a intenção era fazer a Hungria ser invadida pela Alemanha, ou seja, não encontramos a racionalidade defendida pelo autor sobre as ações do OSS. Mesmo na passagem a seguir não temos como comprovar se realmente a intenção era colocar os dois países um contra o outro, pois não sabemos se foi uma visão deliberadamente distorcida ou não dita aos húngaros sobre a improbabilidade de invasão alemã:

684 disse que informou que os alemães não podem dispersar de 10-15 divisões que seriam necessárias para ocupar a Hungria e insiste que os húngaros não somente não queriam tropas alemãs, mas deveriam resistir a elas se viessem (Tradução Nossa).[6]

Não negamos a importância da Hungria contra o Eixo no Leste Europeu como pode ser observada, por exemplo, ao “cortar transportes alemães ao mesmo tempo em que as tropas russas alcançassem o Cárpatos na fronteira húngara” (Tradução Nossa)[7]. Assim, o OSS impediria a locomoção dos alemães no norte da região, ou seja, diminuiria as possibilidades de avanço do inimigo. Nosso ponto é: não encontramos, nos documentos aos quais tivemos acesso, a racionalidade defendida por Peterecz na ação do OSS em levar a Hungria a ser ocupada propositalmente para enfraquecer a Alemanha na França ao dispensar tropas para o território húngaro. Portanto, a perspectiva realista adotada por Peterecz demonstra uma limitação em suas análises por deixar em aberto hipóteses que não puderam ser respondidas.

Fatos como “Sparrow não está autorizada a conduzir negociações de paz e nem fazer ou aceitar qualquer sondas de paz” (Tradução Nossa)[8] nos deixam questionamentos: seria o objetivo fazer os húngaros e alemães acreditarem que seria negociada a paz, quando de fato não seria? Foi uma estratégia para ganhar tempo e enganar os alemães ao custo da soberania de um país satélite? Ou apenas uma falha na contrainteligência que não pôde prever a infiltração inimiga? Sacrificaram a vida de milhões de judeus no território com o único objetivo de vencer na frente Ocidental? Ou foi uma consequência decorrente de erros operacionais? O realismo do autor não responde a essas perguntas.

O que podemos afirmar é que encontramos em Peterecz pontos em comum com Goulter, Wylie e Molander ao estudarem a SOE, a preocupação de analisar países satélites ou territórios fora das grandes batalhas estudadas pela historiografia, como Stalingrado, Moscou, Normandia, Midway ou Egito.

A historiografia e o interesse pela Ásia

Essa preocupação em estudar países satélites também pode ser identificada na obra “The OSS in Burma: Jungle War against the Japanese”, publicada em 2013, cujo autor é Troy J. Sacquety.[9] O historiador analisa a importância do Detachment 101, grupo do OSS especialista em guerrilha no território de Burma (sul da Ásia Continental).

Esse grupo tinha como objetivo auxiliar as tropas convencionais com ações contra os japoneses em operações subversivas de sabotagem e guerrilha e serviço de inteligência ao coletar informações. Por conhecerem bem a região, composta de selvas e pântanos, o Detachment 101 poderia facilmente aparecer, desaparecer e atacar o inimigo com emboscadas. Portanto, temos aqui um estudo sobre uma unidade paramilitar e suas estratégias, semelhante ao trabalho de Foot e Anglim em relação à SOE.

Uma vez que agentes do OSS eram treinados para o cenário europeu, as operações em Burma se mostraram um desafio. Foram realizados dois tipos de operações, de curto e longo alcance. Esta se mostrou mais arriscada diante de diversos fracassos, em que muitos agentes acabaram sendo capturados devido à falta de transportes próprios e dependência das Forças Armadas (SACQUETY, 2013, p.34). Outro fator foi a falta de apoio da população local na região sul que entregou os agentes aos japoneses – afinal, estamos falando de um contexto de guerra que nem sempre possuía os lados inimigos e aliados claramente definidos. Principalmente em regiões sob o julgo imperialista dos países ocidentais desde o final do século XIX, essas colônias viram no conflito a oportunidade de libertação e independência. Para muitos colonizados, ingleses e norte-americanos não eram necessariamente melhores que os japoneses.

Diante de tentativas e erros, as lições aprendidas foram utilizadas para operações de curta duração que se apresentaram um sucesso. O grupo Detachment 101 adquiriu força aérea e frota pequenas e passou a agir no Norte, onde os Kachins poderiam ajudar com efetiva inteligência e forte guerrilha (Ibidem, p.46). Além disso, conseguiu coletar informações sobre os movimentos japoneses e empreender guerrilha e sabotagem. Esse trabalho de selecionar dados úteis e avaliá-los possibilitou identificar alvos de bombardeios táticos.

Em 1944, houve um aumento de informações coletadas e analisadas e do potencial de guerrilha. Quase todas as estradas no norte da região estavam sob observação do OSS e agentes estavam coletando informações sobre a ordem de batalha japonesa, além de angariarem a confiança dos habitantes locais que puderam ajudar as forças convencionais Aliadas (Ibidem, p.75). As pretensões do Detachment 101 eram aumentar seu efetivo para 3000 homens.

Podemos nos perguntar qual importância essa região tinha para o OSS. Segundo Sacquety, com a ajuda da população local, o objetivo do OSS nesse território era fazer com que a China permanecesse na guerra contra o Japão. Para isso, era preciso libertar estradas em Burma para que os americanos pudessem fornecer suporte aos chineses, já que seus portos foram ocupados pelos japoneses em 1938. Por meio do Mapa 2 observamos a localização de Burma e a sua área ocupada pelos japoneses, em vermelho, que nos permite identificar a proximidade do território de Burma com a fronteira chinesa, sendo assim uma área de comunicação com a China. Assim, esta geografia nos ajuda a entender os motivos para o Detachment 101 se tornar o responsável pela segurança de tal rota, contribuindo na guerra das selvas com ataques surpresa de guerrilha e sabotagem (Ibidem, p.4).

Mapa 2

Fonte: THE U.S. MILITARY ACADEMY AT WEST POINT, World War II Asia-Pacific, India-Burma, Allied Area of Communications, 1942-1943. Disponível em: https://www.westpoint.edu/academics/academic-departments/history/world-war-two-asia. Acesso em 18/03/2020 às 15:37h.

Aqui, percebemos mais uma tentativa dessas análises de demonstrar a importância de uma agência de espionagem para a busca por equilíbrio de poder. Através de uma racionalidade, Sacquety nos mostra como controlando uma determinada região (Burma), os EUA pretendiam jogar um país contra o outro (China e Japão) para enfraquecer seu inimigo (Japão) e, consequentemente, se fortalecer na guerra. Um jogo de soma e zero em que a perda de um é a vantagem do outro. Trata-se de uma análise realista em que a força é o mecanismo por meio da qual cada Estado faz prevalecer seus interesses, uma busca por mais poder para manter sua segurança contra ameaças. Neste cenário, os Estados procuram formar uma rede constante de vigilância para garantir sua segurança (VILLA, 1999, p.87).

Perspectiva semelhante pôde ser identificada nas análises de Foot. Sacquety também trabalhou como agente, mas para a CIA, portanto, observamos como ambos os autores tiveram uma trajetória de vida não apenas acadêmica, mas também prática em agências de inteligência. Ou seja, verificamos como esses dois autores analisam as ações da SOE e do OSS influenciados por suas trajetórias como agentes que possuem como função uma efetividade estratégica a serviço dos interesses nacionais. Sendo assim, esses historiadores entendem o nascimento da inteligência britânica e norte-americana como os primeiros passos para o que ocorreria anos seguintes, isto é, um instrumento de disputa de poder de soma e zero.

Além disso, percebemos também como Sacquety pretende apresentar a importância da guerrilha como um trabalho prévio que ajudou a operação Aliada na região. Assim, Operações Especiais se tornaram tão fundamentais quanto Serviço de Inteligência para o OSS. Este órgão foi capaz de identificar o estado e a localização das tropas inimigas, alertar sobre uma contraofensiva japonesa e obter informações sobre os seus movimentos. Observamos como foi capaz de obter e avaliar dados táticos e estratégicos, chegando a 4000 homens em meados de 1944. Contribuindo com a participação inclusive de habitantes locais, o OSS pôde empreender operações ofensivas de guerrilha. Essas ações tiveram um importante efeito psicológico nos japoneses (Ibidem, p. 115). Esse tipo de atividade foi amplamente utilizado pela CIA nos anos seguintes, agência em que Sacquety atuou.

Estudo de Sacquety sobre a Ásia dialoga com o interesse de Bob Bergin[10] também sobre a região, mais especificamente a Tailândia no artigo “Free Thai Operations in World War II”, publicado pela Studies in Intelligence em 2011. O autor nos mostra como o fato da URSS ser a grande vencedora na Europa, ao derrotar a Alemanha quando chegou em Berlim em maio de 1945, levou a uma disputa de narrativas. Os EUA tentaram construir sua história da II Guerra como os grandes vencedores na Ásia, principalmente no Extremo Oriente contra os japoneses. Os lançamentos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki já demonstravam esse interesse (Cf. MUNHOZ, 2012).

Bob Bergin faz um estudo sobre as atividades do OSS na Tailândia em parceria com os movimentos de resistência na região, que estava sob controle dos japoneses desde 1941. Esses eram chamados de Free Thai e eram formados por tailandeses estudantes na Inglaterra e nos Estados Unidos. Apesar de praticarem guerra de guerrilha e sabotagem, os agentes e os movimentos de resistência se aprimoraram no Serviço de Inteligência.

Mais do que centrar nestas operações, Bergin mostra como esse território estava na rota dos britânicos e norte-americanos em suas pretensões no pós-guerra. Funcionários do Serviço de Inteligência do OSS precisaram levar em consideração os interesses da Inglaterra e da China, de modo que seus oficiais mantiveram uma boa relação ao mesmo tempo que necessitavam agir de forma “solitária” (BERGIN, 2011, p.11-12). Assim, conforme o autor, havia uma rivalidade entre a SOE e o OSS que pode ser verificada no fato de os britânicos terem declarado guerra aos tailandeses quando estes tiveram o território ocupado pelos japoneses, enquanto os norte-americanos, não. (Ibidem, p.12).

Bergin afirma ainda que “havia preocupação, tanto em Washington quanto em campo, de que, uma vez estabelecido contato da SOE na Tailândia, os britânicos tentariam congelar o OSS das operações tailandesas” (Tradução Nossa) (Ibidem, p.21). Portanto, observamos como havia uma competição entre ambas as agências por áreas de influência na Tailândia com pretensões não só para a guerra, como também para o pós-guerra, pois essas operações influenciariam as relações com o governo tailandês. Na percepção do OSS, seus agentes deveriam agir de forma independente, já que a SOE fazia o mesmo (Idem).

Assim, através da Operação HOTFOOT, os agentes OSS conseguiram antecipar a SOE e se infiltraram na região, de modo a não contar com a participação dos britânicos. Presente em Bangkok, o OSS venceu a corrida contra os ingleses. Isso demonstra como a organismos de Inteligência norte-americana precisaram lidar não somente com o inimigo, mas também com os interesses nacionais dos aliados chineses e britânicos no pós-guerra para organizar seu sistema operacional na região tailandesa. Afinal de contas, o que estava em jogo eram as pretensões coloniais britânicas – em menores proporções também as chinesas – naquele território (Ibidem, p.21).

Com o trabalho de Bob Bergin observamos mais uma explicação realista que a historiografia sobre o OSS e SOE tende a seguir. Cada ator possui uma razão que leva aos seus interesses e aos métodos para enfrentar a situação. A razão perfeita é a cooperação, mas deixar de segui-la não significa irracionalidade. Isso nos ajuda a pensar as relações entre as próprias instituições. SOE e OSS precisavam de, e mantinham em algum grau, cooperação entre si. Entretanto, isso não exclui a presença de métodos diferentes para alcançar tais interesses, e até mesmo outros objetivos em meio ao conflito.

SOE e OSS agiram em conjunto em diversas operações, mas houve conflitos de interesses quando se tratava de conquistar áreas de influência, afinal os Estados possuem vários objetivos. A Inglaterra tinha o interesse de preservar colônias no pós-guerra, ao passo que os EUA queriam se impor como nova potência hegemônica em territórios livres. O que era bom para um poderia gerar uma reação adversa para outro, pois não havia uma harmonia automática.

A razão está submetida aos interesses próprios em que cada um busca sua racionalidade. Neste cenário percebemos que os interesses podem se sobrepor à política de cooperação, mesmo que esta seja a ideal. Kenneth Waltz, em O homem, o estado e a guerra: uma análise teórica (2004), analisa o “Contrato social” de Rousseau e de Hobbes para explicar que o Estado se compara ao homem em estado de natureza pela ausência de um poder regulador (WALTZ, 2004, p.220), ou seja, um cenário de anarquia internacional em que cooperação, que seria preferível, é deixada de lado quando os Estados buscam outros objetivos, se configurando como “uma luta de todos contra todos”.

A historiografia e o interesse por África

Assim como Sacquety e Peterecz, Bergin mantém também o interesse por países satélites como um ponto em comum com o trabalho de Eleony Moorhead,[11] intitulado “The OSS and Operation TORCH: The Beginning of the Beginning” e publicado na Tempus: The Harvard College History Review em 2009. Todos estes autores escreveram seus trabalhos no início do século XXI, ou seja, um contexto multipolar, sem superpotências e novas preocupações com países do Terceiro Mundo que ganharam destaque como nações em desenvolvimento. Portanto, novas agendas surgiram nesse período como reflexo das mudanças ocasionadas pelo fim da Guerra Fria e o surgimento de uma nova ordem mundial.

No caso de Moorhead, suas análises se voltam para o Norte da África ao apresentar os primeiros passos do OSS em seu processo de profissionalização. A autora defende que através da Operação TORCH esse serviço secreto pôde conquistar um maior prestígio entre os militares que mantinham inicialmente uma certa desconfiança sobre a sua utilidade na estratégia militar norte-americana, além de alterar a forma tutelar que mantinha com a espionagem britânica para uma relação mais igualitária e, em alguns casos, até de rivalidade (MOORHEAD, 2009, p.3).

A Operação TORCH ocorreu em 1942, comandada pelo General Dwight D. Eisenhower, cujo objetivo era desembarcar no Norte da África, controlado pela França de Vichy. Esta batalha pode ser ilustrada no Mapa 3 que nos apresenta o movimento das forças Aliadas e do Eixo pelo domínio das colônias francesas, Marrocos, Argélia e Tunísia. Enquanto as forças do Eixo partiam da Itália, os Aliados agiram em duas frentes, pelo Atlântico, no oeste, e pela Líbia, no leste. O propósito era chegar à Europa ocupada e diminuir a pressão que os soviéticos estavam sofrendo contra as tropas alemãs no Leste Europeu. Assim, a operação pretendia controlar o território africano que daria acesso ao mar Mediterrâneo. Essa era a primeira grande ofensiva dos EUA no teatro de operações desde que declarou guerra ao Eixo em 1941. Contudo, os estadunidenses só tiveram sucesso em 1943 diante de diversas falhas, dentre elas algumas oriundas do próprio OSS.

Mapa 3

Fonte: MAPPING HISTORY, World War II: The European The Mediterranean Front: 1940-1943, The Mediterranean Front: 1940-1943. Disponível em: https://mappinghistory.uoregon.edu/english/US/US35-03.html. Acesso em 18/03/2020 às 15:51h.

O OSS tinha responsabilidade operacional no Norte da África e no Extremo Oriente, incluindo a China. Por sua vez, foi designado à SOE a Europa, os Balcãs, o Oriente Médio, a África Oriental e Ocidental e a Índia como áreas de influência. Este acordo entre ambas as agências visava evitar duplicação de esforços e confusão em suas atividades de inteligência e operações especiais. Assim sendo, caso agentes norte-americanos tivessem o interesse de trabalhar em regiões de responsabilidade dos britânicos, deveriam agir subordinados à SOE (Ibidem, p.1011).

Com a Operação TORCH, o OSS estava encarregado não somente de coletar informações e avaliá-las, como também preparar grupos de resistência para ajudar as tropas Aliadas. O objetivo era empreender o mínimo de violência contra os franceses, por ainda serem aliados. Contudo, eles controlavam o território, o que levou ao receio de que empreendessem uma contraofensiva contra os norte-americanos e britânicos. Sendo assim, o OSS foi acionado para realizar uma guerra subversiva a fim de impedir que a resistência francesa se voltasse contra o desembarque.

O plano da agência era recrutar franceses e muçulmanos locais para participarem de uma guerra de guerrilha. O erro foi o otimismo em achar que a participação seria efetiva. Havia muito sigilo em torno da Operação, o que dificultou integrar os habitantes locais em atividades militares de alto nível. Para não arriscar o elemento surpresa do desembarque, essas tropas de guerrilha não foram informadas no tempo adequado sobre o momento de ataque. A consequência foi que muitos desertaram e as ações de sabotagem foram abandonas à medida que os Aliados atacavam (Ibidem, p.10-11). Para Sherman Kent, “o segredo, por motivos de segurança, entre produtores e utilizadores de informações afeta sua relação de colaboração” (KENT, 1967, p.183).

Agregado a isso, houve a resistência que as tropas francesas ofereceram ao se depararem com os Aliados, outro cálculo errado que o OSS cometeu achando que não haveria resistência aos britânicos e estadunidenses. Assim, no momento do ataque as Forças Amadas norte-americanas e britânicas sofreram diversas baixas, obrigando Eisenhower a recuar. Apesar disto, Moorhead afirma que o OSS teve mais sucesso no serviço de inteligência e foi isso que levou à profissionalização e confiança dos militares ao seu papel (MOORHEAD, p.15).

A agência conseguiu relatar o desenvolvimento político e militar da região através de uma rede de agentes formada antes da Operação TORCH. Assim, foram repassadas a Eisenhower informações sobre “estimativas da força e disposição das forças francesas; relatórios sobre desenvolvimentos políticos; e informações precisas sobre as condições da praia, dos portos e das instalações militares” (Ibidem, p.9-10), além do envio de especialistas para analisar as condições do terreno e da localização do quartel inimigo. Esta relação exemplifica o que Sherman Kent defende de uma relação próxima entre produtores e utilizadores de informação ao ponto do segundo fornecer orientações ao primeiro desde que essa aproximação não afete a objetividade do serviço de inteligência (KENT, 1967, p.173-174).

A informação é uma ferramenta auxiliar àqueles que tomam decisões políticas e militares. Portanto, sua função é destacar fatos e situações que possam estar sendo negligenciadas por esses governantes, analisar outras linhas de ação solicitadas por eles e oferecer possíveis soluções, que podem ou não serem adotadas por estes tomadores de decisões. Isso demonstra a importância destes órgãos angariarem a confiança dos executores, conhecerem suas necessidades e oferecerem informações que possam ser utilizadas. Confiança e orientação são fundamentais para a produção do conhecimento estratégico.

Para Michael Herman essa relação é análoga, em certo sentido, ao do mercado. Segundo o autor o serviço de inteligência precisa tratar seus destinatários como “clientes” ao convencer sobre o que precisa e o lhe é útil, ou seja, intensificar o que o “consumidor” precisa, mesmo que não tenha noção, e utilizar da sua habilidade de convencimento, pois “a inteligência não é um processo de entrega impessoal” (HERDMAN, 1996, p.45-6). Conforme o trabalho de Moorhead, o OSS conseguiu conquistar seu “cliente”, o Exército norte-americano lhe convencendo o que era acreditava ser útil.

Dessa forma, percebemos como Moorhead faz uma análise preocupada com as estratégias utilizadas e a influência que o OSS teve para a força Aliada. É mais um exemplo para nos ajudar a demonstrar o caminho que a historiografia sobre a SOE e o OSS tenta seguir, ou seja, entender suas estratégias durante a II Guerra Mundial.

Notas de um balanço historiográfico

A partir desse debate bibliográfico, percebemos que lacunas permaneceram ao tentar medir a real contribuição da SOE e do OSS nas relações internacionais. Ou seja, historiadores não conseguem responder como as agências, de fato, ajudaram a vencer a guerra, pois estão presos em análises do cenário internacional a partir de uma perspectiva voltada para uma racionalidade das instituições. A ideia de uma racionalidade nas relações internacionais pode ser explicada pela teoria realista. Nessa análise, o Estado, ao detectar as ameaças aos seus interesses nacionais, cria um conjunto de medidas e ações para preservar ou criar uma ordem adequada a fim de atender seus interesses e valores através do uso da força, se necessário (RUDZIT; NOGAMI, 2010, p.5-24).

Na totalidade dos interesses do Estado está a Política de Segurança Nacional. Segundo Gunther Rudzit e Otto Nogami, “é nesta esfera que são articuladas tantos os interesses nacionais mais amplos, quanto os objetivos do país e os meios (militares, econômicos, sociais e políticos) que serão usados a fim de promover e protegê-los” (Ibidem, p.12). Ainda conforme os autores, “as várias políticas setoriais – saúde, impostos, comércio exterior, agricultura, imigração, educação, defesa – representam diferentes segmentos da ‘teia-aranha’, que juntos expressam os interesses políticos e de segurança nacional” (Ibidem, p.12-3).

Esses interesses nacionais são os motivos pelos quais um Estado estaria disposto a enfrentar uma guerra. Portanto, eles constituem os elementos da política de defesa de um determinado país. Ao identificar as ameaças a esses interesses, são pensadas as estratégias necessárias para impedi-las. Em consequência, serão definidas as políticas, ações e os recursos de todo o Estado para alcançar esses objetivos, ou seja, não é algo que se limita as áreas militares.

Portanto, ainda na concepção de Rudzit e Nogami, percebemos como esses Estados passam por um processo de identificar e definir seus interesses, objetivos e ameaças. A partir destas percepções são estabelecidas as responsabilidades para alcançar os objetivos militares. Em outras palavras, trata-se da racionalização dos meios a serem empregados e o efetivo controle dos meios militares pelo comando civil. Essas definições estabelecem as capacidades militares específicas para a execução das missões (Ibidem, p.13).

A teoria realista ganhou força com o advento da Guerra Fria, quando EUA e URSS disputavam um equilíbrio de poder na balança internacional. Pensar os conflitos nesse contexto era principalmente identificar e analisar as formas como cada Estado procurava fazer pressão sobre os demais através da força e, assim, alcançar seus interesses nacionais. Dentre essas formas estava a guerra secreta entre as agências de inteligência e seus usos para potencializar as estratégias de cada nação.

Assim, espionagem tornou-se um tema de interesse dos historiadores. Muitos dos estudiosos aqui citados procuraram entender as primeiras agências voltadas para o serviço de inteligência de forma institucionalizada. Dentre as principais, estavam a agência britânica SOE e a norte-americana OSS. Apesar de serem estudos sobre a Segunda Guerra, as análises estavam sob influência da teoria realista, a qual foi tão forte durante a Guerra Fria e ganhou uma reformulação nos anos 1990 de acordo com o que chamamos de neorrealismo.

Mesmo com o fim da URSS e o advento de um novo cenário internacional, estudos mais recentes mantiveram uma perspectiva realista – ou seja, preservou-se a preocupação de tratar a SOE e o OSS como mecanismos que contribuíram para a vitória dos Aliados por meio de um estudo de suas estratégias. O diferencial dos trabalhos contemporâneos aqui mencionados foi o recorte espacial ao estudarem países satélites ou fora das grandes batalhas, algo que dialoga com uma nova ordem mundial multipolar do século XXI.

Contudo, esse tipo de análise adotada pela historiografia sobre a SOE e o OSS deixou de lado o próprio funcionamento das instituições, pois está voltada para investigações em torno de estratégias e equilíbrio de poder. Assim, identificamos algumas lacunas na historiografia, dentre elas a de que os cálculos pragmáticos da teoria realista não contemplam a análise sobre os serviços de inteligência, uma vez que os atritos identificados nas relações das agências demonstram paixões e competições dentro do próprio aparato institucional que elas estavam inseridas. Nos trabalhos aqui debatidos pouco foi pensado sobre a leitura que a SOE e o OSS possuíam sobre sua formação e suas atividades. Portanto, através do estudo da documentação produzida por essas agências, podemos levantar problemáticas em torno da narrativa apresentada por funcionários e agentes das instituições sobre suas operações e os movimentos de resistência e como suas atividades eram lidas pelos próprios organismos. Ou seja, como a SOE e o OSS se apresentavam e quais a percepções possuíam de sua importância.

Referências

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RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Segurança e Defesa nacional: conceitos básicos para uma análise. In: Revista Brasileira de Política internacional. 53 (1): 5-24, 2010.

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WALTZ, Kenneth N. O homem, o estado e a guerra: uma análise teórica. Trad.: Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 220.

Notas

[1] Peterecz é um historiador húngaro, professor da Eszterhazy Karoly College, Hungria, e com doutorado pela Eötvös Loránd University. Dentre seus trabalhos podemos destacar também “SOE Operations in Hungary During the Second World War”, publicado no livro Contemporary Perspectives on Language, Culture and Identity in Anglo-American Contexts (2019).

[2] Operation SPARROW. In: Record Group 226: Records of the Office of Strategic Services, 1919 – 2002. Series: Algiers Field Station Files, 1941 – 1945. File Unit: 626) ROOK: Sabotage of Transportation and Communications in Southern France, Nov 1943-Feb 1944. National Archives Identifier: 6275410. ARC Identifier: 6275410. HMS/MLR Entry Number: A1 97. Container ID: 35.

[3] “An Hungurian Minister here, who has the full confidence of the hightest authorities im Hungary and i salso a close […] unquestionably trustworthy”. In: Incoming Cables, January, 27, 1944. In: Idem.

[4] Incoming Cables, January, 11, 1944. In: Idem.

[5] “They, opossed German demands for the useof the Hungarian railroad, since it would undoubtedly make Russian occupation a certainty” (Incoming Cables, January, 11, 1944. In: Op. cit.

[6] “684 says he has pointed out that Germany cannot spare from 10-15 divisions which would be necessary to occupy Hungary and urged that Hungary not only did not wnat German troops but should resist them if they came”. In: Idem.

[7] “[…] cut off German transportation at the same time that the Russian troops reached the Carpathians on the Hungarian frontier”. In: Idem.

[8] “Sparrow is not authorized to conduct peace negotiations nor is he to make or accept any peace feelers. 2677 HQ. CO. Incoming Message Form, 1944. In: Idem.

[9] Com doutorado pela Texas A&M University, o autor trabalhou como historiador para o Comando de Operações Especiais do Exército dos Estados Unidos e foi funcionário da CIA. Entre seus demais trabalhos podemos citar “OSS Training in the National Parks and Service Abroad in World War II by John Whiteclay Chambers”, publicado pela The Public Historian, em 2010.

[10] O autor é ex-oficial do Serviço de Relações Exteriores dos EUA e especialista no Sudeste Asiático, onde passou grande parte de sua carreira. Além de trabalhos sobre o OSS, Bergin também é especialista em história militar e da aviação norte-americana na Ásia. Dentre seus trabalhos podemos destacar: The Asia Hands: OSS Operators in Southeast Asia and China (2013) e SECRET AGENT: Ho Chi MInh as Comintern Agent and OSS Collaborator (2019).

[11] Historiadora formada em Harvard.


Autora

Raquel Anne Lima de Assis é mestranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduada em Licenciatura em história pela Universidade Federal de Sergipe. Publicou, entre outros trabalhos, “Desvendando Caminhos “Secretos”: Uma Análise Historiográfica da Espionagem Britânica Durante a Segunda Guerra Mundial”  e “A Inteligência Norte-americana e a Crise dos Mísseis de 1962“. E-mail: Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4226246348820892; ID: https://orcid.org/0000-0002-6094-9889; E-mail: [email protected].


Para citar este artigo

ASSIS, Raquel Anne Lima de. Agências de espionagem na Segunda Guerra Mundial. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out, 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/agencias-de-espionagem-na-segunda-guerra-mundial-2/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo 7ara fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

 

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Leituras sobre o Office of Strategic Services (OSS)

Por Raquel Anne Lima de Assis (UFRJ) | ID: https://orcid.org/0000-0002-6094-9889.

Candidates for the Office of Strategic Services (OSS) train at Prince William Forest Park, Va. | Imagem: National Archives and Records Administration photo

Neste artigo, discutimos a ação do serviço de espionagem dos Estados Unidos da América, durante a Segunda Guerra Mundial, revisando trabalhos sobre a “Office of Strategic Services” (OSS), agência surgida em 1941. Nosso objetivo é identificar perspectivas teóricas, metodologia e fontes utilizadas em tais trabalhos, e observar como os autores dialogam entre si. (Palavras – Chave: Office of Strategic Service (OSS), Espionagem, Agências de Inteligência, Estados Unidos da América e Segunda Guerra Mundial).

Introdução

Na literatura especializada sobre o Office of Strategic Service (OSS), produzida entre as décadas de 1960 e 2010, uma convergência se apresenta em termos de proposição e modelo de interpretação, que é a “Teoria Realista” para analisar o papel das agências de inteligência, notadamente, inglesas e norte-americanas, em sua ação na Segunda Guerra Mundial.

Na linha do realismo, segurança é, em poucas palavras, vista como proteção contra ameaças de invasões por meio da capacidade técnica e militar (PONTES, 2015, p.2). Assim, “a soberania nacional e o equilíbrio de poderes, que são distribuídos entre os diversos Estados, estão indiscutivelmente associados ao que se entende por segurança” (Idem). Dessa forma, os estudos de segurança, conforme essa perspectiva, procuram analisar os cenários em que o uso da força se torna mais provável e, consequentemente, as maneiras que possibilitem prevenir, evitar ou empreender uma guerra (Idem). O Estado, o poder militar e o controle político são os principais focos de análise, segundo essa teoria.

Seguindo o paradigma de Tomas Hobbes, que defende o estado de natureza do homem da “guerra de todos contra todos” e a necessidade de criação de um Estado para controlar esse contexto de anarquia (HOBBES, 2014), o realismo aplica tal concepção para as Relações Internacionais e a segurança nacional. Tal perspectiva entende que, na arena internacional, os Estados lutam entre si, fazendo da diplomacia e da guerra os principais meios para atingir as causas nacionais.

Sendo assim, a teoria do realismo compreende segurança e defesa como a salvaguarda contra ameaças externas através das disputas de poderes. Ou seja, segundo Helga Haftendorn, para o realismo as relações entre os Estados são reguladas através de interesses e de uma balança de poder em que se sobressaem aqueles com poder suficientemente coerente e forte. Ainda conforme a autora, somente ao final da Segunda Guerra Mundial esses teóricos “reconheceram que um sistema de segurança duraria apenas se dependesse tanto da renúncia à força quanto do respeito aos direitos humanos” (Tradução Nossa). (HAFTENDORN, 1990, p.7).

Consoante Stephen Walt, os estudos de segurança são definidos como a observação da ameaça, do uso e controle da força militar para garantir a independência, soberania e as fronteiras dos Estados. Trata-se de explorar as condições que tornam o “uso da força mais provável, as maneiras que a força afeta os indivíduos, os Estados e as sociedades, e as políticas específicas que os Estados adotam para preparar, prevenir e empreender uma guerra.” (WALT, 1991, p.212). Contudo, ainda conforme o autor, apesar de as ameaças militares serem os perigos mais sérios enfrentados pelos Estados em sua segurança nacional, não são os únicos (Ibidem). Como exemplo, podemos citar o controle de armas, a diplomacia, gestão de crises, as agendas econômicas e ecológicas, entre outros.

Neste cenário de anarquia internacional, conforme a perspectiva realista, não há um governo mundial que possa controlar os anseios de cada Estado. Logo, estes se utilizam da força para alcançar seus interesses e analisam se o resultado de tal política é mais benéfico que a paz. Como cada Estado é soberano em relação às suas ações, ele próprio decidirá se empregará sua força. Segundo Kenneth Waltz, a consequência é que, ao mesmo tempo em que todos os países podem utilizar da força, todos os outros devem estar preparados para responder da mesma forma ou pagar pela sua fraqueza. (WALTZ, 2004, p.198).

Os Estados, a fim de alcançar interesses próprios, criam uma Política de Estado de acordo com determinada racionalidade, de maneira que, caso haja a necessidade, haverá o uso da força, corroborando a ideia de que “um Estado guerreia com outro Estado. O objetivo da guerra é destruir ou alterar o Estado inimigo” (Ibidem, p.222). Essa estrutura geral se forma de acordo com o que Waltz chama de “teoria dos jogos”, em que “a estratégia de todos depende da estratégia de todos os outros” (Ibidem, p.248).

A historiografia e a operação SPARROW

Essa maneira pragmática e racionalizada da teoria realista pode ser observada na historiografia sobre a espionagem norte-americana. Um exemplo é o artigo de Zoltan Peterecz[1] (1969-) sobre a Operação SPARROW do OSS intitulado “Sparrow Mission: A US Intelligence Failure during World War II”, publicado em 2012 na Intelligence and National Security. Esta missão tinha como objetivo enviar agentes secretos para a Hungria com o objetivo de coletar informações, em 1944.

Entretanto, segundo o autor, os húngaros estavam dispostos a um acordo de paz em separado com os países anglo-saxônicos e a entrar em conflito contra a Alemanha. Essas negociações não se efetivaram pois, a Alemanha invadiu o território húngaro antes disto. Hitler já possuía a intenção de atacar, pois os húngaros, ao perceberem que a derrota alemã estava próxima, resolveram não entregar os judeus aos nazistas (EVANS, 2012). Contudo, ao descobrir os planos da inteligência norte-americana de entrar em acordo com a Hungria, o Führer resolveu prosseguir com o desejado:

A contrainteligência alemã, portanto, sabia o que estava por vir. Ela foi capaz de ler alguns dos telegramas americanos que entravam e saíam de Berna e estava bem informada sobre os objetivos de seu satélite desleal. Isso certamente minaria qualquer ação conjunta tomada pelo OSS e o governo da Hungria (Tradução Nossa) (PETERECZ, 2012, p.252).

Diante desse cenário, Zoltan Peterecz levanta o questionamento se essa de fato não foi a intenção dos EUA, ou seja, que a Hungria fosse ocupada pela Alemanha. Para o autor, o principal interesse dos norte-americanos era vencer a guerra, mesmo sendo necessário exercer pressão sobre os países satélites. Quando os alemães invadiram o território húngaro, três divisões que seriam utilizadas no momento do desembarque da Normandia foram transferidas para esse território, enfraquecendo, assim, as tropas alemãs na França (Ibidem, p.255-256). Em outras palavras, é levantada a possibilidade de que o OSS agiu para oferecer “provas” a Hitler de que os húngaros queriam uma paz em separado. Portanto, uma perspectiva realista do uso de um pragmatismo para alcançar seus interesses.

Percebemos a preocupação de Peterecz em analisar a influência do serviço secreto norte-americano no cenário internacional em que há uma busca pelos interesses nacionais do país. Contudo, essa análise encontra um limite, pois não se tem a resposta sobre até que ponto foi uma ação racional para impedir que tropas nazistas chegassem ao front francês, ou se realmente houve uma falha que acabou contribuindo.

Peterecz faz uso de uma extensa variedade de fontes, dentre as quais se encontram telegramas, memorandos, minutas e correspondências encontradas no National Archives de Washington D.C., além de entrevistas, memórias e diários de guerra. São documentos tanto sobre a Hungria como também relacionados à Turquia e Alemanha. Entretanto, não encontramos entre essas fontes o projeto da Operação SPARROW ao qual tivemos acesso ao coletarmos documentos, no mesmo arquivo, referente a Operação ROOK de sabotagem em transportes no sul da França.

Comparando nossa documentação com as análises de Peterecz, não encontramos uma comprovação de sua hipótese. Segundo o projeto da Operação SPARROW, a missão era estabelecer contato com o general húngaro Ujszassy e, através de sua equipe, conduzir ações de Serviço de Inteligência com o objetivo de acumular informações de Battle Order (Ordem de Batalha) na área do Rio Danúbio. Conforme o Mapa 1, este rio possui importância estratégica, pois cruza a Romênia, a Hungria, a Áustria, chegando até a Alemanha na fronteira com a Suíça, ou seja, parte da ocupação alemã no leste europeu. Além disso, servia para comunicar tais informações por meio dos canais do OSS ao quartel-general para que pudessem realizar o processo de análise, avaliação e distribuição dos dados.

Mapa 1

Fonte Google Maps. Acesso em 18032020 às 1414h.

Fonte: Google Maps. Acesso em 18/03/2020 às 14:14h.CIAOperação TORCH

O General Ujszassy não comandava qualquer área em particular, mas poderia ser enviado para outras regiões em uma comissão itinerante com funções gerais da missão. O plano era lançar de paraquedas dois agentes americanos no território húngaro, para que encontrassem oficiais a mando do general Ujszassy e, em seguida, fossem guiados a suas missões. As comunicações eram feitas através de Berne (Suíça) e de Istambul[2] (aqui encontramos o motivo de Peterecz utilizar documentos do OSS sobre este território).

Entre os agentes enviados estava um operador de rádio encarregado de encaminhar as informações à sede do OSS para fins estratégicos. Assim, foram pensados inicialmente dois nomes (ao final foram enviados três), o Tenente Suarez, que por não ser fluente em alemão foi enviado juntamente com Sargento G. Nunn.

Os húngaros acreditavam que paraquedismo direto no território poderia ser descoberto pelos agentes alemães. Portanto, eles propuseram que o lançamento fosse em território Partisan, para esconder melhor a ação e oferecer formas de explicar a situação. Além do general Ujszassy, esses agentes manteriam contato também com um ministro húngaro (não foi revelado o nome) de “total confiança das mais altas autoridades na Hungria e também é um amigo próximo […] inquestionavelmente confiável” (Tradução Nossa).[3]

Esse contato com altos escalões da Hungria poderia nos fazer questionar se essa foi, além de uma missão de coleta de informações, também uma ação com o objetivo de levar tensões entre os húngaros e os alemães. O agente 684, que fez parte do planejamento da operação, chegou a aconselhar que os húngaros deveriam evitar a ajuda alemã contra a Rússia[4]. A Hungria era um país anticomunista e inimigo dos soviéticos. Segundo Zoltan Peterecz, o país húngaro “exigiu garantias não apenas contra possíveis represálias alemãs, mas também contra a aproximação do Exército Vermelho Soviético (Tradução Nossa) (PETERECZ, 2012, p.246-247). O OSS também exigiu que eles deveriam “se opor às demandas alemãs para o uso de ferrovias húngaras, já que sem dúvida faria da ocupação russa uma certeza” (Tradução Nossa)[5].

Mas nada foi encontrado no projeto da Operação SPARROW de que a intenção era fazer a Hungria ser invadida pela Alemanha, ou seja, não encontramos a racionalidade defendida pelo autor sobre as ações do OSS. Mesmo na passagem a seguir não temos como comprovar se realmente a intenção era colocar os dois países um contra o outro, pois não sabemos se foi uma visão deliberadamente distorcida ou não dita aos húngaros sobre a improbabilidade de invasão alemã:

684 disse que informou que os alemães não podem dispersar de 10-15 divisões que seriam necessárias para ocupar a Hungria e insiste que os húngaros não somente não queriam tropas alemãs, mas deveriam resistir a elas se viessem (Tradução Nossa).[6]

Não negamos a importância da Hungria contra o Eixo no Leste Europeu como pode ser observada, por exemplo, ao “cortar transportes alemães ao mesmo tempo em que as tropas russas alcançassem o Cárpatos na fronteira húngara” (Tradução Nossa)[7]. Assim, o OSS impediria a locomoção dos alemães no norte da região, ou seja, diminuiria as possibilidades de avanço do inimigo. Nosso ponto é: não encontramos, nos documentos aos quais tivemos acesso, a racionalidade defendida por Peterecz na ação do OSS em levar a Hungria a ser ocupada propositalmente para enfraquecer a Alemanha na França ao dispensar tropas para o território húngaro. Portanto, a perspectiva realista adotada por Peterecz demonstra uma limitação em suas análises por deixar em aberto hipóteses que não puderam ser respondidas.

Fatos como “Sparrow não está autorizada a conduzir negociações de paz e nem fazer ou aceitar qualquer sondas de paz” (Tradução Nossa)[8] nos deixam questionamentos: seria o objetivo fazer os húngaros e alemães acreditarem que seria negociada a paz, quando de fato não seria? Foi uma estratégia para ganhar tempo e enganar os alemães ao custo da soberania de um país satélite? Ou apenas uma falha na contrainteligência que não pôde prever a infiltração inimiga? Sacrificaram a vida de milhões de judeus no território com o único objetivo de vencer na frente Ocidental? Ou foi uma consequência decorrente de erros operacionais? O realismo do autor não responde a essas perguntas.

O que podemos afirmar é que encontramos em Peterecz pontos em comum com Goulter, Wylie e Molander ao estudarem a SOE, a preocupação de analisar países satélites ou territórios fora das grandes batalhas estudadas pela historiografia, como Stalingrado, Moscou, Normandia, Midway ou Egito.

A historiografia e o interesse pela Ásia

Essa preocupação em estudar países satélites também pode ser identificada na obra “The OSS in Burma: Jungle War against the Japanese”, publicada em 2013, cujo autor é Troy J. Sacquety.[9] O historiador analisa a importância do Detachment 101, grupo do OSS especialista em guerrilha no território de Burma (sul da Ásia Continental).

Esse grupo tinha como objetivo auxiliar as tropas convencionais com ações contra os japoneses em operações subversivas de sabotagem e guerrilha e serviço de inteligência ao coletar informações. Por conhecerem bem a região, composta de selvas e pântanos, o Detachment 101 poderia facilmente aparecer, desaparecer e atacar o inimigo com emboscadas. Portanto, temos aqui um estudo sobre uma unidade paramilitar e suas estratégias, semelhante ao trabalho de Foot e Anglim em relação à SOE.

Uma vez que agentes do OSS eram treinados para o cenário europeu, as operações em Burma se mostraram um desafio. Foram realizados dois tipos de operações, de curto e longo alcance. Esta se mostrou mais arriscada diante de diversos fracassos, em que muitos agentes acabaram sendo capturados devido à falta de transportes próprios e dependência das Forças Armadas (SACQUETY, 2013, p.34). Outro fator foi a falta de apoio da população local na região sul que entregou os agentes aos japoneses – afinal, estamos falando de um contexto de guerra que nem sempre possuía os lados inimigos e aliados claramente definidos. Principalmente em regiões sob o julgo imperialista dos países ocidentais desde o final do século XIX, essas colônias viram no conflito a oportunidade de libertação e independência. Para muitos colonizados, ingleses e norte-americanos não eram necessariamente melhores que os japoneses.

Diante de tentativas e erros, as lições aprendidas foram utilizadas para operações de curta duração que se apresentaram um sucesso. O grupo Detachment 101 adquiriu força aérea e frota pequenas e passou a agir no Norte, onde os Kachins poderiam ajudar com efetiva inteligência e forte guerrilha (Ibidem, p.46). Além disso, conseguiu coletar informações sobre os movimentos japoneses e empreender guerrilha e sabotagem. Esse trabalho de selecionar dados úteis e avaliá-los possibilitou identificar alvos de bombardeios táticos.

Em 1944, houve um aumento de informações coletadas e analisadas e do potencial de guerrilha. Quase todas as estradas no norte da região estavam sob observação do OSS e agentes estavam coletando informações sobre a ordem de batalha japonesa, além de angariarem a confiança dos habitantes locais que puderam ajudar as forças convencionais Aliadas (Ibidem, p.75). As pretensões do Detachment 101 eram aumentar seu efetivo para 3000 homens.

Podemos nos perguntar qual importância essa região tinha para o OSS. Segundo Sacquety, com a ajuda da população local, o objetivo do OSS nesse território era fazer com que a China permanecesse na guerra contra o Japão. Para isso, era preciso libertar estradas em Burma para que os americanos pudessem fornecer suporte aos chineses, já que seus portos foram ocupados pelos japoneses em 1938. Por meio do Mapa 2 observamos a localização de Burma e a sua área ocupada pelos japoneses, em vermelho, que nos permite identificar a proximidade do território de Burma com a fronteira chinesa, sendo assim uma área de comunicação com a China. Assim, esta geografia nos ajuda a entender os motivos para o Detachment 101 se tornar o responsável pela segurança de tal rota, contribuindo na guerra das selvas com ataques surpresa de guerrilha e sabotagem (Ibidem, p.4).

Mapa 2

Fonte: THE U.S. MILITARY ACADEMY AT WEST POINT, World War II Asia-Pacific, India-Burma, Allied Area of Communications, 1942-1943. Disponível em: https://www.westpoint.edu/academics/academic-departments/history/world-war-two-asia. Acesso em 18/03/2020 às 15:37h.

Aqui, percebemos mais uma tentativa dessas análises de demonstrar a importância de uma agência de espionagem para a busca por equilíbrio de poder. Através de uma racionalidade, Sacquety nos mostra como controlando uma determinada região (Burma), os EUA pretendiam jogar um país contra o outro (China e Japão) para enfraquecer seu inimigo (Japão) e, consequentemente, se fortalecer na guerra. Um jogo de soma e zero em que a perda de um é a vantagem do outro. Trata-se de uma análise realista em que a força é o mecanismo por meio da qual cada Estado faz prevalecer seus interesses, uma busca por mais poder para manter sua segurança contra ameaças. Neste cenário, os Estados procuram formar uma rede constante de vigilância para garantir sua segurança (VILLA, 1999, p.87).

Perspectiva semelhante pôde ser identificada nas análises de Foot. Sacquety também trabalhou como agente, mas para a CIA, portanto, observamos como ambos os autores tiveram uma trajetória de vida não apenas acadêmica, mas também prática em agências de inteligência. Ou seja, verificamos como esses dois autores analisam as ações da SOE e do OSS influenciados por suas trajetórias como agentes que possuem como função uma efetividade estratégica a serviço dos interesses nacionais. Sendo assim, esses historiadores entendem o nascimento da inteligência britânica e norte-americana como os primeiros passos para o que ocorreria anos seguintes, isto é, um instrumento de disputa de poder de soma e zero.

Além disso, percebemos também como Sacquety pretende apresentar a importância da guerrilha como um trabalho prévio que ajudou a operação Aliada na região. Assim, Operações Especiais se tornaram tão fundamentais quanto Serviço de Inteligência para o OSS. Este órgão foi capaz de identificar o estado e a localização das tropas inimigas, alertar sobre uma contraofensiva japonesa e obter informações sobre os seus movimentos. Observamos como foi capaz de obter e avaliar dados táticos e estratégicos, chegando a 4000 homens em meados de 1944. Contribuindo com a participação inclusive de habitantes locais, o OSS pôde empreender operações ofensivas de guerrilha. Essas ações tiveram um importante efeito psicológico nos japoneses (Ibidem, p. 115). Esse tipo de atividade foi amplamente utilizado pela CIA nos anos seguintes, agência em que Sacquety atuou.

Estudo de Sacquety sobre a Ásia dialoga com o interesse de Bob Bergin[10] também sobre a região, mais especificamente a Tailândia no artigo “Free Thai Operations in World War II”, publicado pela Studies in Intelligence em 2011. O autor nos mostra como o fato da URSS ser a grande vencedora na Europa, ao derrotar a Alemanha quando chegou em Berlim em maio de 1945, levou a uma disputa de narrativas. Os EUA tentaram construir sua história da II Guerra como os grandes vencedores na Ásia, principalmente no Extremo Oriente contra os japoneses. Os lançamentos das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki já demonstravam esse interesse (Cf. MUNHOZ, 2012).

Bob Bergin faz um estudo sobre as atividades do OSS na Tailândia em parceria com os movimentos de resistência na região, que estava sob controle dos japoneses desde 1941. Esses eram chamados de Free Thai e eram formados por tailandeses estudantes na Inglaterra e nos Estados Unidos. Apesar de praticarem guerra de guerrilha e sabotagem, os agentes e os movimentos de resistência se aprimoraram no Serviço de Inteligência.

Mais do que centrar nestas operações, Bergin mostra como esse território estava na rota dos britânicos e norte-americanos em suas pretensões no pós-guerra. Funcionários do Serviço de Inteligência do OSS precisaram levar em consideração os interesses da Inglaterra e da China, de modo que seus oficiais mantiveram uma boa relação ao mesmo tempo que necessitavam agir de forma “solitária” (BERGIN, 2011, p.11-12). Assim, conforme o autor, havia uma rivalidade entre a SOE e o OSS que pode ser verificada no fato de os britânicos terem declarado guerra aos tailandeses quando estes tiveram o território ocupado pelos japoneses, enquanto os norte-americanos, não. (Ibidem, p.12).

Bergin afirma ainda que “havia preocupação, tanto em Washington quanto em campo, de que, uma vez estabelecido contato da SOE na Tailândia, os britânicos tentariam congelar o OSS das operações tailandesas” (Tradução Nossa) (Ibidem, p.21). Portanto, observamos como havia uma competição entre ambas as agências por áreas de influência na Tailândia com pretensões não só para a guerra, como também para o pós-guerra, pois essas operações influenciariam as relações com o governo tailandês. Na percepção do OSS, seus agentes deveriam agir de forma independente, já que a SOE fazia o mesmo (Idem).

Assim, através da Operação HOTFOOT, os agentes OSS conseguiram antecipar a SOE e se infiltraram na região, de modo a não contar com a participação dos britânicos. Presente em Bangkok, o OSS venceu a corrida contra os ingleses. Isso demonstra como a organismos de Inteligência norte-americana precisaram lidar não somente com o inimigo, mas também com os interesses nacionais dos aliados chineses e britânicos no pós-guerra para organizar seu sistema operacional na região tailandesa. Afinal de contas, o que estava em jogo eram as pretensões coloniais britânicas – em menores proporções também as chinesas – naquele território (Ibidem, p.21).

Com o trabalho de Bob Bergin observamos mais uma explicação realista que a historiografia sobre o OSS e SOE tende a seguir. Cada ator possui uma razão que leva aos seus interesses e aos métodos para enfrentar a situação. A razão perfeita é a cooperação, mas deixar de segui-la não significa irracionalidade. Isso nos ajuda a pensar as relações entre as próprias instituições. SOE e OSS precisavam de, e mantinham em algum grau, cooperação entre si. Entretanto, isso não exclui a presença de métodos diferentes para alcançar tais interesses, e até mesmo outros objetivos em meio ao conflito.

SOE e OSS agiram em conjunto em diversas operações, mas houve conflitos de interesses quando se tratava de conquistar áreas de influência, afinal os Estados possuem vários objetivos. A Inglaterra tinha o interesse de preservar colônias no pós-guerra, ao passo que os EUA queriam se impor como nova potência hegemônica em territórios livres. O que era bom para um poderia gerar uma reação adversa para outro, pois não havia uma harmonia automática.

A razão está submetida aos interesses próprios em que cada um busca sua racionalidade. Neste cenário percebemos que os interesses podem se sobrepor à política de cooperação, mesmo que esta seja a ideal. Kenneth Waltz, em O homem, o estado e a guerra: uma análise teórica (2004), analisa o “Contrato social” de Rousseau e de Hobbes para explicar que o Estado se compara ao homem em estado de natureza pela ausência de um poder regulador (WALTZ, 2004, p.220), ou seja, um cenário de anarquia internacional em que cooperação, que seria preferível, é deixada de lado quando os Estados buscam outros objetivos, se configurando como “uma luta de todos contra todos”.

A historiografia e o interesse por África

Assim como Sacquety e Peterecz, Bergin mantém também o interesse por países satélites como um ponto em comum com o trabalho de Eleony Moorhead,[11] intitulado “The OSS and Operation TORCH: The Beginning of the Beginning” e publicado na Tempus: The Harvard College History Review em 2009. Todos estes autores escreveram seus trabalhos no início do século XXI, ou seja, um contexto multipolar, sem superpotências e novas preocupações com países do Terceiro Mundo que ganharam destaque como nações em desenvolvimento. Portanto, novas agendas surgiram nesse período como reflexo das mudanças ocasionadas pelo fim da Guerra Fria e o surgimento de uma nova ordem mundial.

No caso de Moorhead, suas análises se voltam para o Norte da África ao apresentar os primeiros passos do OSS em seu processo de profissionalização. A autora defende que através da Operação TORCH esse serviço secreto pôde conquistar um maior prestígio entre os militares que mantinham inicialmente uma certa desconfiança sobre a sua utilidade na estratégia militar norte-americana, além de alterar a forma tutelar que mantinha com a espionagem britânica para uma relação mais igualitária e, em alguns casos, até de rivalidade (MOORHEAD, 2009, p.3).

A Operação TORCH ocorreu em 1942, comandada pelo General Dwight D. Eisenhower, cujo objetivo era desembarcar no Norte da África, controlado pela França de Vichy. Esta batalha pode ser ilustrada no Mapa 3 que nos apresenta o movimento das forças Aliadas e do Eixo pelo domínio das colônias francesas, Marrocos, Argélia e Tunísia. Enquanto as forças do Eixo partiam da Itália, os Aliados agiram em duas frentes, pelo Atlântico, no oeste, e pela Líbia, no leste. O propósito era chegar à Europa ocupada e diminuir a pressão que os soviéticos estavam sofrendo contra as tropas alemãs no Leste Europeu. Assim, a operação pretendia controlar o território africano que daria acesso ao mar Mediterrâneo. Essa era a primeira grande ofensiva dos EUA no teatro de operações desde que declarou guerra ao Eixo em 1941. Contudo, os estadunidenses só tiveram sucesso em 1943 diante de diversas falhas, dentre elas algumas oriundas do próprio OSS.

Mapa 3

Fonte: MAPPING HISTORY, World War II: The European The Mediterranean Front: 1940-1943, The Mediterranean Front: 1940-1943. Disponível em: https://mappinghistory.uoregon.edu/english/US/US35-03.html. Acesso em 18/03/2020 às 15:51h.

O OSS tinha responsabilidade operacional no Norte da África e no Extremo Oriente, incluindo a China. Por sua vez, foi designado à SOE a Europa, os Balcãs, o Oriente Médio, a África Oriental e Ocidental e a Índia como áreas de influência. Este acordo entre ambas as agências visava evitar duplicação de esforços e confusão em suas atividades de inteligência e operações especiais. Assim sendo, caso agentes norte-americanos tivessem o interesse de trabalhar em regiões de responsabilidade dos britânicos, deveriam agir subordinados à SOE (Ibidem, p.1011).

Com a Operação TORCH, o OSS estava encarregado não somente de coletar informações e avaliá-las, como também preparar grupos de resistência para ajudar as tropas Aliadas. O objetivo era empreender o mínimo de violência contra os franceses, por ainda serem aliados. Contudo, eles controlavam o território, o que levou ao receio de que empreendessem uma contraofensiva contra os norte-americanos e britânicos. Sendo assim, o OSS foi acionado para realizar uma guerra subversiva a fim de impedir que a resistência francesa se voltasse contra o desembarque.

O plano da agência era recrutar franceses e muçulmanos locais para participarem de uma guerra de guerrilha. O erro foi o otimismo em achar que a participação seria efetiva. Havia muito sigilo em torno da Operação, o que dificultou integrar os habitantes locais em atividades militares de alto nível. Para não arriscar o elemento surpresa do desembarque, essas tropas de guerrilha não foram informadas no tempo adequado sobre o momento de ataque. A consequência foi que muitos desertaram e as ações de sabotagem foram abandonas à medida que os Aliados atacavam (Ibidem, p.10-11). Para Sherman Kent, “o segredo, por motivos de segurança, entre produtores e utilizadores de informações afeta sua relação de colaboração” (KENT, 1967, p.183).

Agregado a isso, houve a resistência que as tropas francesas ofereceram ao se depararem com os Aliados, outro cálculo errado que o OSS cometeu achando que não haveria resistência aos britânicos e estadunidenses. Assim, no momento do ataque as Forças Amadas norte-americanas e britânicas sofreram diversas baixas, obrigando Eisenhower a recuar. Apesar disto, Moorhead afirma que o OSS teve mais sucesso no serviço de inteligência e foi isso que levou à profissionalização e confiança dos militares ao seu papel (MOORHEAD, p.15).

A agência conseguiu relatar o desenvolvimento político e militar da região através de uma rede de agentes formada antes da Operação TORCH. Assim, foram repassadas a Eisenhower informações sobre “estimativas da força e disposição das forças francesas; relatórios sobre desenvolvimentos políticos; e informações precisas sobre as condições da praia, dos portos e das instalações militares” (Ibidem, p.9-10), além do envio de especialistas para analisar as condições do terreno e da localização do quartel inimigo. Esta relação exemplifica o que Sherman Kent defende de uma relação próxima entre produtores e utilizadores de informação ao ponto do segundo fornecer orientações ao primeiro desde que essa aproximação não afete a objetividade do serviço de inteligência (KENT, 1967, p.173-174).

A informação é uma ferramenta auxiliar àqueles que tomam decisões políticas e militares. Portanto, sua função é destacar fatos e situações que possam estar sendo negligenciadas por esses governantes, analisar outras linhas de ação solicitadas por eles e oferecer possíveis soluções, que podem ou não serem adotadas por estes tomadores de decisões. Isso demonstra a importância destes órgãos angariarem a confiança dos executores, conhecerem suas necessidades e oferecerem informações que possam ser utilizadas. Confiança e orientação são fundamentais para a produção do conhecimento estratégico.

Para Michael Herman essa relação é análoga, em certo sentido, ao do mercado. Segundo o autor o serviço de inteligência precisa tratar seus destinatários como “clientes” ao convencer sobre o que precisa e o lhe é útil, ou seja, intensificar o que o “consumidor” precisa, mesmo que não tenha noção, e utilizar da sua habilidade de convencimento, pois “a inteligência não é um processo de entrega impessoal” (HERDMAN, 1996, p.45-6). Conforme o trabalho de Moorhead, o OSS conseguiu conquistar seu “cliente”, o Exército norte-americano lhe convencendo o que era acreditava ser útil.

Dessa forma, percebemos como Moorhead faz uma análise preocupada com as estratégias utilizadas e a influência que o OSS teve para a força Aliada. É mais um exemplo para nos ajudar a demonstrar o caminho que a historiografia sobre a SOE e o OSS tenta seguir, ou seja, entender suas estratégias durante a II Guerra Mundial.

Notas de um balanço historiográfico

A partir desse debate bibliográfico, percebemos que lacunas permaneceram ao tentar medir a real contribuição da SOE e do OSS nas relações internacionais. Ou seja, historiadores não conseguem responder como as agências, de fato, ajudaram a vencer a guerra, pois estão presos em análises do cenário internacional a partir de uma perspectiva voltada para uma racionalidade das instituições. A ideia de uma racionalidade nas relações internacionais pode ser explicada pela teoria realista. Nessa análise, o Estado, ao detectar as ameaças aos seus interesses nacionais, cria um conjunto de medidas e ações para preservar ou criar uma ordem adequada a fim de atender seus interesses e valores através do uso da força, se necessário (RUDZIT; NOGAMI, 2010, p.5-24).

Na totalidade dos interesses do Estado está a Política de Segurança Nacional. Segundo Gunther Rudzit e Otto Nogami, “é nesta esfera que são articuladas tantos os interesses nacionais mais amplos, quanto os objetivos do país e os meios (militares, econômicos, sociais e políticos) que serão usados a fim de promover e protegê-los” (Ibidem, p.12). Ainda conforme os autores, “as várias políticas setoriais – saúde, impostos, comércio exterior, agricultura, imigração, educação, defesa – representam diferentes segmentos da ‘teia-aranha’, que juntos expressam os interesses políticos e de segurança nacional” (Ibidem, p.12-3).

Esses interesses nacionais são os motivos pelos quais um Estado estaria disposto a enfrentar uma guerra. Portanto, eles constituem os elementos da política de defesa de um determinado país. Ao identificar as ameaças a esses interesses, são pensadas as estratégias necessárias para impedi-las. Em consequência, serão definidas as políticas, ações e os recursos de todo o Estado para alcançar esses objetivos, ou seja, não é algo que se limita as áreas militares.

Portanto, ainda na concepção de Rudzit e Nogami, percebemos como esses Estados passam por um processo de identificar e definir seus interesses, objetivos e ameaças. A partir destas percepções são estabelecidas as responsabilidades para alcançar os objetivos militares. Em outras palavras, trata-se da racionalização dos meios a serem empregados e o efetivo controle dos meios militares pelo comando civil. Essas definições estabelecem as capacidades militares específicas para a execução das missões (Ibidem, p.13).

A teoria realista ganhou força com o advento da Guerra Fria, quando EUA e URSS disputavam um equilíbrio de poder na balança internacional. Pensar os conflitos nesse contexto era principalmente identificar e analisar as formas como cada Estado procurava fazer pressão sobre os demais através da força e, assim, alcançar seus interesses nacionais. Dentre essas formas estava a guerra secreta entre as agências de inteligência e seus usos para potencializar as estratégias de cada nação.

Assim, espionagem tornou-se um tema de interesse dos historiadores. Muitos dos estudiosos aqui citados procuraram entender as primeiras agências voltadas para o serviço de inteligência de forma institucionalizada. Dentre as principais, estavam a agência britânica SOE e a norte-americana OSS. Apesar de serem estudos sobre a Segunda Guerra, as análises estavam sob influência da teoria realista, a qual foi tão forte durante a Guerra Fria e ganhou uma reformulação nos anos 1990 de acordo com o que chamamos de neorrealismo.

Mesmo com o fim da URSS e o advento de um novo cenário internacional, estudos mais recentes mantiveram uma perspectiva realista – ou seja, preservou-se a preocupação de tratar a SOE e o OSS como mecanismos que contribuíram para a vitória dos Aliados por meio de um estudo de suas estratégias. O diferencial dos trabalhos contemporâneos aqui mencionados foi o recorte espacial ao estudarem países satélites ou fora das grandes batalhas, algo que dialoga com uma nova ordem mundial multipolar do século XXI.

Contudo, esse tipo de análise adotada pela historiografia sobre a SOE e o OSS deixou de lado o próprio funcionamento das instituições, pois está voltada para investigações em torno de estratégias e equilíbrio de poder. Assim, identificamos algumas lacunas na historiografia, dentre elas a de que os cálculos pragmáticos da teoria realista não contemplam a análise sobre os serviços de inteligência, uma vez que os atritos identificados nas relações das agências demonstram paixões e competições dentro do próprio aparato institucional que elas estavam inseridas. Nos trabalhos aqui debatidos pouco foi pensado sobre a leitura que a SOE e o OSS possuíam sobre sua formação e suas atividades. Portanto, através do estudo da documentação produzida por essas agências, podemos levantar problemáticas em torno da narrativa apresentada por funcionários e agentes das instituições sobre suas operações e os movimentos de resistência e como suas atividades eram lidas pelos próprios organismos. Ou seja, como a SOE e o OSS se apresentavam e quais a percepções possuíam de sua importância.

Referências

BERGIN, Bob. OSS and Free Thai Operations in World War II. In: Studies in Intelligence Vol. 55, No. 4 (Extracts, December 2011), p. 11-12.

HERMAN, Michael. Intelligence Power in Peace and War. Cambridge: Cambridge University, 1996, p. 45-6.

KENT, Sherman. Informações estratégicas. Trad.: Cel. Hélio Freire. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército – Editora, 1967, p. 183.

MOORHEAD, Eleony. The OSS and Operation TORCH: The Beginning of the Beginning. In: Tempus: The Harvard College History Review, Vol. X, Issue 1, Summer 2009,

MUNHOZ, Sidnei J. II Guerra Mundial: os problemas em relação à Guerra do Pacífico e ao Extremo Oriente. In: MAYNARD, Dilton Cândido Santos. Visões do Mundo Contemporâneo (Vol. 1). São Paulo: LP-Books, 2012.

OFFICE OF STRATEGIC SERVICE, Incoming Cables, January, 11, 1944. In: Record Group 226: Records of the Office of Strategic Services, 1919 – 2002. Series: Algiers Field Station Files, 1941 – 1945. File Unit: 626) ROOK: Sabotage of Transportation and Communications in Southern France, Nov 1943-Feb 1944. National Archives Identifier: 6275410. ARC Identifier: 6275410. HMS/MLR Entry Number: A1 97. Container ID: 35.

OFFICE OF STRATEGIC SERVICE, Incoming Message Form, 1944. In: Record Group 226: Records of the Office of Strategic Services, 1919 – 2002. Series: Algiers Field Station Files, 1941 – 1945. File Unit: 626) ROOK: Sabotage of Transportation and Communications in Southern France, Nov 1943-Feb 1944. National Archives Identifier: 6275410. ARC Identifier: 6275410. HMS/MLR Entry Number: A1 97. Container ID: 35.

PETERECZ, Zoltan. Sparrow Mission: A US Intelligence Failure during World War II, Intelligence and National Security, 27:2, 2012, p. 246-7.

RUDZIT, Gunther; NOGAMI, Otto. Segurança e Defesa nacional: conceitos básicos para uma análise. In: Revista Brasileira de Política internacional. 53 (1): 5-24, 2010.

SACQUETY, Troy J. The OSS in Burma: Julgle War against the Japanese. University Pressa of Kansas, 2013, p. 34.

The Asia Hands: OSS Operators in Southeast Asia and China (2013) e SECRET AGENT: Ho Chi MInh as Comintern Agent and OSS Collaborator (2019).

VILLA, Rafael A. Duarte. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São Paulo: Annablume, 1999, p. 87.

WALTZ, Kenneth N. O homem, o estado e a guerra: uma análise teórica. Trad.: Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 220.

Notas

[1] Peterecz é um historiador húngaro, professor da Eszterhazy Karoly College, Hungria, e com doutorado pela Eötvös Loránd University. Dentre seus trabalhos podemos destacar também “SOE Operations in Hungary During the Second World War”, publicado no livro Contemporary Perspectives on Language, Culture and Identity in Anglo-American Contexts (2019).

[2] Operation SPARROW. In: Record Group 226: Records of the Office of Strategic Services, 1919 – 2002. Series: Algiers Field Station Files, 1941 – 1945. File Unit: 626) ROOK: Sabotage of Transportation and Communications in Southern France, Nov 1943-Feb 1944. National Archives Identifier: 6275410. ARC Identifier: 6275410. HMS/MLR Entry Number: A1 97. Container ID: 35.

[3] “An Hungurian Minister here, who has the full confidence of the hightest authorities im Hungary and i salso a close […] unquestionably trustworthy”. In: Incoming Cables, January, 27, 1944. In: Idem.

[4] Incoming Cables, January, 11, 1944. In: Idem.

[5] “They, opossed German demands for the useof the Hungarian railroad, since it would undoubtedly make Russian occupation a certainty” (Incoming Cables, January, 11, 1944. In: Op. cit.

[6] “684 says he has pointed out that Germany cannot spare from 10-15 divisions which would be necessary to occupy Hungary and urged that Hungary not only did not wnat German troops but should resist them if they came”. In: Idem.

[7] “[…] cut off German transportation at the same time that the Russian troops reached the Carpathians on the Hungarian frontier”. In: Idem.

[8] “Sparrow is not authorized to conduct peace negotiations nor is he to make or accept any peace feelers. 2677 HQ. CO. Incoming Message Form, 1944. In: Idem.

[9] Com doutorado pela Texas A&M University, o autor trabalhou como historiador para o Comando de Operações Especiais do Exército dos Estados Unidos e foi funcionário da CIA. Entre seus demais trabalhos podemos citar “OSS Training in the National Parks and Service Abroad in World War II by John Whiteclay Chambers”, publicado pela The Public Historian, em 2010.

[10] O autor é ex-oficial do Serviço de Relações Exteriores dos EUA e especialista no Sudeste Asiático, onde passou grande parte de sua carreira. Além de trabalhos sobre o OSS, Bergin também é especialista em história militar e da aviação norte-americana na Ásia. Dentre seus trabalhos podemos destacar: The Asia Hands: OSS Operators in Southeast Asia and China (2013) e SECRET AGENT: Ho Chi MInh as Comintern Agent and OSS Collaborator (2019).

[11] Historiadora formada em Harvard.


Autora

Raquel Anne Lima de Assis é mestranda em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e graduada em Licenciatura em história pela Universidade Federal de Sergipe. Publicou, entre outros trabalhos, “Desvendando Caminhos “Secretos”: Uma Análise Historiográfica da Espionagem Britânica Durante a Segunda Guerra Mundial”  e “A Inteligência Norte-americana e a Crise dos Mísseis de 1962“. E-mail: Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4226246348820892; ID: https://orcid.org/0000-0002-6094-9889; E-mail: [email protected].


Para citar este artigo

ASSIS, Raquel Anne Lima de. Agências de espionagem na Segunda Guerra Mundial. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out, 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/agencias-de-espionagem-na-segunda-guerra-mundial-2/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo 7ara fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

 

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