Longa travessia – resenha de Daniel Costa (UNIFESP), sobre o livro “Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860), de Jaime Rodrigues

Jaime Rodrigues | Imagem: Companhia das Letras

Resumo: De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860), de Jaime Rodrigues, explora a organização do comércio de africanos escravizados, durante os séculos XVIII e XIX, entre Angola e Brasil, pondo ênfase nas “negociações e conflitos”, nas embarcações, nos protagonistas “marinheiros” e “africanos”.

Palavras-chave: Africanos, Marinheiros, Tráfico Negreiro.


Dando prosseguimento ao projeto de reeditar livros fundamentais da historiografia brasileira pertencentes ao seu catálogo — O Sol e a Sombra (Laura de Mello e Souza), Negros da terra (John Monteiro) e A vida é uma festa (João José Reis) para citar alguns dos títulos reimpressos – a Companhia das Letras traz para o público especializado, ou não, a nova edição de De Costa a Costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860),  do professor e historiador Jaime Rodrigues. O objetivo central da obra é verificar como se organizava o comércio de africanos escravizados entre Angola e o Rio de Janeiro, especialmente em um momento de forte demanda e realizada sob o guarda-chuva das leis de proteção, que será confrontada pelo autor a seguir quando o tráfico passa a ser considerado ilegal.

Apresentada como Tese de Doutorado defendida na Universidade de Campinas (Unicamp) em 2000 com orientação da professora Silvia Hunold Lara, a obra surge (2005) como referência obrigatória para os estudos sobre o tráfico transatlântico de escravizados, o cotidiano nas embarcações e a dinâmica em torno da dolorosa travessia oceânica dessas almas. Essa nova edição (2022) não apresenta nenhuma alteração em relação à primeira, exceto pela apresentação escrita pelo autor, onde é reiterado, que no momento em que a sociedade brasileira ainda cura as feridas vividas durante a pandemia e o desgoverno que “tomou” conta do país até o final de 2022, a “associação entre o tráfico de pessoas escravizadas e os horrores do tempo presente nunca foi tão atual e sensível”. Segundo Rodrigues, apesar da “tentação trazida por uma segunda edição de rever e construir um diálogo com a produção atual”, nem uma alteração foi feita, pois a obra “se sustenta da forma como foi concebida originalmente”. (p.11)

Abordando o período entre 1780 e 1860, Jaime Rodrigues oferece ao leitor a oportunidade de fazer a travessia oceânica em situações distintas, ou seja, ao longo do livro temos contato com a dinâmica do tráfico legal e do ilegal, visto que ele é proibido a partir de 1831. Rodrigues recorda ainda que esse momento é marcado por “picos de introdução de africanos escravizados, compensando o possível encerramento do tráfico transatlântico” (p.x) que se desenhava no horizonte. Com a crescente demanda por escravizados na região centro sul, os traficantes encaravam os riscos da empreitada, pois apesar do prejuízo caso houvesse a apreensão da embarcação, tal atividade ainda representava grande lucro para esses investidores.

Partindo de uma visão da história protagonizada por aqueles “de baixo”, Rodrigues aborda a complexidade do comércio Atlântico de escravizados centrando sua abordagem nesses homens e mulheres que de forma involuntária foram submetidos a uma dolorosa travessia. Marcado metodológica e teoricamente pelas bases da História Social o autor também não abre mão do diálogo com a produção de autores como o historiador Joseph Miller, assim acaba demonstrando enorme capacidade de análise. Segundo a historiadora Maria Cristina Wissenbach, prefaciadora da obra, com a capacidade acurada no trato das fontes e da bibliografia, Rodrigues é capaz de analisar “um acontecimento linear e univoco” transformando o “em processo marcado por características e variações próprias ao longo do tempo” (p.20).

O livro é dividido em três partes, o que pode dar ao leitor a sensação de uma travessia com escalas. A primeira — “Negociação e conflito em Angola” – discute a dinâmica em torno da presença portuguesa na costa africana ocidental. Uma presença que não foi marcada apenas pela dominação, mas também por tensões e conflitos nessas regiões, principalmente em áreas onde os líderes locais ainda detinham autonomia ou em regiões onde o assédio estrangeiro era constante. Assim, o leitor descobrirá que em áreas como Ambriz e Cabinda, esse domínio era tênue, pois quem de fato governava eram os líderes locais, enquanto em Luanda e Benguela diversos grupos se entrecruzavam representando interesses, e por fim nas regiões do Loango e do Molembo a soberania da metrópole era vista como indiscutível. Diante do exposto concordamos com Wissenbach, quando ela afirma que o “historiador acompanha as viscitudes do viver e negociar na África” com maestria.

A segunda parte da obra — “Navios e homens no mar” – pode ser visto como o ponto inovador do livro, pois é nessa parte onde temos a abordagem dispensada à travessia propriamente dita. Além das relações sociais estabelecidas, o autor ainda apresenta ao leitor as dinâmicas das embarcações e da travessia, assim ao longo dos capítulos temos a descrição dos tipos de embarcações utilizadas no tráfico, o universo social do navio e as relações estabelecidas entre os tripulantes. Cabe destacar a presença significativa de africanos escravizados e livres entre os marinheiros, esses personagens cumpriam importante papel na intermediação com os cativos.

O autor ainda aborda o cotidiano desses homens que se lançavam a travessia marítima encarando as dificuldades da vida a bordo, a ameaça constante das doenças e uma ferrenha disciplina, tais temas seguiriam sendo uma constante na produção intelectual do historiador, como pode ser verificado no livro “No mar e em terra: História e cultura de trabalhadores escravos e livres“, lançado em 2016.

Estante humana – Os traficantes dividiam o porão em três patamares, com altura de menos de meio metro cada um. Presos pelos pés, mais de 500 escravos se espremiam deitados ou sentados. “Ficavam como livros numa estante”, disse o traficante Joseph Cliffer. Imagem e texto: SuperInteressante (22/06/2010)

Por fim, a terceira parte — “Marinheiros e africanos em ação” – mostra ao leitor que os escravizados transportados não eram vítimas passivas. Seja em algumas revoltas ocorridas nas embarcações ou nos barracões ainda em África, a resistência desses homens e mulheres era perceptível. O autor traz o relato da viajante Maria Graham para mostrar como a resistência nem sempre explícita acabava sendo interpretada como submissão, vejamos: “Enquanto esteve na Bahia convalescendo a bordo do navio que a transportava para o Brasil, a inglesa Maria Graham viu, pela escotilha, um desembarque de escravos no porto de Salvador. Comentou com tristeza e certa estranheza o comportamento dos africanos, que “estão a cantar uma das canções de sua terra em um país estranho”, enquanto eram descarregados sob as ordens de um feitor” (p.318) Segundo Rodrigues, o desconhecimento da língua dos recém-chegados fez a inglesa enxergar alheamento ou submissão onde era comemorada a sobrevivência após uma atribulada travessia onde a morte os rondando era uma constante.

Quanto as fontes, Rodrigues apresenta ao longo da obra grandes informações tiradas de correspondências oficiais, cartas de ordens e relatórios administrativos, encontrados principalmente no Arquivo Histórico Ultramarino. Completam-nas os processos contra embarcações apreendidas por realizarem o contrabando de escravizados, além dos relatos de viajantes e memorialistas. Sobre a utilização das fontes é o próprio autor que aponta algumas dificuldades e soluções: “Debruçar-se sobre um tema para o qual as fontes são rarefeitas requer cuidados redobrados” (p.42). A opção pelo recorte temporal adotado faz parte desses cuidados, pois ao cobrir um período atravessado tanto pelo tráfico legal quanto o ilegal possibilita melhor manejo das fontes. Sobre o período do tráfico ilegal Rodrigues recorda que “não há crime perfeito, e o tráfico ilegal foi objeto de uma ampla repressão que deixou indícios importantes, que procurei analisar usando um método que conjugue imaginação, invenção e suposição”, método esse inspirado no trabalho de Natalie Zemon Davis.

A historiadora Silvia Lara, autora da orelha do livro afirma que além de inovador, o trabalho de Jaime Rodrigues apresenta um olhar diferente sobre um tema clássico da história do Brasil, já para Wissenbach, apesar da densidade de informações, a escrita do autor proporciona ao leitor uma leitura fluente.

Concordando com ambas podemos afirmar que a leitura do livro oferecerá ao leitor subsídios para compreender a dinâmica da travessia transatlântica ao longo do século XIX e como os diversos atores envolvidos enfrentavam tortuosa viagem. Assim, ao cumprir os objetivos que são apresentados no início do trabalho Jaime Rodrigues oferece uma obra de referência, que passados quase vinte anos do seu lançamento segue como referência obrigatória acerca dos temas abordados.

Sumário do livro De Costa a Costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860)

  • Apresentação
  • Prefácio – Maria Cristina Cortez Wissenbach
  • Agradecimentos
  • Palavras iniciais
  • I – Negociações e conflitos em Angola
  • 1. A grande loba que devora tudo: portos, feitorias e barracões de Angola
  • 2. Interesses em confronto
  • 3. A rede miúda do tráfico
  • II – Navios e homens no mar
  • 4. Navios negreiros: imagens e descrições
  • 5. As tripulações do tráfico negreiro
  • 6. Cultura marítima: a vez dos marinheiros
  • III – Marinheiros e africanos em ação
  • 7. Guerras, resistência e revoltas
  • 8. Saúde e artes de curar
  • 9. O mercado do Valongo
  • Epílogo
  • Notas
  • Abreviaturas utilizadas
  • Fontes e bibliografia
  • Lista de tabelas
  • Créditos das imagens
  • Índice remissivo

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Daniel Costa é historiador e professor, licenciado em História pela UNIFESP, tem desenvolvido pesquisas acerca da corrupção na América portuguesa, especificamente no século XVIII. Publicou, entre outros trabalhos, “Corrupção, corruptores e contrabando: uma discussão historiográfica sobre práticas ilícitas na América Portuguesa (C. Século XVIII) (2022)” e “Caminhando entre veredasApontamentos sobre o contrabando e corrupção na América portuguesa (Pernambuco 1758-1778) (2023)”. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/9383874655339999; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7786-2678; E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

RODRIGUES, Jaime. De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860). 2ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. Resenha de: COSTA, Daniel. Longa travessia. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/uma-longa-travessia-resenha-de-daniel-costa-sobre-o-livro-escravos-marinheiros-e-intermediarios-do-trafico-negreiro-de-angola-ao-rio-de-janeiro-1780-1860-de-jaime-rodri/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 12, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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Longa travessia – resenha de Daniel Costa (UNIFESP), sobre o livro “Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860), de Jaime Rodrigues

Jaime Rodrigues | Imagem: Companhia das Letras

Resumo: De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860), de Jaime Rodrigues, explora a organização do comércio de africanos escravizados, durante os séculos XVIII e XIX, entre Angola e Brasil, pondo ênfase nas “negociações e conflitos”, nas embarcações, nos protagonistas “marinheiros” e “africanos”.

Palavras-chave: Africanos, Marinheiros, Tráfico Negreiro.


Dando prosseguimento ao projeto de reeditar livros fundamentais da historiografia brasileira pertencentes ao seu catálogo — O Sol e a Sombra (Laura de Mello e Souza), Negros da terra (John Monteiro) e A vida é uma festa (João José Reis) para citar alguns dos títulos reimpressos – a Companhia das Letras traz para o público especializado, ou não, a nova edição de De Costa a Costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860),  do professor e historiador Jaime Rodrigues. O objetivo central da obra é verificar como se organizava o comércio de africanos escravizados entre Angola e o Rio de Janeiro, especialmente em um momento de forte demanda e realizada sob o guarda-chuva das leis de proteção, que será confrontada pelo autor a seguir quando o tráfico passa a ser considerado ilegal.

Apresentada como Tese de Doutorado defendida na Universidade de Campinas (Unicamp) em 2000 com orientação da professora Silvia Hunold Lara, a obra surge (2005) como referência obrigatória para os estudos sobre o tráfico transatlântico de escravizados, o cotidiano nas embarcações e a dinâmica em torno da dolorosa travessia oceânica dessas almas. Essa nova edição (2022) não apresenta nenhuma alteração em relação à primeira, exceto pela apresentação escrita pelo autor, onde é reiterado, que no momento em que a sociedade brasileira ainda cura as feridas vividas durante a pandemia e o desgoverno que “tomou” conta do país até o final de 2022, a “associação entre o tráfico de pessoas escravizadas e os horrores do tempo presente nunca foi tão atual e sensível”. Segundo Rodrigues, apesar da “tentação trazida por uma segunda edição de rever e construir um diálogo com a produção atual”, nem uma alteração foi feita, pois a obra “se sustenta da forma como foi concebida originalmente”. (p.11)

Abordando o período entre 1780 e 1860, Jaime Rodrigues oferece ao leitor a oportunidade de fazer a travessia oceânica em situações distintas, ou seja, ao longo do livro temos contato com a dinâmica do tráfico legal e do ilegal, visto que ele é proibido a partir de 1831. Rodrigues recorda ainda que esse momento é marcado por “picos de introdução de africanos escravizados, compensando o possível encerramento do tráfico transatlântico” (p.x) que se desenhava no horizonte. Com a crescente demanda por escravizados na região centro sul, os traficantes encaravam os riscos da empreitada, pois apesar do prejuízo caso houvesse a apreensão da embarcação, tal atividade ainda representava grande lucro para esses investidores.

Partindo de uma visão da história protagonizada por aqueles “de baixo”, Rodrigues aborda a complexidade do comércio Atlântico de escravizados centrando sua abordagem nesses homens e mulheres que de forma involuntária foram submetidos a uma dolorosa travessia. Marcado metodológica e teoricamente pelas bases da História Social o autor também não abre mão do diálogo com a produção de autores como o historiador Joseph Miller, assim acaba demonstrando enorme capacidade de análise. Segundo a historiadora Maria Cristina Wissenbach, prefaciadora da obra, com a capacidade acurada no trato das fontes e da bibliografia, Rodrigues é capaz de analisar “um acontecimento linear e univoco” transformando o “em processo marcado por características e variações próprias ao longo do tempo” (p.20).

O livro é dividido em três partes, o que pode dar ao leitor a sensação de uma travessia com escalas. A primeira — “Negociação e conflito em Angola” – discute a dinâmica em torno da presença portuguesa na costa africana ocidental. Uma presença que não foi marcada apenas pela dominação, mas também por tensões e conflitos nessas regiões, principalmente em áreas onde os líderes locais ainda detinham autonomia ou em regiões onde o assédio estrangeiro era constante. Assim, o leitor descobrirá que em áreas como Ambriz e Cabinda, esse domínio era tênue, pois quem de fato governava eram os líderes locais, enquanto em Luanda e Benguela diversos grupos se entrecruzavam representando interesses, e por fim nas regiões do Loango e do Molembo a soberania da metrópole era vista como indiscutível. Diante do exposto concordamos com Wissenbach, quando ela afirma que o “historiador acompanha as viscitudes do viver e negociar na África” com maestria.

A segunda parte da obra — “Navios e homens no mar” – pode ser visto como o ponto inovador do livro, pois é nessa parte onde temos a abordagem dispensada à travessia propriamente dita. Além das relações sociais estabelecidas, o autor ainda apresenta ao leitor as dinâmicas das embarcações e da travessia, assim ao longo dos capítulos temos a descrição dos tipos de embarcações utilizadas no tráfico, o universo social do navio e as relações estabelecidas entre os tripulantes. Cabe destacar a presença significativa de africanos escravizados e livres entre os marinheiros, esses personagens cumpriam importante papel na intermediação com os cativos.

O autor ainda aborda o cotidiano desses homens que se lançavam a travessia marítima encarando as dificuldades da vida a bordo, a ameaça constante das doenças e uma ferrenha disciplina, tais temas seguiriam sendo uma constante na produção intelectual do historiador, como pode ser verificado no livro “No mar e em terra: História e cultura de trabalhadores escravos e livres“, lançado em 2016.

Estante humana – Os traficantes dividiam o porão em três patamares, com altura de menos de meio metro cada um. Presos pelos pés, mais de 500 escravos se espremiam deitados ou sentados. “Ficavam como livros numa estante”, disse o traficante Joseph Cliffer. Imagem e texto: SuperInteressante (22/06/2010)

Por fim, a terceira parte — “Marinheiros e africanos em ação” – mostra ao leitor que os escravizados transportados não eram vítimas passivas. Seja em algumas revoltas ocorridas nas embarcações ou nos barracões ainda em África, a resistência desses homens e mulheres era perceptível. O autor traz o relato da viajante Maria Graham para mostrar como a resistência nem sempre explícita acabava sendo interpretada como submissão, vejamos: “Enquanto esteve na Bahia convalescendo a bordo do navio que a transportava para o Brasil, a inglesa Maria Graham viu, pela escotilha, um desembarque de escravos no porto de Salvador. Comentou com tristeza e certa estranheza o comportamento dos africanos, que “estão a cantar uma das canções de sua terra em um país estranho”, enquanto eram descarregados sob as ordens de um feitor” (p.318) Segundo Rodrigues, o desconhecimento da língua dos recém-chegados fez a inglesa enxergar alheamento ou submissão onde era comemorada a sobrevivência após uma atribulada travessia onde a morte os rondando era uma constante.

Quanto as fontes, Rodrigues apresenta ao longo da obra grandes informações tiradas de correspondências oficiais, cartas de ordens e relatórios administrativos, encontrados principalmente no Arquivo Histórico Ultramarino. Completam-nas os processos contra embarcações apreendidas por realizarem o contrabando de escravizados, além dos relatos de viajantes e memorialistas. Sobre a utilização das fontes é o próprio autor que aponta algumas dificuldades e soluções: “Debruçar-se sobre um tema para o qual as fontes são rarefeitas requer cuidados redobrados” (p.42). A opção pelo recorte temporal adotado faz parte desses cuidados, pois ao cobrir um período atravessado tanto pelo tráfico legal quanto o ilegal possibilita melhor manejo das fontes. Sobre o período do tráfico ilegal Rodrigues recorda que “não há crime perfeito, e o tráfico ilegal foi objeto de uma ampla repressão que deixou indícios importantes, que procurei analisar usando um método que conjugue imaginação, invenção e suposição”, método esse inspirado no trabalho de Natalie Zemon Davis.

A historiadora Silvia Lara, autora da orelha do livro afirma que além de inovador, o trabalho de Jaime Rodrigues apresenta um olhar diferente sobre um tema clássico da história do Brasil, já para Wissenbach, apesar da densidade de informações, a escrita do autor proporciona ao leitor uma leitura fluente.

Concordando com ambas podemos afirmar que a leitura do livro oferecerá ao leitor subsídios para compreender a dinâmica da travessia transatlântica ao longo do século XIX e como os diversos atores envolvidos enfrentavam tortuosa viagem. Assim, ao cumprir os objetivos que são apresentados no início do trabalho Jaime Rodrigues oferece uma obra de referência, que passados quase vinte anos do seu lançamento segue como referência obrigatória acerca dos temas abordados.

Sumário do livro De Costa a Costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860)

  • Apresentação
  • Prefácio – Maria Cristina Cortez Wissenbach
  • Agradecimentos
  • Palavras iniciais
  • I – Negociações e conflitos em Angola
  • 1. A grande loba que devora tudo: portos, feitorias e barracões de Angola
  • 2. Interesses em confronto
  • 3. A rede miúda do tráfico
  • II – Navios e homens no mar
  • 4. Navios negreiros: imagens e descrições
  • 5. As tripulações do tráfico negreiro
  • 6. Cultura marítima: a vez dos marinheiros
  • III – Marinheiros e africanos em ação
  • 7. Guerras, resistência e revoltas
  • 8. Saúde e artes de curar
  • 9. O mercado do Valongo
  • Epílogo
  • Notas
  • Abreviaturas utilizadas
  • Fontes e bibliografia
  • Lista de tabelas
  • Créditos das imagens
  • Índice remissivo

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Resenhista

Daniel Costa é historiador e professor, licenciado em História pela UNIFESP, tem desenvolvido pesquisas acerca da corrupção na América portuguesa, especificamente no século XVIII. Publicou, entre outros trabalhos, “Corrupção, corruptores e contrabando: uma discussão historiográfica sobre práticas ilícitas na América Portuguesa (C. Século XVIII) (2022)” e “Caminhando entre veredasApontamentos sobre o contrabando e corrupção na América portuguesa (Pernambuco 1758-1778) (2023)”. ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/9383874655339999; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7786-2678; E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

RODRIGUES, Jaime. De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780–1860). 2ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2022. Resenha de: COSTA, Daniel. Longa travessia. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/uma-longa-travessia-resenha-de-daniel-costa-sobre-o-livro-escravos-marinheiros-e-intermediarios-do-trafico-negreiro-de-angola-ao-rio-de-janeiro-1780-1860-de-jaime-rodri/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 12, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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