Mecanismos de Ascensão dos Totalitarismo – Resenha de Marcos Manoel Silva Severiano (URCA) sobre o livro “Berlim”, de Jason Lutes

Jason Lutes | Imagem: El Español

Resumo: Berlim, lançado no Brasil em 2020, é uma escrita acerca do passado alemão, com a ascensão do nazismo nos anos 1920, num formato de Graphic Novel. Intercalando lirismo e realismo, fruto de uma vasta pesquisa para a fundamentação histórica, a obra objetiva refletir acerca das estratégias usadas pelo regime para tornar-se uma opção viável na mentalidade do povo alemão.

Palavras-chave: Nazismo, Totalitarismo, Hq, Quadrinhos.


Berlim, do quadrinista americano Jason Lutes (tradução para o português por Alexandre Boide), foi publicado no Brasil em 2020, pela editora Veneta. Em suas 592 páginas, o livro aborda a ascensão das ideias nazistas na capital do Terceiro Reich durante as décadas de 1920 e 1930, com o objetivo demonstrar de forma sutil, as estratégias de construção de uma mentalidade extremista entre os cidadãos, perpassando os discursos cotidianos dos sujeitos. Berlim foi premiada em duas categorias do “Excellence in Graphic Literature” e com indicações para os prêmios “Harvey Awards” e “Eisner”, voltados ao reconhecimento de grandes obras do gênero.

Jason Lutes, novaiorquino, encantado pelo estilo do quadrinho europeu desde pequeno, iniciou sua carreira realizando trabalhos para a editora independente “Fantagraphics Books”, responsável por selos como “Eros Comix”. O autor também conseguiu espaço para suas tiras no semanário The Stranger, de Seattle, onde publicou durante vários anos, sendo compiladas no livro Jar of Fools. Mas o sucesso e reconhecimento foi alcançado com Berlim, que chegou ao Brasil em 2020. A obra é produto de uma vasta pesquisa, que consumiu mais de 20 anos de consultas aos acervos documentais referentes a República de Weimar na Alemanha. Na versão original, a publicação foi dividida em três volumes, compilada posteriormente num volume único, formato ao qual chegou ao público brasileiro.

No Livro 1 – “Cidade de Pedras”, Lutes se encarrega de nos apresentar a Berlim da segunda década do século XX pelo olhar de personagens “comuns” (artistas, cantores, jornalistas, vendedores de jornais, ex-combatentes, dentre outros), destacando, sob óticas especificas, as transformações urbanas, sociais e políticas vivenciadas pela Alemanha.

O autor inicia sua narrativa apresentando a jovem Marthe Müller, oriunda de uma pequena burguesia do interior alemão, que após rebelar-se contra o pai perante a um casamento arranjado, parte para Berlim para estudar arte e vivenciar a experiência emergente de modernidade que irradiava pela capital alemã.

Ainda no vagão do trem, que a transporta na jornada interior-capital, ela tem seus primeiros contatos com a cidade que a aguarda a partir dos diálogos travados com Kurt Severing, um jornalista berlinense que estava investigando a produção de uma força aérea alemã, algo que contrariava as determinações do Tratado de Versalhes. Desse encontro nasce um vínculo que perpassará toda a obra e servirá como um dos eixos utilizados pelo autor.

Trecho de Berlim (2020), de Jason Lutes (p.15)

Ainda neste primeiro livro, Lutes nos apresenta os Brauns, uma família empobrecida pelas medidas políticas adotadas no país e que vivenciam o inicio de uma segregação religiosa que vai ganhando ares de normalidade aos olhos da cidade. Berlim é vista como uma cidade cosmopolita, que contrasta os avanços do progresso, com seus bondes, universidades, jornais, cabarés, com as, ainda presentes, charretes e cavalos, a falta de saneamento básico e a precariedade das construções urbanas, devido os bombardeios da Primeira Guerra Mundial. A polifonia construída a partir dos diversos personagens é um ponto marcante, mas a necessidade de contextualizar o cenário e os personagens, históricos ou não, faz com que a narrativa se prolongue demasiadamente neste primeiro volume.

No livro 2 – “Cidade de Fumaça”, o autor destaca ainda mais os aspectos de “progresso” presentes na cidade, vinculando-os a uma intelectualidade crescente e a uma burguesia emergente, incluindo o crescimento de instituições como os movimentos dos trabalhadores, organizando-se em sindicatos e partidos socialistas. Os choques entre as ideias do que ocorriam na Rússia, de Lenin e Trotsky, com as aspirações de classes emergentes alemãs vão provocando encontros e desencontros que resvalam nas narrativas politicas oficializadas pelo Reichstag. Neste livro, o autor também nos conduz a refletirmos sobre a música alemã, que se difundia nos meios radiofônicos que popularizavam na cidade, sendo usada para “alegrar” e distrair as pessoas, para que não percebem os sons que a vida urbana adquiria com a modernidade.

O autor percebe a mídia cinematográfica alemã vivenciava seu esplendor, tendo lançado o primeiro filme com vozes, como bem destaca o autor, passando gradativamente a servir aos interesses do novo regime. As leis de controle de movimento, toques de recolher, medidas de controle da imprensa vão sendo implantadas, fazendo com que o jornalista Kurt Severing comece a repensar a força das palavras e a forma como seus significados vão se perdendo na construção de informações falsas e na reprodução excessiva destas informações pelos jornais da cidade.

A desigualdade social vai se tornando mais acentuada, conforme os gastos governamentais se direcionam para ações que rompem os acordos do Tratado de Versalhes e os conflitos entre as forças policiais e os cidadãos vai dando um novo significado para “manutenção da lei e da ordem”. Para Lutes, as informações fluem pelos jornais, distribuídos nas esquinas e que normalizam algumas situações de opressão. O destaque, neste livro 2, está na articulação com os referenciais bibliográficos utilizados pelo autor para a construção do clímax da narrativa e para a construção da atmosfera da época. Diferente do livro 1, neste, o autor consegue focar mais na experiência singular dos personagens frente as metodologias ideológicas aplicadas pelo regime que se instaurava.

No livro 3 – “Cidade de Luz”, o regime nazista torna-se a opção da maioria das pessoas, que perpetuam nas suas falas as perspectivas desenvolvidas pelo partido, tendo cada vez menos opositores e os poucos que existem, caso manifestem-se, passam a serem presos e oprimidos. A Alemanha está rumando para algo desastroso, quase sem perceber, imersa em um sonho de grandeza, como Lutes destaca através de composições poéticas como essa: “A música já não consegue mais esconder a realidade conflitante da cidade e, o pior, nem precisa, visto que a aceitação tornava-se cada vez maior.”

Com histórias contadas vão transitando, entre um lirismo e um clima apocalíptico, os sonhos e esperanças da alienação que se instaura pela cidade. Os velhos jornais e fotografias vão evocando esse clima que desemboca na chegada de Hittler ao poder e nas consequências para os personagens apresentados desta ascensão. Neste livro 3, que conclui a obra, o autor conseguiu, apesar do resumido tamanho (apenas 143 páginas) frente as partes anteriores (mais de 200 páginas por livro), elevar os personagens para um final eletrizante, que deixa claro o aspecto apocalíptico imperceptível nos olhos da maioria dos envolvidos pelo regime nazista alemão.

Os três livros que compõe o volume único da obra Berlim, conseguem manter uma narrativa interligada, com elementos de continuidade que permitem ao leitor a percepção das temporalidades históricas relacionadas. Esse efeito gera um envolvimento com os personagens para as reflexões propostas. Denso em conteúdo e tratando de uma temática sensível a diversos grupos, em especial ao próprio publico alemão, o livro obteve excelente aceitação da crítica. O quadrinho foi também contemplada por diversas traduções publicadas ao redor do mundo, tendo se tornado um best-seller para o gênero, inclusive na Alemanha.

Contudo, a leitura do quadrinho é aparentemente lenta, com as composições narrativas fazendo uso, de forma intensa, da dinâmica entre os elementos verbais e não verbais para a promoção de sentido sobre o texto, além de um traço amarrado ao espaço quadrado de cada tela. Isso exige, do leitor, muita reflexão a cada imagem, para conseguir atingir a imersão que a obra se propõe. O estilo adotado por Lutes não é estranho ao público familiarizado com os quadrinhos europeus, mas pode afastar os leitores brasileiros acostumados a narrativas de ação, ação, ação. Mas, caso você se permita a leitura, poderá usufruir de uma composição imagética que instiga a percepção das estratégias sutis utilizadas pelos regimes totalitários na construção de mentalidades.

Como professor de história, percebo que alguns valores podem ser capturados da narrativa produzida por Lutes. A injustiça da desigualdade, o reconhecimento das condições de privilégio, a adesão acéfala a líderes carismáticos, a importância da reflexão crítica sobre a realidade. A maior lição ali contida, no entanto, pode ser assim sintetizada: Não estamos imunes a um retorno destas ideias totalitaristas. Aqueles que se interessam pelos temas ligados a ascensão de regimes totalitários e estão dispostos a passear pelas ruas e locais “comuns” da Berlim dos anos 1920, encontrarão na obra não apenas uma leitura sobre os fatos históricos vivenciados pela Alemanha, mas sobretudo, um mergulho planejado nas mentalidades excludente e extremista, que ganham forma nas pequenas ações do cotidiano. Vivemos um cenário de retorno destas estratégias por parte dos movimentos de extrema direita por todo o planeta. Berlim torna-se então um alerta e um clamor para olharmos para o passado e ficarmos atentos aos discursos e narrativas construídas no presente, trazendo essas temporalidades históricas como fundamentais na construção de um futuro melhor.

Sumário de Berlim

  • Livro 1 – Cidade de Pedras
  • Livro 2 – Cidade de Fumaça
  • Livro 3 – Cidade de Luz
  • Uma Nota sobre Carl von Ossietzky
  • Notas da Edição Brasileira
  • A Caminho de Berlim: Desenhos Preliminares
  • Referencias e Inspirações
  • Agradecimentos

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Marcos Manoel Silva Severiano é licenciado em História (URCA), bacharel em Psicologia (UniLeão), com especialização em Gestão Escolar (Faculdade Descomplica) e Docência do Ensino Superior (UniLeão), mestrando em História pelo ProfHistória (URCA). Desenvolve atividades nas áreas de educação, história e psicologia, atuando com gestão escolar, direção pedagógica e coordenação pedagógica, além de professor do Ensino Médio da rede estadual e privada no Estado do Ceará. Também é criador de conteúdo digital através do Canal Paradigmata no Youtube e Spotify. Redes sociais: marcosrua47 ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5429477567940296. ID ORCID: https://orcid.org/0009-0009-0876-624X; Email: [email protected].


Para citar esta resenha

LUTES, Jason, Berlim. Tradução de Alexandre Boide. Notas e traduções adicionais de Rogério Campos. São Paulo: Veneta. 2020. 592 p. Resenha de: SEVERIANO, Marcos M. S. Mecanismos de Ascensão dos Totalitarismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.11. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/mecanismos-de-ascensao-dos-totalitarismo-resenha-de-marcos-manoel-silva-severiano-urca-sobre-o-livro-berlim-de-jason-lutes/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 11, maio/jun., 2023 | ISSN 2764-2666

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Mecanismos de Ascensão dos Totalitarismo – Resenha de Marcos Manoel Silva Severiano (URCA) sobre o livro “Berlim”, de Jason Lutes

Jason Lutes | Imagem: El Español

Resumo: Berlim, lançado no Brasil em 2020, é uma escrita acerca do passado alemão, com a ascensão do nazismo nos anos 1920, num formato de Graphic Novel. Intercalando lirismo e realismo, fruto de uma vasta pesquisa para a fundamentação histórica, a obra objetiva refletir acerca das estratégias usadas pelo regime para tornar-se uma opção viável na mentalidade do povo alemão.

Palavras-chave: Nazismo, Totalitarismo, Hq, Quadrinhos.


Berlim, do quadrinista americano Jason Lutes (tradução para o português por Alexandre Boide), foi publicado no Brasil em 2020, pela editora Veneta. Em suas 592 páginas, o livro aborda a ascensão das ideias nazistas na capital do Terceiro Reich durante as décadas de 1920 e 1930, com o objetivo demonstrar de forma sutil, as estratégias de construção de uma mentalidade extremista entre os cidadãos, perpassando os discursos cotidianos dos sujeitos. Berlim foi premiada em duas categorias do “Excellence in Graphic Literature” e com indicações para os prêmios “Harvey Awards” e “Eisner”, voltados ao reconhecimento de grandes obras do gênero.

Jason Lutes, novaiorquino, encantado pelo estilo do quadrinho europeu desde pequeno, iniciou sua carreira realizando trabalhos para a editora independente “Fantagraphics Books”, responsável por selos como “Eros Comix”. O autor também conseguiu espaço para suas tiras no semanário The Stranger, de Seattle, onde publicou durante vários anos, sendo compiladas no livro Jar of Fools. Mas o sucesso e reconhecimento foi alcançado com Berlim, que chegou ao Brasil em 2020. A obra é produto de uma vasta pesquisa, que consumiu mais de 20 anos de consultas aos acervos documentais referentes a República de Weimar na Alemanha. Na versão original, a publicação foi dividida em três volumes, compilada posteriormente num volume único, formato ao qual chegou ao público brasileiro.

No Livro 1 – “Cidade de Pedras”, Lutes se encarrega de nos apresentar a Berlim da segunda década do século XX pelo olhar de personagens “comuns” (artistas, cantores, jornalistas, vendedores de jornais, ex-combatentes, dentre outros), destacando, sob óticas especificas, as transformações urbanas, sociais e políticas vivenciadas pela Alemanha.

O autor inicia sua narrativa apresentando a jovem Marthe Müller, oriunda de uma pequena burguesia do interior alemão, que após rebelar-se contra o pai perante a um casamento arranjado, parte para Berlim para estudar arte e vivenciar a experiência emergente de modernidade que irradiava pela capital alemã.

Ainda no vagão do trem, que a transporta na jornada interior-capital, ela tem seus primeiros contatos com a cidade que a aguarda a partir dos diálogos travados com Kurt Severing, um jornalista berlinense que estava investigando a produção de uma força aérea alemã, algo que contrariava as determinações do Tratado de Versalhes. Desse encontro nasce um vínculo que perpassará toda a obra e servirá como um dos eixos utilizados pelo autor.

Trecho de Berlim (2020), de Jason Lutes (p.15)

Ainda neste primeiro livro, Lutes nos apresenta os Brauns, uma família empobrecida pelas medidas políticas adotadas no país e que vivenciam o inicio de uma segregação religiosa que vai ganhando ares de normalidade aos olhos da cidade. Berlim é vista como uma cidade cosmopolita, que contrasta os avanços do progresso, com seus bondes, universidades, jornais, cabarés, com as, ainda presentes, charretes e cavalos, a falta de saneamento básico e a precariedade das construções urbanas, devido os bombardeios da Primeira Guerra Mundial. A polifonia construída a partir dos diversos personagens é um ponto marcante, mas a necessidade de contextualizar o cenário e os personagens, históricos ou não, faz com que a narrativa se prolongue demasiadamente neste primeiro volume.

No livro 2 – “Cidade de Fumaça”, o autor destaca ainda mais os aspectos de “progresso” presentes na cidade, vinculando-os a uma intelectualidade crescente e a uma burguesia emergente, incluindo o crescimento de instituições como os movimentos dos trabalhadores, organizando-se em sindicatos e partidos socialistas. Os choques entre as ideias do que ocorriam na Rússia, de Lenin e Trotsky, com as aspirações de classes emergentes alemãs vão provocando encontros e desencontros que resvalam nas narrativas politicas oficializadas pelo Reichstag. Neste livro, o autor também nos conduz a refletirmos sobre a música alemã, que se difundia nos meios radiofônicos que popularizavam na cidade, sendo usada para “alegrar” e distrair as pessoas, para que não percebem os sons que a vida urbana adquiria com a modernidade.

O autor percebe a mídia cinematográfica alemã vivenciava seu esplendor, tendo lançado o primeiro filme com vozes, como bem destaca o autor, passando gradativamente a servir aos interesses do novo regime. As leis de controle de movimento, toques de recolher, medidas de controle da imprensa vão sendo implantadas, fazendo com que o jornalista Kurt Severing comece a repensar a força das palavras e a forma como seus significados vão se perdendo na construção de informações falsas e na reprodução excessiva destas informações pelos jornais da cidade.

A desigualdade social vai se tornando mais acentuada, conforme os gastos governamentais se direcionam para ações que rompem os acordos do Tratado de Versalhes e os conflitos entre as forças policiais e os cidadãos vai dando um novo significado para “manutenção da lei e da ordem”. Para Lutes, as informações fluem pelos jornais, distribuídos nas esquinas e que normalizam algumas situações de opressão. O destaque, neste livro 2, está na articulação com os referenciais bibliográficos utilizados pelo autor para a construção do clímax da narrativa e para a construção da atmosfera da época. Diferente do livro 1, neste, o autor consegue focar mais na experiência singular dos personagens frente as metodologias ideológicas aplicadas pelo regime que se instaurava.

No livro 3 – “Cidade de Luz”, o regime nazista torna-se a opção da maioria das pessoas, que perpetuam nas suas falas as perspectivas desenvolvidas pelo partido, tendo cada vez menos opositores e os poucos que existem, caso manifestem-se, passam a serem presos e oprimidos. A Alemanha está rumando para algo desastroso, quase sem perceber, imersa em um sonho de grandeza, como Lutes destaca através de composições poéticas como essa: “A música já não consegue mais esconder a realidade conflitante da cidade e, o pior, nem precisa, visto que a aceitação tornava-se cada vez maior.”

Com histórias contadas vão transitando, entre um lirismo e um clima apocalíptico, os sonhos e esperanças da alienação que se instaura pela cidade. Os velhos jornais e fotografias vão evocando esse clima que desemboca na chegada de Hittler ao poder e nas consequências para os personagens apresentados desta ascensão. Neste livro 3, que conclui a obra, o autor conseguiu, apesar do resumido tamanho (apenas 143 páginas) frente as partes anteriores (mais de 200 páginas por livro), elevar os personagens para um final eletrizante, que deixa claro o aspecto apocalíptico imperceptível nos olhos da maioria dos envolvidos pelo regime nazista alemão.

Os três livros que compõe o volume único da obra Berlim, conseguem manter uma narrativa interligada, com elementos de continuidade que permitem ao leitor a percepção das temporalidades históricas relacionadas. Esse efeito gera um envolvimento com os personagens para as reflexões propostas. Denso em conteúdo e tratando de uma temática sensível a diversos grupos, em especial ao próprio publico alemão, o livro obteve excelente aceitação da crítica. O quadrinho foi também contemplada por diversas traduções publicadas ao redor do mundo, tendo se tornado um best-seller para o gênero, inclusive na Alemanha.

Contudo, a leitura do quadrinho é aparentemente lenta, com as composições narrativas fazendo uso, de forma intensa, da dinâmica entre os elementos verbais e não verbais para a promoção de sentido sobre o texto, além de um traço amarrado ao espaço quadrado de cada tela. Isso exige, do leitor, muita reflexão a cada imagem, para conseguir atingir a imersão que a obra se propõe. O estilo adotado por Lutes não é estranho ao público familiarizado com os quadrinhos europeus, mas pode afastar os leitores brasileiros acostumados a narrativas de ação, ação, ação. Mas, caso você se permita a leitura, poderá usufruir de uma composição imagética que instiga a percepção das estratégias sutis utilizadas pelos regimes totalitários na construção de mentalidades.

Como professor de história, percebo que alguns valores podem ser capturados da narrativa produzida por Lutes. A injustiça da desigualdade, o reconhecimento das condições de privilégio, a adesão acéfala a líderes carismáticos, a importância da reflexão crítica sobre a realidade. A maior lição ali contida, no entanto, pode ser assim sintetizada: Não estamos imunes a um retorno destas ideias totalitaristas. Aqueles que se interessam pelos temas ligados a ascensão de regimes totalitários e estão dispostos a passear pelas ruas e locais “comuns” da Berlim dos anos 1920, encontrarão na obra não apenas uma leitura sobre os fatos históricos vivenciados pela Alemanha, mas sobretudo, um mergulho planejado nas mentalidades excludente e extremista, que ganham forma nas pequenas ações do cotidiano. Vivemos um cenário de retorno destas estratégias por parte dos movimentos de extrema direita por todo o planeta. Berlim torna-se então um alerta e um clamor para olharmos para o passado e ficarmos atentos aos discursos e narrativas construídas no presente, trazendo essas temporalidades históricas como fundamentais na construção de um futuro melhor.

Sumário de Berlim

  • Livro 1 – Cidade de Pedras
  • Livro 2 – Cidade de Fumaça
  • Livro 3 – Cidade de Luz
  • Uma Nota sobre Carl von Ossietzky
  • Notas da Edição Brasileira
  • A Caminho de Berlim: Desenhos Preliminares
  • Referencias e Inspirações
  • Agradecimentos

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Marcos Manoel Silva Severiano é licenciado em História (URCA), bacharel em Psicologia (UniLeão), com especialização em Gestão Escolar (Faculdade Descomplica) e Docência do Ensino Superior (UniLeão), mestrando em História pelo ProfHistória (URCA). Desenvolve atividades nas áreas de educação, história e psicologia, atuando com gestão escolar, direção pedagógica e coordenação pedagógica, além de professor do Ensino Médio da rede estadual e privada no Estado do Ceará. Também é criador de conteúdo digital através do Canal Paradigmata no Youtube e Spotify. Redes sociais: marcosrua47 ID Lattes: http://lattes.cnpq.br/5429477567940296. ID ORCID: https://orcid.org/0009-0009-0876-624X; Email: [email protected].


Para citar esta resenha

LUTES, Jason, Berlim. Tradução de Alexandre Boide. Notas e traduções adicionais de Rogério Campos. São Paulo: Veneta. 2020. 592 p. Resenha de: SEVERIANO, Marcos M. S. Mecanismos de Ascensão dos Totalitarismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.11. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/mecanismos-de-ascensao-dos-totalitarismo-resenha-de-marcos-manoel-silva-severiano-urca-sobre-o-livro-berlim-de-jason-lutes/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 11, maio/jun., 2023 | ISSN 2764-2666

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