Memórias do Velho Chico — Resenha de Antônio Fernando de Araújo Sá (UFS), sobre o livro “Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco”, de Antônio Xavier de Assis, organizado por Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos

Antônio Xavier de Assis | Imagens: EvidencieSe

Resumo: Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, é a publicação do manuscrito do mesmo nome, escrito por Antônio Xavier de Assis e organizado por Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos. A obra de perspectiva geográfica e historiográfica, aborda a vida em torno do Rio São Francisco, entre os séculos XVII e XIX.

Palavras-chave: Rio São Francisco, Baixo São Francisco, Colonização.


Por iniciativa de Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos, a publicação do manuscrito de Antônio Xavier de Assis (1870–1939), Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, pela prefeitura e Aracaju, capital de Sergipe, por meio da Empresa Gráfica do Estado da Bahia, em 2020, representou homenagem da cidade ao sesquicentenário de nascimento do jornalista, professor e gráfico alagoano que foi seu intendente, entre 1904 e 1905, após ser eleito em 1.º de setembro de 1903. O objetivo do manuscrito é biografar o velho chico, embora o pano de fundo fosse recuperar o “passado honroso” do Nordeste brasileiro na formação da nacionalidade, “quando mais o Brasil precisou ser dos brasileiros” (p.9, 31).

Nascido na cidade de Pão de Açúcar (AL), em 15 de junho de 1870, o escritor pode ser associado, em meio à miséria da educação alagoana, a certa expansão de tipografias na capital e nas maiores cidades do interior, como Penedo e Viçosa, onde se publicavam mais de duas dezenas de jornais em todo o Estado, como A Tribuna, o GutembergJornal de Debates, o Evolucionista, a Revista do Instituto Arqueológico, o ViçosenceO Libertador, entre outros (Barros, 2017, p.32; Tenório, 2018, p.34).

Segundo relato do próprio autor, o cultivo pelas artes gráficas e pela escrita jornalística surgiu da convivência com Aquiles Balbino de Lélis Melo (1831–1902), quando colaborou com o jornal O Trabalho, por este editado em Pão de Açúcar (AL), e depois, em Penedo (AL), nos jornais O Estímulo e Tribuna Popular e na revista literária A Palavra (p.20).

Em 1899, o escritor migrava para Sergipe, vindo trabalhar com Josino de Menezes e Padre Olímpio Campos, no jornal oficial, O Estado de Sergipe. Segundo ele, foi o envolvimento com a política sergipana que o impediu de escrever o livro sobre o rio São Francisco. Além de suas atividades comerciais, como gestão da Livraria Brasileira, assumiu cargo público como intendente de Aracaju em 1904 e 1905, bem como, na administração educacional do estado, como diretor de grupos escolares e inspetor escolar (p.18).

As motivações para a escrita do livro foram a “de ser útil à minha Pátria”, no sentido de ser “sincero” e “fugir […] dos floreios literários”. Como “obra de sua vida”, seu conhecimento empírico sobre o rio, que “desde sempre naveguei”, foi fundamental para a construção da pequena obra sobre tema tão vasto, como o rio São Francisco. É contra o desvão entre o sul e o norte desse país que o autor se colocou no manuscrito, recentemente publicado (ASSIS, 2020: p. 9 e 31).

O rio São Francisco colocava-se como representante da “unidade nacional e fraternidade regional, como exemplo de ligação do mar com os sertões onde tem forjada a mais autêntica nacionalidade” (p. 22). Assim, podemos inseri-lo no mapeamento do rio realizado por diversos engenheiros, médicos, geógrafos, fotógrafos, escritores, militares, que produziu significativo conjunto discursivo de símbolo da unidade nacional e territorial.

Ao mesmo tempo, associava-se, em parte, à perspectiva historiográfica e geográfica das primeiras décadas do século XX, ao utilizar autores pioneiros da geografia humana, como João Capistrano de Abreu, e historiadores nacionais e regionais, como Francisco de Adolfo de Varnhagen, João Capistrano de Abreu, Cândido Mendes, Manuel Diégues Júnior, Hugo Jobim, Aníbal Mascarenhas, Ivo do Prado, Francisco A. de Carvalho Júnior, entre outros. Além disso, utilizou fontes documentais, como G. Barléus e George Marcgraf, bem como os Anais da Biblioteca Nacional e Cartografia da Capitania de Pernambuco (1807).

Essa base intelectual justificava a afirmação de Epifânio Dórea, na Revista do Aracaju (1962, p.178), que o autor possuía “viva e penetrante inteligência”, verificada na sua contribuição na imprensa sergipana, como o Correio de Aracaju, Jornal do Povo, O Estado de Sergipe e Jornal de Notícias, bem como na Revista Brasileira, do Rio de Janeiro.

Sua narrativa está vinculada ao projeto de colonização, descrevendo a ocupação dos territórios ribeirinhos do baixo São Francisco, com vistas à exploração dos seus bens e à submissão dos nativos (Bosi, 1992, p.19). Há uma longa digressão sobre a descoberta do rio, utilizando-se das obras de Varnhagen, Capistrano de Abreu, Cândido Mendes, Hugo Jobim e Aníbal Mascarenhas, associando-a à expedição de Américo Vespúcio. Por outro lado, exaltou a ação de povoamento de D. João III, rei de Portugal, em 1526, “ao mandar Cristóvão Jacques para tratar da colonização do nosso país”, bem como a chegada dos jesuítas para a catequização dos índios. Nesse primeiro século, descreveu a caça aos aborígines e a “falta de gente civilizada” na região do Baixo São Francisco (ASSIS, 2020: p. 41 e 56).

Em seguida, tratou da ocupação holandesa (1624–1654), utilizando-se das fontes batavas, como G. Marcgraf, G. Barleus e Pierre Moreau, para compor as descrições geográficas da região. Percebemos certa simpatia com as ações de Maurício de Nassau no que se refere às artes, literatura, ciências físicas e naturais em sua administração.

Destacava-se o Quilombo dos Palmares para a história do baixo São Francisco no século XVII, mas a partir do olhar dos colonizadores. Segundo ele, apesar de sua sede principal estar localizada na Serra da Barriga (Alagoas), a vila de Penedo esteve presente na luta contra os quilombolas, até o seu final com Domingos Jorge Velho. Segundo o escritor, os albores do século XVIII eram de relativa calma no norte do Brasil, realçando o trabalho de catequese dos jesuítas, em especial de D. Domingos de Loreto Couto na domesticação dos indígenas do baixo São Francisco (2020, p.78).

Há uma preocupação acentuada de descrição das paisagens e dos lugares que vão da cachoeira de Paulo Afonso até a Foz do rio São Francisco, utilizando-se das cartas geográficas disponíveis, como a Cartografia da Capitania de Pernambuco (1807), e das obras de Francisco Antônio de Carvalho Júnior, História dos Limites entre Sergipe e Bahia (1918) e Ivo do Prado, A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias (1919).

Cachoeira de Paulo Afonso (1850) de E. F. Schute Foto: MASP/João Musa

O escritor comentou sobre a presença dos fenícios no Brasil, misturando dados científicos com fantasias sobre civilizações perdidas, presentes na historiografia do século XIX e início do século XX. É oportuno observar que, mesmo desacreditada cientificamente, esse mito teimava em renascer em escritos ao longo do século XX. Um dos seus defensores, Ladislau Neto, que foi diretor do Museu Nacional, foi desancado pelo escritor sergipano Sílvio Romero, chamando-o de “beduíno anthropológico” (Martin, 1996, p.10–15).

Imperdoável não conhecer essa referência, antes de descrever o mito dos fenícios no Brasil. Mas o objetivo do autor era, seguindo outros contemporâneos, descrever as potencialidades do rio para o desenvolvimento econômico na agricultura, na indústria, que, “infelizmente, ainda não foi explorado como deve ser”. O impulso modernizador superaria o ainda vigente espírito colonial. Como exemplo, elencou a potencialidade da produção de eletricidade por parte da cachoeira de Paulo Afonso e os vapores, que singravam o rio de Penedo a Piranhas, eram vistos como veículos da civilização e do comércio das mercadorias produzidas no baixo São Francisco (ASSIS, 2020: p. 103 e 104).

Como a “seca é o pavor do sertão”, sugeriu o sistema moderno de ensilagem verde para suprir a alimentação do gado, ao invés da armazenagem da folha seca do arroz. No mesmo sentido, colocava em destaque a necessidade da dragagem marítima e fluvial para o desenvolvimento da região. Por fim, imaginava a potencialidade turística do baixo São Francisco com suas belezas naturais (p.109, 111 e 116).

Portanto, podemos associá-lo ao trabalho contemporâneo do historiador e geógrafo Francisco Henrique Moreno Brandão (1875–1938), vinculado às principais instituições culturais de Alagoas, como o Instituto Histórico e Geográfico e a Academia Alagoana de Letras. Também nascido em Pão de Açúcar, em 1875, este historiador publicou, em 1905, propostas repletas de esperança em defesa da educação, progresso e ciência para a região do baixo São Francisco (BRANDÃO, 2015).

Falecido em 1939, o escritor não pode ver seu manuscrito publicado em livro, mas que agora está disponível, para o público interessado na história do baixo São Francisco, pela cidade que tanto amou. Pena que o manuscrito é interrompido drasticamente na página final, com um parágrafo inconcluso. Por isso, para que possamos avaliar, de forma mais ampla, sua contribuição, seria fundamental realizar uma edição comentada e revisada.

Referências

ASSIS, Antônio Xavier de. Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco. Aracaju: EGBA, 2020.

ASSIS, Carlos Pinna de e SANTOS, Gilfrancisco dos. Antônio Xavier de Assis: vida & obra. Aracaju: Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe (Edise), 2020.

BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Sobre o pensamento social brasileiro: Em torno de algumas contribuições alagoanas. In: SANTANA, Luciana; CAVALCANTI, Bruno César e VASCONCELOS (org.). História e Memória das Ciências Sociais em Alagoas. Maceió: EDUFAL/Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017.

BRANDÃO, MorenoHistória de Alagoas seguido de O Baixo São Francisco: o rio e o vale. Maceió: EDUFAL, 2015.

DÓRIA, Epifânio. Intendentes e Prefeitos de Aracaju. In: Revista de Aracaju. Ano XIX, n. 7, 31/12/1962.

TENÓRIO, Douglas Apratto. Metamorfose das Oligarquias. 3ed. Maceió: EDUFAL/Editora CESMAC, 2018.

[A obra resenhada não possui sumário]


Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), professor do Departamento de História e do Mestrado em História da Universidade Federal de Sergipe e editor da Ponta de Lança– Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. Publicou, entre outros títulos, Rio Sem História? Leituras sobre o Rio São Francisco (2018) e Entre sertões e representações: ensaios e estudos (2021). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/4761668150681726; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6496-4456; E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

ASSIS, Antônio Xavier de. Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco. Aracaju: Prefeitura de Aracaju; Salvador: Empresa Gráfica do Estado da Bahia, em 2020. 238p. Resenha de: SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Memórias do Velho Chico. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/memorias-do-velho-chico-resenha-de-antonio-fernando-de-araujo-sa-sobre-o-livro-esboco-historico-e-geografico-do-baixo-sao-francisco-de-antonio-xavier-de-assis/e/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 12, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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Memórias do Velho Chico — Resenha de Antônio Fernando de Araújo Sá (UFS), sobre o livro “Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco”, de Antônio Xavier de Assis, organizado por Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos

Antônio Xavier de Assis | Imagens: EvidencieSe

Resumo: Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, é a publicação do manuscrito do mesmo nome, escrito por Antônio Xavier de Assis e organizado por Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos. A obra de perspectiva geográfica e historiográfica, aborda a vida em torno do Rio São Francisco, entre os séculos XVII e XIX.

Palavras-chave: Rio São Francisco, Baixo São Francisco, Colonização.


Por iniciativa de Carlos Pinna de Assis e Gilfrancisco dos Santos, a publicação do manuscrito de Antônio Xavier de Assis (1870–1939), Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco, pela prefeitura e Aracaju, capital de Sergipe, por meio da Empresa Gráfica do Estado da Bahia, em 2020, representou homenagem da cidade ao sesquicentenário de nascimento do jornalista, professor e gráfico alagoano que foi seu intendente, entre 1904 e 1905, após ser eleito em 1.º de setembro de 1903. O objetivo do manuscrito é biografar o velho chico, embora o pano de fundo fosse recuperar o “passado honroso” do Nordeste brasileiro na formação da nacionalidade, “quando mais o Brasil precisou ser dos brasileiros” (p.9, 31).

Nascido na cidade de Pão de Açúcar (AL), em 15 de junho de 1870, o escritor pode ser associado, em meio à miséria da educação alagoana, a certa expansão de tipografias na capital e nas maiores cidades do interior, como Penedo e Viçosa, onde se publicavam mais de duas dezenas de jornais em todo o Estado, como A Tribuna, o GutembergJornal de Debates, o Evolucionista, a Revista do Instituto Arqueológico, o ViçosenceO Libertador, entre outros (Barros, 2017, p.32; Tenório, 2018, p.34).

Segundo relato do próprio autor, o cultivo pelas artes gráficas e pela escrita jornalística surgiu da convivência com Aquiles Balbino de Lélis Melo (1831–1902), quando colaborou com o jornal O Trabalho, por este editado em Pão de Açúcar (AL), e depois, em Penedo (AL), nos jornais O Estímulo e Tribuna Popular e na revista literária A Palavra (p.20).

Em 1899, o escritor migrava para Sergipe, vindo trabalhar com Josino de Menezes e Padre Olímpio Campos, no jornal oficial, O Estado de Sergipe. Segundo ele, foi o envolvimento com a política sergipana que o impediu de escrever o livro sobre o rio São Francisco. Além de suas atividades comerciais, como gestão da Livraria Brasileira, assumiu cargo público como intendente de Aracaju em 1904 e 1905, bem como, na administração educacional do estado, como diretor de grupos escolares e inspetor escolar (p.18).

As motivações para a escrita do livro foram a “de ser útil à minha Pátria”, no sentido de ser “sincero” e “fugir […] dos floreios literários”. Como “obra de sua vida”, seu conhecimento empírico sobre o rio, que “desde sempre naveguei”, foi fundamental para a construção da pequena obra sobre tema tão vasto, como o rio São Francisco. É contra o desvão entre o sul e o norte desse país que o autor se colocou no manuscrito, recentemente publicado (ASSIS, 2020: p. 9 e 31).

O rio São Francisco colocava-se como representante da “unidade nacional e fraternidade regional, como exemplo de ligação do mar com os sertões onde tem forjada a mais autêntica nacionalidade” (p. 22). Assim, podemos inseri-lo no mapeamento do rio realizado por diversos engenheiros, médicos, geógrafos, fotógrafos, escritores, militares, que produziu significativo conjunto discursivo de símbolo da unidade nacional e territorial.

Ao mesmo tempo, associava-se, em parte, à perspectiva historiográfica e geográfica das primeiras décadas do século XX, ao utilizar autores pioneiros da geografia humana, como João Capistrano de Abreu, e historiadores nacionais e regionais, como Francisco de Adolfo de Varnhagen, João Capistrano de Abreu, Cândido Mendes, Manuel Diégues Júnior, Hugo Jobim, Aníbal Mascarenhas, Ivo do Prado, Francisco A. de Carvalho Júnior, entre outros. Além disso, utilizou fontes documentais, como G. Barléus e George Marcgraf, bem como os Anais da Biblioteca Nacional e Cartografia da Capitania de Pernambuco (1807).

Essa base intelectual justificava a afirmação de Epifânio Dórea, na Revista do Aracaju (1962, p.178), que o autor possuía “viva e penetrante inteligência”, verificada na sua contribuição na imprensa sergipana, como o Correio de Aracaju, Jornal do Povo, O Estado de Sergipe e Jornal de Notícias, bem como na Revista Brasileira, do Rio de Janeiro.

Sua narrativa está vinculada ao projeto de colonização, descrevendo a ocupação dos territórios ribeirinhos do baixo São Francisco, com vistas à exploração dos seus bens e à submissão dos nativos (Bosi, 1992, p.19). Há uma longa digressão sobre a descoberta do rio, utilizando-se das obras de Varnhagen, Capistrano de Abreu, Cândido Mendes, Hugo Jobim e Aníbal Mascarenhas, associando-a à expedição de Américo Vespúcio. Por outro lado, exaltou a ação de povoamento de D. João III, rei de Portugal, em 1526, “ao mandar Cristóvão Jacques para tratar da colonização do nosso país”, bem como a chegada dos jesuítas para a catequização dos índios. Nesse primeiro século, descreveu a caça aos aborígines e a “falta de gente civilizada” na região do Baixo São Francisco (ASSIS, 2020: p. 41 e 56).

Em seguida, tratou da ocupação holandesa (1624–1654), utilizando-se das fontes batavas, como G. Marcgraf, G. Barleus e Pierre Moreau, para compor as descrições geográficas da região. Percebemos certa simpatia com as ações de Maurício de Nassau no que se refere às artes, literatura, ciências físicas e naturais em sua administração.

Destacava-se o Quilombo dos Palmares para a história do baixo São Francisco no século XVII, mas a partir do olhar dos colonizadores. Segundo ele, apesar de sua sede principal estar localizada na Serra da Barriga (Alagoas), a vila de Penedo esteve presente na luta contra os quilombolas, até o seu final com Domingos Jorge Velho. Segundo o escritor, os albores do século XVIII eram de relativa calma no norte do Brasil, realçando o trabalho de catequese dos jesuítas, em especial de D. Domingos de Loreto Couto na domesticação dos indígenas do baixo São Francisco (2020, p.78).

Há uma preocupação acentuada de descrição das paisagens e dos lugares que vão da cachoeira de Paulo Afonso até a Foz do rio São Francisco, utilizando-se das cartas geográficas disponíveis, como a Cartografia da Capitania de Pernambuco (1807), e das obras de Francisco Antônio de Carvalho Júnior, História dos Limites entre Sergipe e Bahia (1918) e Ivo do Prado, A Capitania de Sergipe e suas ouvidorias (1919).

Cachoeira de Paulo Afonso (1850) de E. F. Schute Foto: MASP/João Musa

O escritor comentou sobre a presença dos fenícios no Brasil, misturando dados científicos com fantasias sobre civilizações perdidas, presentes na historiografia do século XIX e início do século XX. É oportuno observar que, mesmo desacreditada cientificamente, esse mito teimava em renascer em escritos ao longo do século XX. Um dos seus defensores, Ladislau Neto, que foi diretor do Museu Nacional, foi desancado pelo escritor sergipano Sílvio Romero, chamando-o de “beduíno anthropológico” (Martin, 1996, p.10–15).

Imperdoável não conhecer essa referência, antes de descrever o mito dos fenícios no Brasil. Mas o objetivo do autor era, seguindo outros contemporâneos, descrever as potencialidades do rio para o desenvolvimento econômico na agricultura, na indústria, que, “infelizmente, ainda não foi explorado como deve ser”. O impulso modernizador superaria o ainda vigente espírito colonial. Como exemplo, elencou a potencialidade da produção de eletricidade por parte da cachoeira de Paulo Afonso e os vapores, que singravam o rio de Penedo a Piranhas, eram vistos como veículos da civilização e do comércio das mercadorias produzidas no baixo São Francisco (ASSIS, 2020: p. 103 e 104).

Como a “seca é o pavor do sertão”, sugeriu o sistema moderno de ensilagem verde para suprir a alimentação do gado, ao invés da armazenagem da folha seca do arroz. No mesmo sentido, colocava em destaque a necessidade da dragagem marítima e fluvial para o desenvolvimento da região. Por fim, imaginava a potencialidade turística do baixo São Francisco com suas belezas naturais (p.109, 111 e 116).

Portanto, podemos associá-lo ao trabalho contemporâneo do historiador e geógrafo Francisco Henrique Moreno Brandão (1875–1938), vinculado às principais instituições culturais de Alagoas, como o Instituto Histórico e Geográfico e a Academia Alagoana de Letras. Também nascido em Pão de Açúcar, em 1875, este historiador publicou, em 1905, propostas repletas de esperança em defesa da educação, progresso e ciência para a região do baixo São Francisco (BRANDÃO, 2015).

Falecido em 1939, o escritor não pode ver seu manuscrito publicado em livro, mas que agora está disponível, para o público interessado na história do baixo São Francisco, pela cidade que tanto amou. Pena que o manuscrito é interrompido drasticamente na página final, com um parágrafo inconcluso. Por isso, para que possamos avaliar, de forma mais ampla, sua contribuição, seria fundamental realizar uma edição comentada e revisada.

Referências

ASSIS, Antônio Xavier de. Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco. Aracaju: EGBA, 2020.

ASSIS, Carlos Pinna de e SANTOS, Gilfrancisco dos. Antônio Xavier de Assis: vida & obra. Aracaju: Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe (Edise), 2020.

BARROS, Luitgarde Oliveira Cavalcanti. Sobre o pensamento social brasileiro: Em torno de algumas contribuições alagoanas. In: SANTANA, Luciana; CAVALCANTI, Bruno César e VASCONCELOS (org.). História e Memória das Ciências Sociais em Alagoas. Maceió: EDUFAL/Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2017.

BRANDÃO, MorenoHistória de Alagoas seguido de O Baixo São Francisco: o rio e o vale. Maceió: EDUFAL, 2015.

DÓRIA, Epifânio. Intendentes e Prefeitos de Aracaju. In: Revista de Aracaju. Ano XIX, n. 7, 31/12/1962.

TENÓRIO, Douglas Apratto. Metamorfose das Oligarquias. 3ed. Maceió: EDUFAL/Editora CESMAC, 2018.

[A obra resenhada não possui sumário]


Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Doutor em História pela Universidade de Brasília (UnB), professor do Departamento de História e do Mestrado em História da Universidade Federal de Sergipe e editor da Ponta de Lança– Revista Eletrônica de História, Memória & Cultura. Publicou, entre outros títulos, Rio Sem História? Leituras sobre o Rio São Francisco (2018) e Entre sertões e representações: ensaios e estudos (2021). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/4761668150681726; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6496-4456; E-mail: [email protected].


Para citar esta resenha

ASSIS, Antônio Xavier de. Esboço Histórico e Geográfico do Baixo São Francisco. Aracaju: Prefeitura de Aracaju; Salvador: Empresa Gráfica do Estado da Bahia, em 2020. 238p. Resenha de: SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Memórias do Velho Chico. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.12, jul./ago., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/memorias-do-velho-chico-resenha-de-antonio-fernando-de-araujo-sa-sobre-o-livro-esboco-historico-e-geografico-do-baixo-sao-francisco-de-antonio-xavier-de-assis/e/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 12, jul./ago., 2023 | ISSN 2764-2666

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