O conceito de Terrorismo

Por Andrey Augusto Ribeiro dos Santos (UFRJ) | ID: https://orcid.org/0000-0002-3824-9747.


A Execução de Luís XVI de França, a partir de uma gravura alemã | Imagem: Wikipédia.

Esta revisão sobre o conceito de “terrorismo” toma por base a literatura produzida e circulante em nível transnacional, publicada nas últimas duas décadas em forma de artigo, capítulo de livro e verbete de enciclopédia. O objetivo é mapear a historicização do fenômeno e a emergência da palavra, como também as controvérsias que envolveram as tentativas de definição. (Palavras-chave: Terrorismo, Contraterrorismo, Terrorismo de Estado e Violência).

Introdução

Este texto nasce para fundamentar o trabalho de análise das representações de terrorismo e do contraterrorismo no Cinema, em películas produzidas no período localizado entre 2005 e 2013, a partir de um corpus formado por: Paradise Now (2005), Munique (Munich, 2005), O Traidor (Traitor, 2008) e Rede de Mentiras (Body of lies, 2008). Iventariando trabalhos do gênero, selecionamos os seguintes autores para o exame apurado das tentativas de definição: Alessandro Visacro, Alexander Zhebit, Alexandre Martins Vianna, David Whittaker, Elton Gomes dos Reis, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Guilherme Tadeu de Paula, Luigi Bonanate, Marta Fernández Garcia Moreno, Paulo Sutti, Ricardo Pereira Cabral, Sabrina Medeiros e Sílvia Ricardo.

Para melhor apresentação dos seus resultados, estruturamos o texto em duas partes:  Na primeira, “O fenômeno e a palavra”, discorremos sobre a emergência do terrorismo em acontecimentos destacados pela literatura histórica, desde a Revolução Francesa até as guerras desencadeadas pelo ataque às Torres Gêmeas, conhecido como o 11 de Setembro.

Na segunda parte, “A busca (infinda) por uma definição”, comentamos os desafios enfrentados por acadêmicos que buscam circunscrever ações de sujeitos distintos (governos, Estados, movimentos políticos, grupos sociais etc.) em práticas também distintas de terrorismo, acentuando as contradições e os impasses jurídicos, políticos e sociais que as soluções apresentadas podem desencadear.

O fenômeno e a palavra

Não existe uma definição simples e geral para o terrorismo, apesar de se tratar de um recurso muito utilizado por vários grupos em diversas lutas no decorrer da história. O termo surge durante a Revolução Francesa (1789-1799), utilizado para definir as ações que visavam combater a reação aristocrática e defender a Revolução. Neste período, o governo revolucionário utilizou largamente a violência contra seus opositores, o que incluiu centenas de execuções. A palavra aparecerá pela primeira vez em 1798, no suplemento do Dicionário da Academia Francesa, definindo o extermínio em massa de pessoas ligadas à oposição do regime promovido pela autoridade governamental instituída (SUTTI, 2003, p.1-3). Esta foi a única ocasião em sua trajetória na qual ele não possuía uma conotação ruim, estando relacionado à virtude e sentimentos patrióticos.

No período entre 1880 e 1918, predominou o terrorismo anarquista, colocado em prática por uma minoria dentro do movimento, e populista ocorrido em países como Rússia, Itália, Sérvia, França, Espanha e Portugal. Este possuía uma “função pedagógica” que, através de atentados contra chefes de Estado e figuras importantes dos regimes em vigor, buscava “acordar” a opinião pública. Não visava alvos coletivos e de público variado, tomando sempre cuidado com a manutenção da simpatia da opinião pública em relação ao movimento. (SILVA, 2009, p.25-26).

É por volta deste período que surge a acepção política do terrorismo, no trabalho Das Mord (?), escrito por Karl Heinzen (1809-1880). No livro, o autor pregava o uso da violência e de métodos que causassem terror para alcançar certos objetivos, assim como admitia o envolvimento com bandidos e o recrutamento de pessoas para morrerem em defesa de uma causa. Suas ideias foram influentes nesta época, chegando a nomes importantes do anarquismo, como Mikhail Bakunin (1814-1876) e Piotr Kropotkin (1842-1921). (SUTI; RICARDO, 2003, p.4).

Entre as décadas de 1940 e 1970, predominou o terrorismo ocorrido dentro dos processos de descolonização e das assim denominadas guerras de libertação nacional. Este foi muito recorrente em países como Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã e Palestina (ainda na forma do terrorismo judaico anti-britânico).[1] Além disto, o terrorismo surgiu em movimentos nacionais de resistência como o IRA (Irish Republican Army, ou Exército Republicano Irlandês), na Irlanda do Norte, e o ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade em português), na Espanha; nas organizações de resistência palestina, surgidas após a derrota árabe para Israel em 1967 e pelas mãos de armênios e curdos contra alvos turcos, buscando evitar o esquecimento dos genocídios ocorridos durante a Primeira Guerra Mundial. (SILVA, 2009, p.25-26).

Entre 1975 e 1985, há grande atividade do terrorismo de vertente extremista de direita e esquerda. Como exemplos podemos apontar o Baader-Meinhof na Alemanha Ocidental, as Brigadas Vermelhas na Itália e os neofascistas na Itália e Alemanha. Nesta época também houve participação ativa de vários Estados nas atividades; como Coréia do Norte, Bulgária e Sudão; através da oferta de apoio logístico e financeiro a grupos terroristas.

O terrorismo presente em conflitos de cunho anticolonial e nacionalista se manteve ativo nesta década, através de grupos como IRA e ETA e com o surgimento de diversas organizações palestinas de resistência a ocupação israelense, como a Al-Fatah, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e a FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina). Além disto, a partir de 1979, com a invasão soviética no Afeganistão, surge uma ampla rede de sustentação ao terrorismo empreendido pelos mujahidin [2] apoiada pela CIA (Central Intelligence Agency), Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão. (SILVA, 2009, p.25-26). Esta também foi considerada uma época com forte ocorrência de tortura e contraterrorismo, com agentes de exércitos, polícias e serviços de informação ou inteligência agindo com um alto nível de liberdade (SUTTI; RICARDO, 2003, p.43).

A partir de 1993, após uma relativa calmaria, excetuando-se Irlanda do Norte, Espanha e Palestina, surge um novo tipo de terrorismo. Oriunda da reorganização dos mujahidin, desmobilizados da luta contra os soviéticos, esta nova categoria se voltou contra os norte-americanos, regimes árabes moderados e Israel. O atentado ocorrido em 1993 contra o World Trade Center, organizado por uma rede terrorista ligada a Al-Qaeda[3] marcou o inicio de uma nova etapa, compreendida como uma guerra contra os EUA e o Ocidente. (SILVA, 2009, p.26-27). No entanto, é o ataque de 11 de Setembro de 2001 que representará uma transformação para o terrorismo, graças à escala, complexidade e magnitude dos alvos.

O 11 de Setembro também foi o marco do chamado Neoterrorismo, a fase do terrorismo internacional posterior a este atentado. Este é caracterizado pelo seu caráter transnacional e pela emergência de atores e redes não-estatais, que desafiam a Ordem Internacional vigente através de meios e ações violentos e premeditados direcionados contra não-combatentes, regimes, princípios ou práticas correntes. Ele busca a destruição em massa e costuma ser cultivado em Estados falidos ou onde o combate pela legitimidade foi perdido para o crime organizado ou organizações extremistas. (ZHEBIT; SILVA, 2009, p.321).

Ataque às torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, Nova York, EUA | Imagem: Reuters/Brad Rickerby/Agência Brasil

A globalização foi muito útil a este novo tipo de terrorismo. Modernas tecnologias, sofisticados meios de comunicação, paraísos fiscais, desregulamentações financeiras, todos estes traços do mundo globalizado são motivos para odiar os EUA, enquanto oferecem os meios para fazer algo quanto a isto. O mesmo pode ser dito das liberdades democráticas. Sociedades deste tipo geralmente são os alvos de terrorismo devido a pouca interferência do Estado na vida do cidadão, à maior possibilidade de mobilização política extraoficial e à plena liberdade da mídia para difundir notícias. No fim, o próprio combate ao terrorismo em nome da liberdade democrática acaba atacando-a, legitimando a adoção de medidas mais severas e de cerceamento de liberdades civis, fazendo com que a sociedade possa sofrer mais com a repressão estatal do que com o próprio terrorismo. (GARCIA MORENO, 2009, p.108).

Em resposta ao atentado executado em Nova York o governo de George W. Bush (2001-2009) lançou a Guerra ao Terror, atacando bases e campos de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão e no Paquistão. Além disto, foi colocada em ação uma profunda reforma no sistema de segurança norte-americano, nos serviços de inteligência e na legislação, com estas últimas permitindo uma série de violações aos direitos civis e humanos.

No plano internacional formou-se uma coalizão que tinha como objetivo trocar informações, prisioneiros e realizar ações coordenadas buscando desmantelar redes terroristas. Devido a estes ataques as lideranças da Al-Qaeda se espalharam por diversos países. Em 2013 os EUA conseguiram desferir um golpe simbólico contra a organização com o assassinato de seu líder, Osama Bin Laden, no Paquistão. Eliminaram a pessoa, porém, não se pode dizer o mesmo das suas ideias, já que apesar dos revezes a Al-Qaeda continuou ativa. (CABRAL, 2014, p.578-581).

A Europa também enfrentou uma situação preocupante, já que representa uma fonte de recursos e de recrutamento para organizações islâmicas. Isto se deve em grande parte às concessões de asilo político concedidas a radicais religiosos, que se aproveitavam das liberdades democráticas para difundir seus ideais. Além disto, os europeus tiveram que lidar com os ataques de caráter xenófobo e racista de grupos nacionalistas e de extrema-direita e com o ressurgimento da extrema-esquerda. Os governos europeus recorreram ao endurecimento da legislação antiterrorismo, investimento em operações de inteligência, repressão de radicais, estreitamento da cooperação e troca de informações, além da cassação de asilo e extradição de radicais como resposta.

Na África também se verificou um aumento das atividades terroristas, por parte de grupos ligados a Al-Qaeda. No Iraque as tropas de ocupação norte-americanas e os sunitas sofreram com elas, assim como o enfraquecido governo legítimo do Afeganistão na sua luta contra o Talibã.[4] Na Ásia, países como Rússia, China e Índia também enfrentaram problemas com grupos que recorreram ao uso do terrorismo. (CABRAL, 2014, p.578-581).

Atualmente o Estado Islâmico (EI), grupo extremista derivado da Al-Qaeda, tem estado no centro das atenções. Nascido da crise política no Iraque após a invasão militar estadunidense, este grupo chegou a dominar uma razoável porção de território no Oriente Médio, porém, combatido por uma coalizão internacional liderada pelos EUA, vem perdendo domínio gradualmente na região, o que não significa um encerramento de suas atividades.

A busca (infinda) por uma definição

Ao fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre a definição de terrorismo, encontra-se uma grande quantidade de conceitos provenientes de órgãos estatais e meios acadêmicos. Basicamente entende-se por ato de terror qualquer uso da violência ou ameaça desta buscando impor objetivos políticos, mas qualquer tentativa de aprofundamento que tente ir além leva a discordâncias e imprecisões que ainda impossibilitam uma definição que seja, ao menos, seguida por todos, levando em conta a impossibilidade de se chegar a um consenso geral sobre um conceito.

Terrorismo não é um termo neutro. A subjetividade, por exemplo, é intrínseca às definições acadêmicas impregnadas de juízo de valor. Por ser um rótulo político, ele descreverá o fenômeno ao mesmo tempo que oferecerá um julgamento. É uma simplificação útil que combina elementos descritivos, simbólicos e evocativos, mas com significados flexíveis, ambíguos e até contraditórios. É por isto que antes de defini-lo é necessário levar em conta que se trata de um termo político, empregado como julgamento moral, muitas vezes atendendo a interesses de alguns grupos dentro de uma sociedade. Isto faz com que sejamos obrigados a analisar quem chama terrorismo de que, onde e por quê.

O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. (BRASIL, 2016)

Atos criminosos, inclusive contra civis, que busquem causar morte, sérias lesões corporais ou a tomada de reféns com o propósito de provocar um estado de terror em uma pessoa, grupo ou no público geral; intimidar uma população ou forçar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer algum ato que transgrida as convenções e protocolos relacionados ao terrorismo, não são justificáveis em qualquer razão, seja de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica ou religiosa… (Conselho de Segurança da ONU, 2004).

Uso indiscriminado de violência ou da ameaça dela por grupos não-estatais contra civis e não-combatentes buscando objetivos políticos radicais ou extremistas e disseminando pânico, medo ou terror. (ZHEBIT; SILVA, 2009, p.326).

Os deliberados e sistemáticos assassinatos, mutilações e ameaças a inocentes para inspirar medo e alcançar metas políticas […] O terrorismo […] é inerentemente maléfico, necessariamente maléfico e totalmente maléfico. (WHITTAKER, 2005, p.19).

Estas são algumas das muitas definições atribuídas ao terrorismo, cada uma com sua própria insuficiência ou ponto de discordância que, mesmo sem parecer, pode gerar consequências sérias quando colocadas em prática, já que contribuem para o desenvolvimento de arcabouços jurídicos. Por exemplo, apenas às ações de agentes não-estatais está destinado o enquadramento como ato de terror? Quando um Estado utiliza a força para intimidar uma população civil ou grupo de oposição, esse fato não pode ser considerado terrorismo? Além disso, se considerarmos como terrorismo apenas as agressões a civis ou não-combatentes, o que dizer dos ataques como os executados pela Jihad Islâmica contra bases militares francesas e norte-americanas em Beirute, que deixaram vários mortos? São questões como estas que dificultam as tentativas de consenso, ao menos jurídico, sobre o terrorismo.

Quem aborda tal dificuldade é Marcelle Pires em O tratamento dos suspeitos de terrorismo: uma abordagem preliminar. Para a autora, o neoterrorismo fez emergir um novo tipo de conflito, que apresenta desafios para o Direito Internacional. Tais dificuldades viriam justamente da falta de concordância entre os membros da comunidade internacional quanto ao trato do termo, e ela as demonstra através de três questões, das quais destacamos as seguintes: o ataque de 11 de setembro deu início a uma guerra? Como deveriam ser enquadrados juridicamente os membros da Al-Qaeda e do Talibã?

Para o governo dos EUA de então, as ações seriam atos de guerra, baseado no fato de: o ataque ter sido coordenado por uma entidade estrangeira, buscando causar perdas à população civil; não possuir a intenção de obtenção de lucro, mas objetivos políticos e ideológicos; a declaração de guerra aos Estados Unidos ter sido feita por Osama Bin Laden em 1996 e por ter utilizado recursos e causado danos que em nada diferem de uma agressão armada por parte de um Estado. Considerando que os terroristas conseguiram deflagrar, financiar e organizar ataques capazes de atingir o grau de conflito armado, antes esperado apenas de outros Estados, eles não poderiam sofrer as mesmas penas que criminosos comuns, mesmo não se tratando de Estados-nação. Quem defendia este posicionamento apontava o risco de que, caso os atentados fossem tratados como crimes comuns, haveria um incentivo para que outras organizações terroristas fizessem o mesmo.

Outros citavam motivos práticos para defender que os EUA não estavam em guerra, como o fato de a Al-Qaeda não ser um Estado, o que impossibilitaria a classificação como conflito armado e a aplicação das leis que o regem. Críticos apontavam mecanismos do Direito Internacional que permitiam o uso da força contra entidades não-estatais que praticassem atos hostis de maior intensidade. Porém, o que os opositores da guerra ao terrorismo temiam era um conflito global infinito no qual os EUA tivessem o poder de designar suspeitos de terrorismo, detê-los e matá-los, já que a ideia de guerra é radical e permite a fragilização das garantias dadas pelo Direito Penal, deixando liberdades e vidas sob as declarações de boa fé dos governos. (PIRES, 2009, p.172-175).

Sobre a situação dos indivíduos capturados durante o conflito, foi dado aos membros da Al-Qaeda e do Talibã o status de combatente ilegal, considerando o fato da organização não ser um Estado-nação e assim não ser considerada uma parte contratante das Convenções de Genebra.[5] Porém, mesmo que fosse, a Al-Qaeda jamais demonstrou interesse em aceitar tais termos, violando diversas leis de guerra ao operar secretamente, misturar-se a civis, dificultando a distinção entre combatentes e não-combatentes; e visar alvos civis, o que classificaria seus agentes como ilegais de qualquer maneira.

O Talibã, no entanto, seria em tese o governo afegão, o que o colocava sob os acordos de Genebra, porém, o comportamento adotado por seus agentes também fez com que eles fossem considerados ilegais. Há contestações sobre isto, já que mesmo sem possuir distintivos ou uniformes (prática incompatível com as normas de guerra) as forças deste grupo estavam inseridas numa cadeia de comando, portavam armas abertamente e, teoricamente, respeitavam o Direito Internacional.

Os EUA não os consideravam combatentes legais por não estarem a serviço de forças armadas regulares ou submetidos a uma alta parte contratante. No entanto, há um mecanismo legal que dá o direito àqueles cujo status seja discutível de serem ouvidos por um tribunal competente, que o determinará. No fim, os EUA ignoraram este aspecto e os enquadraram como “combatentes inimigos”, termo sem significado exato no Direito Internacional. (PIRES, 2009, p.175-176). Para a autora, os acordos que regem o tratamento de prisioneiros na Convenção de Genebra ainda se baseiam numa concepção clássica de guerra, dificultando a proteção daqueles que não se encaixam. Assim, ao invés de garantir direitos universais a todos ela privilegia aqueles capturados em guerras convencionais entre Estados reconhecíveis. Estas discussões demonstram o quanto a falta de consenso sobre a definição de terrorismo pode causar grandes entraves na esfera jurídica.

Para agravar este quadro, muitos governos asiáticos e africanos não cooperavam com os esforços dos EUA e da Europa em combater o terrorismo. Estes Estados veem os esforços contraterroristas como parte de uma campanha para proibir os métodos irregulares de conflito utilizados por muitos deles durante as lutas contra o colonialismo. Muitos chefes de Estado nestes países já foram enquadrados como terroristas e seus governos excluem guerras de libertação, guerrilha ou outros meios utilizados no passado da definição de terrorismo, principalmente nos Estados que não possuem recursos necessários para a guerra tradicional e nos que veem tais métodos sendo utilizados em prol de causas que apoiam.

Esta posição é consistente com a assumida por tais governos nas Convenções de Genebra, quando procuraram estender direitos e proteções a forças irregulares, temendo que os métodos utilizados pelos nativos fossem tachados como terrorismo e proscritos. Para isto, fizeram notar o caráter etnocêntrico dos tratados reguladores da guerra, já que estes, formulados por europeus, regulavam a guerra entre europeus, mas nada faziam quando estes agrediam africanos ou asiáticos. (WHITTAKER, 2005, p.428-429).

Na Organização das Nações Unidas (ONU), tentou-se discutir a definição de terrorismo. De um lado ficaram os que argumentavam que as respostas a condutas proibidas necessitavam primeiramente de um acordo sobre quais condutas são proibidas. Ou seja, apontavam a controvérsia existente ao se evocar uma resposta comunitária normativa sem deixar claro o que é e o que não é terrorismo. Do outro lado estavam os que afirmavam que a tentativa de definição era improdutiva, defendendo que fossem formuladas normas relevantes para os aspectos diversos do problema. Esta era a única resposta possível, considerando a falta de consenso sobre o termo.

Em 1972, foi estabelecido um comitê pela Assembleia Geral que revelou as ações consideradas como terrorismo pelos Estados, cada uma com sua ênfase própria. Disto foi retirada uma lista de atos terroristas que deixou aparente as suas ambiguidades, deixando claro que terrorismo não poderia ser definido pelo ato em si. Para a maioria era impossível se chegar a uma definição, já que grande parte dos países ocidentais temiam que ela incluísse o terrorismo de Estado, já outros temiam que as guerras de libertação nacional fossem enquadradas. No fim, o termo acabou sem um significado legal específico. (WHITTAKER, 2005, p.438-433).

Dentro da discussão, os atentados de 11 de Setembro de 2001 acabaram por se tornar um marco. Políticas antiterroristas vinham sendo discutidas desde antes deles, mas não com a mesma amplitude, apesar da prioridade dada ao assunto pelo governo de Ronald Reagan (1981-1989). Depois deste evento houve uma transformação na maneira de lidar com o terrorismo que concentrou forças armadas, orçamentos de defesa e um complexo ideológico de ampla difusão como boletins de agências de notícias, análises acadêmicas e filmes.

Foi na esteira destes acontecimentos que veio à tona o Ato Patriótico de 2001, uma legislação que buscou definir as práticas do governo norte-americano em relação ao terrorismo e aumentou o poder de suas agências e instituições na perseguição de suspeitos de atentados, sendo criticada por ferir liberdades civis. Dentro das ações que podiam ser enquadradas como terrorismo se encontravam atos como destruir, descarrilhar, incendiar ou desabilitar veículos de transporte em massa, navios ou as pessoas que os operam; transmitir ou causar a transmissão de informação falsa, tendo ciência da inverdade desta, em relação a um atentado ou um suposto atentado em andamento ou para ser realizado e abrigar ou esconder qualquer pessoa sabendo ou tendo motivos razoáveis para acreditar, que este tenha cometido ou vá cometer algum atentado terrorista. (US CONGRESS, 2001).

No ápice de radicalismo, a proposição criou uma definição de terrorismo doméstico que englobava atos que colocassem em perigo a vida humana e que fossem uma violação das leis criminais dos Estados Unidos ou de qualquer Estado, que parecessem pretender intimidar uma população civil, influenciar uma política governamental através de intimidação ou alterar a conduta de um governo fazendo uso de destruição massiva, assassinato ou sequestro. (Ibidem). Assim, o Ato Patriótico ampliou o que poderia ser considerado como terrorismo permitindo diversos abusos da lei. Como exemplo de tais excessos temos o grande número de passageiros de avião que foram detidos e enquadrados por ações como levantar a voz, demonstrar um comportamento agressivo ou por simplesmente demonstrar afeto a um parceiro. (In-Flight confrontatios can lead to terrorismo charges, 2009).

Logo, mesmo com o papel do Ato Patriótico no maior esforço antiterror de todos os tempos, sua conceituação de terrorismo é falha, já que ampliou as possibilidades, ao invés de delimitá-las e defini-las. Esta amplitude foi inclusive utilizada por antagonistas da Guerra ao Terror para criticá-la, como Noam Chomsky, que ao submeter as ações dos países empenhados neste empreendimento às próprias resoluções do Ato Patriótico chegou a conclusão de que as práticas destes também eram terroristas. (CHOMSKY, 2002).

Em Dictionary of Terrorism, John Richard Thackrah dedica uma reflexão aos termos “terror” e “terrorismo”. Nela afirma que o terrorismo seria uma ameaça vaga, imprevisível, incompreensível e inesperada, capaz de afetar a estrutura social e individual e perturbar o quadro de preceitos e imagens dos quais os membros de uma sociedade dependem e confiam. O terror seria um fenômeno natural e o terrorismo a exploração consciente dele. O terrorismo é coercitivo, feito para manipular suas vítimas, seu público e o grau do medo gerado; a força do terrorista, que o ajuda a comunicar seu desafio à sociedade; dependerá da natureza do crime, maneira de perpetração e nível de insensibilidade quanto à vida humana.

O mesmo autor afirma que terrorismo é uma forma mais organizada de terror; por isso o emprego do sufixo “ismo”, utilizado para denotar um caráter sistemático no nível teórico, referindo-se a uma filosofia política, ou prática, referente a um modo de agir ou uma atitude; outros que terror é um estado mental enquanto terrorismo uma atividade social organizada. Porém, logo de inicio, Thackrah afirma que não existe um consenso sobre suas definições, isentando-se da tarefa de fornecer uma. (THACKRAH, 2004, p.264-265).

Dentro do meio acadêmico, a falta de consenso e de uma melhor elaboração leva cada autor a criar um conceito, utilizando semelhanças entre eventos reais considerados atos de terror para tentar delimitar a palavra dentro de uma lógica analítica. Porém, graças ao grande número de possibilidades, variações, disputas políticas e implicações nenhuma definição ganhou força consensual, de síntese ou concisão.

No primeiro volume do Dicionário de Política (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998), há uma sessão dedicada ao que é colocado como terrorismo político, sob a responsabilidade de Luigi Bonanate. Este autor também faz questão de distinguir terror e terrorismo, sendo o primeiro um tipo de regime emergencial ao qual um governo recorre para se manter no poder e o segundo um atalho no processo revolucionário. Como tal o terrorismo surgiria em situações sócio-políticas atrasadas, tentando despertar o povo e fazer com que ele passe do ressentimento passivo à luta ativa, logo, o atentado político não tem fim em si mesmo, na verdade ele representaria o momento catalisador que deveria desencadear a luta política e abrir caminho para a conquista do poder.

Bonanate também distingue terrorismo revolucionário de terrorismo fascista; enquanto o revolucionário aceita o atentado político, mas nega o terrorismo, devido ao fato deste atingir tanto inimigos como aliados, os grupos fascistas o têm como elemento determinante já que buscam criar uma situação de medo e incerteza que propicie um golpe de Estado “pacificador e libertador.” (BONATE, 1998, p.1252-1254).

As reflexões desenvolvidas por Bonanate são bem fundamentadas, porém, insuficientes na nossa opinião. Sua definição de terrorismo não oferece uma delimitação precisa, ainda deixando lacunas. Assim, cremos que apesar de apresentar uma reflexão de qualidade sobre o termo ele não consegue englobar satisfatoriamente os debates sobre o tema.

Um dos que tentaram obter a “definição perfeita” foi o holandês Alex Schmid. Ele reuniu mais de 200 conceitos sobre terrorismo, buscando criar a partir deles uma definição consensual. Porém, o produto deste esforço, a obra intitulada The Routledge handbook of terrorism research (2011), não ajudou a explicar e caracterizar melhor o conceito, já que as implicações políticas e jurídicas também devem ser levadas em conta, além da melhor definição científica. Logo, seu trabalho mostra os limites de uma análise baseada no aparato conceitual e cria mais uma definição, que mesmo sintetizando alguns aspectos não contribuiu fundamentalmente para a discussão. (DE PAULA, 2013, p.56).

Já a crítica de Noam Chomsky é desenvolvida sem rebater nenhum dos conceitos de terrorismo vigentes, afirmando inclusive que a definição contida na legislação dos EUA seria razoável. Ele os aceita e os trata com coerência, levando os pressupostos até a última consequência. Com isto chega à conclusão de que as práticas dos países autointitulados antiterroristas são tão, ou até mais, terroristas do que as daqueles que eles caçam, principalmente as executadas pelos Estados Unidos.

O autor comenta os atentados de 11 de setembro, concordando que estes foram uma atrocidade. No entanto, afirma que não há nenhuma novidade neles além do lugar onde ocorreram e que isto era previsível, dada a facilidade de obtenção de armas e dos avanços tecnológicos, que permitem que um pequeno grupo cause grandes danos. Além disto, cita o ódio contra os EUA presente no povo do Oriente Médio, que fortaleceu a Al-Qaeda nesta região. Tal sentimento teria sido causado pelo apoio dado pelos norte-americanos a regimes corruptos e brutais e ao impedimento do desenvolvimento da região, buscando controlar suas reservas petrolíferas. (DE PAULA, 2013, p.56). Para o autor o que tornou o 11 de setembro uma data histórica foi a direção para onde as armas estavam apontadas.

Chomsky cita estudos que apontam o apoio norte-americano a várias violações dos direitos humanos, por exemplo na guerra ao terrorismo empreendida pelo governo de Ronald Reagan na América Central e Oriente Médio. Na primeira o empreendimento custou a vida de milhões de pessoas, principalmente pelas mãos de exércitos nacionais, e quando não conseguiram controlar esta instituição os EUA invadiram e destruíram os países, como no caso da Nicarágua (1912-1933).

Este é um caso incontestável e julgado pelas maiores autoridades internacionais. Perante a invasão o governo nicaraguense respondeu reunindo provas e recorrendo a vários órgãos internacionais, que condenaram os EUA por uso ilegítimo da força. Como resposta, este país desprezou as condenações e emitiu ordens para que civis indefesos fossem atacados e o exército evitado. Para Chomsky este episódio se encaixa claramente nas definições de terrorismo vigentes (CHOMSKY, 2002).

Já no Oriente Médio ele afirma que os piores atos terroristas vieram de Estados, apoiados pelos norte-americanos. Seria o exemplo de Israel com a invasão do Líbano em 1982, o bombardeio de Túnis em 1985 e a explosão de uma bomba numa mesquita em Beirute, associada a CIA e ao serviço secreto britânico. Para o autor todas estas ações se encaixam na definição de terrorismo de Estado, no entanto, elas não foram punidas, pelo contrário, foram até comemoradas como sucesso. Já durante os anos 1990 cita as diversas atrocidades cometidas por governos como os da Colômbia e Turquia contra grupos opositores, todas apoiadas pelos EUA, assim como o terrorismo perpetrado por este através de guerras econômicas, como nos casos de Cuba e Haiti.

Para Chomsky, a violência geralmente é bem-sucedida e o terrorismo transforma-se em arma dos fracos porque os fortes dominam os sistemas doutrinários, fazendo com que o terror perpetrado por eles não seja denominado desta maneira. Assim, para o autor, EUA são na verdade um país terrorista, o maior deles, assim como grande parte dos envolvidos na Guerra ao Terror, que o fizeram buscando maior liberdade para reprimir grupos dissidentes internos ao enquadrá-los como terroristas.

O terrorismo de Estado durante a ditadura militar no Brasil: o caso Riocentro (30/04/1981) | Imagens: Brasil 247

O princípio na verdade funcionaria da seguinte forma: quando alguém utiliza a força contra nós ou nossos aliados isto é terrorismo, mas quando o praticamos contra outros, muitas vezes de maneiras piores, chamamos de contraterrorismo ou guerra justa. Segundo Chomsky há uma maneira simples de reduzir as atividades terroristas no mundo: os EUA pararem de apoiá-lo e praticá-lo, assim como repensar diretrizes que geram reserva de apoio contra ele. Isto por si só já causaria um grande efeito. (Idem).

As reflexões colocadas por este autor são muito razoáveis, denunciando o que foi discutido os usos políticos do terrorismo e sua apropriação por setores dominantes na busca por legitimação para o uso da violência contra grupos opositores. Porém, ela tem um tom de denúncia e na verdade não tenta oferecer nenhuma solução para o problema da falta de consenso sobre o que é terrorismo.

Por último gostaríamos de demonstrar as discussões apresentadas pelo historiador Eric Hobsbawm em Globalização, Democracia e Terrorismo. Nesta obra o autor focaliza cinco questões contemporâneas que segundo ele requerem pensamento claro e bem-informado: guerra e paz no século XXI, o passado e futuro dos impérios globais, a natureza e o contexto cambiante do nacionalismo, o futuro da democracia liberal e o problema da violência política e do terror.

Para o autor vivemos num mundo mais violento, graças ao aumento da facilidade de obtenção de armas advinda com o fim da Guerra Fria. Além disto, cita o enfraquecimento dos Estados nacionais, fenômeno que segundo ele fica claro ao observarmos diversos fatores como a perda do monopólio da força armada, da estabilidade, do poder e cada vez mais da legitimidade para impor obrigações consensuais aos cidadãos por parte destas instituições. O resultado da combinação destes dois elementos poderia ser visto através do aumento do preço dos conflitos para os civis, que cada vez mais se tornaram vítimas, intencionais ou não, de operações armadas. (HOBSBAWM, 2007).

O autor afirma que, dentro desta conjuntura, ocorreu uma degeneração patológica da violência política resultante de diversos fatores, dentre os quais o mais preocupante na geração de violência ilimitada é a convicção ideológica de que a causa defendida é tão justa, e a do adversário tão terrível, que é necessário fazer de tudo para conquistar a vitória, o que justifica moralmente o barbarismo. Assim, a ascensão do terror durante o final do século XX e início do XXI, refletiria a substituição de conceitos morais por imperativos superiores (Ibidem, p.46).

Para Hobsbawm, os movimentos terroristas seriam sintomas e não agentes históricos significativos, e sua fraqueza seria evidente. Ao operar em países estáveis eles são problemas policiais se não possuírem apoio popular, mesmo dentro de movimentos dissidentes maiores eles não são a parte mais importante ou militarmente efetiva. Quando suas operações são executadas fora de um ambiente no qual possuem apoio popular, elas não passam de propaganda. Isto não significa que não devam ser combatidos por importantes medidas policiais internacionais, principalmente levando em conta a possibilidade de obterem armas nucleares, porém, seu potencial político real é maior em países instáveis ou em decomposição.

Considerando isto, Hobsbawm critica a retórica política que alerta contra perigos vindos do estrangeiro e contra inimigos externos mal definidos e seus agentes terroristas internos, nascida após o 11 de Setembro. Para ele, só amedronta os cidadãos, o que seria o objetivo dos terroristas, e não entende por que tal retórica tem tanto espaço na mídia, ao contrário do que era feito com o IRA anteriormente. O nervosismo despertado nas pessoas comuns seria compreensível, devido ao clima de medo gerado pela imprensa e pelos governos para alcançar seus próprios objetivos. Mas este seria um medo irracional, produzido pela política dos EUA buscando reviver os temores apocalípticos da Guerra Fria quando a criação de um inimigo que legitime a expansão e o emprego do seu poder global não é mais plausível (HOBSBAWM, 2007, p.135-136).

O autor afirma que a Guerra ao Terror piorou a situação ao globalizar o conflito e retomar intervenções estrangeiras. Logo, os efeitos negativos ocorreram mais por ações norte-americanas do que por ações dos terroristas. Estes ainda se articulam da mesma forma que antigamente, com duas diferenças: a disposição para ataques indiscriminados e a inovação representada pelo homem-bomba. Na era da internet e do fácil acesso a armas isto é um problema, maior do que o terrorismo foi no passado, que pede medidas excepcionais por parte dos responsáveis em enfrentá-lo. Mas isto não deve ser tratado como uma guerra, apenas como um problema de ordem pública.

Assim, o terrorismo pediria esforços especiais, mas sem a perda da calma. Seu perigo maior residiria nos massacres indiscriminados e no medo irracional causado pelas suas ações, com o incentivo da imprensa e de governos insensatos, não na ação política e estratégica. Há muito medo sobre os grupos terroristas, contudo suas atividades representam riscos irrisórios para a estabilidade mundial ou de qualquer país estável. Além disto, o risco à vida oferecido por eles é estatisticamente mínimo e praticamente inexistente militarmente, a menos que estes grupos obtenham armas nucleares.

Hobsbawm, portanto, tenta desconstruir a supervalorização dada ao terrorismo, contrariando a retórica global do momento, chamando a atenção para os erros dos condutores de políticas públicas, que executam ações incoerentes e incompatíveis com o tamanho da ameaça. Mesmo assim, ele não ensaiou uma definição para o problema, mas o analisou a partir do tempo no qual viveu, deixando, como anunciamos no título deste artigo, mais uma vez, a resposta irresoluta para uma definição, senão consensual, ao menos convergente sobre a categoria Terrorismo.

Referências

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Notas

[1] Terrorismo perpetrado por grupos sionistas contra a autoridade britânica.

[2] Forma plural de Mujahid (combatente ou alguém que se empenha na Jihad). No fim do século XX, a palavra se popularizou através dos mass-media, aplicando-se quase exclusivamente a combatentes armados que se inspiram no fundamentalismo islâmico. Entretanto, mujahid nem sempre tem significado religioso, podendo designar também aquele que combate pela pátria, por seu povo, por seu Estado, por sua família ou pelo bem da coletividade, com um sentido laico e nacionalista.

[3] Organização fundamentalista islâmica internacional, constituída por células colaborativas e independentes que visam disputar o poder geopolítico no Oriente Médio. A princípio, seu foco de atuação foi expulsar as tropas russas do território do Afeganistão. Durante esse período os Estados Unidos ofereceram ajuda financeira à organização, no entanto, com a Guerra do Golfo e a instalação de bases militares estadunidenses na península arábica, sede dos principais santuários do Islã, esta organização se empenhou numa campanha contra os estadunidenses e o Ocidente.

[4] Movimento nacionalista islâmico que governou o Afeganistão entre 1996 e 2001.

[5] Série de tratados formulados em Genebra, na Suíça, definindo as normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional.


Autor

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos é aluno de doutorado no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de História do Curso Pré-Universitário Comunitário Rubem Alves (UFRJ) e atuou em processos de avaliação Programa Nacional do Livro Didático (2016/2019). Entre outros trabalhos, publicou: Da virtude inabalável ao questionamento desiludido: uma análise do agente contraterrorismo no cinema estadunidense pós-11 de setembro” e “Combate Antiterrorista e Violação de Direitos: uma análise comparada a partir do Patriot Act e da Lei 13.260“.  Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4591382665207174; https://orcid.org/0000-0002-3824-9747; E – mail: [email protected].


Para citar este artigo

SANTOS, Andrey Augusto Ribeiro dos. Sobre o conceito de Terrorismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out, 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/artigo-de-revisao-sobre-o-conceito-de-terrorismo-por-andrey-augusto-ribeiro-dos-santos/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

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O conceito de Terrorismo

Por Andrey Augusto Ribeiro dos Santos (UFRJ) | ID: https://orcid.org/0000-0002-3824-9747.


A Execução de Luís XVI de França, a partir de uma gravura alemã | Imagem: Wikipédia.

Esta revisão sobre o conceito de “terrorismo” toma por base a literatura produzida e circulante em nível transnacional, publicada nas últimas duas décadas em forma de artigo, capítulo de livro e verbete de enciclopédia. O objetivo é mapear a historicização do fenômeno e a emergência da palavra, como também as controvérsias que envolveram as tentativas de definição. (Palavras-chave: Terrorismo, Contraterrorismo, Terrorismo de Estado e Violência).

Introdução

Este texto nasce para fundamentar o trabalho de análise das representações de terrorismo e do contraterrorismo no Cinema, em películas produzidas no período localizado entre 2005 e 2013, a partir de um corpus formado por: Paradise Now (2005), Munique (Munich, 2005), O Traidor (Traitor, 2008) e Rede de Mentiras (Body of lies, 2008). Iventariando trabalhos do gênero, selecionamos os seguintes autores para o exame apurado das tentativas de definição: Alessandro Visacro, Alexander Zhebit, Alexandre Martins Vianna, David Whittaker, Elton Gomes dos Reis, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Guilherme Tadeu de Paula, Luigi Bonanate, Marta Fernández Garcia Moreno, Paulo Sutti, Ricardo Pereira Cabral, Sabrina Medeiros e Sílvia Ricardo.

Para melhor apresentação dos seus resultados, estruturamos o texto em duas partes:  Na primeira, “O fenômeno e a palavra”, discorremos sobre a emergência do terrorismo em acontecimentos destacados pela literatura histórica, desde a Revolução Francesa até as guerras desencadeadas pelo ataque às Torres Gêmeas, conhecido como o 11 de Setembro.

Na segunda parte, “A busca (infinda) por uma definição”, comentamos os desafios enfrentados por acadêmicos que buscam circunscrever ações de sujeitos distintos (governos, Estados, movimentos políticos, grupos sociais etc.) em práticas também distintas de terrorismo, acentuando as contradições e os impasses jurídicos, políticos e sociais que as soluções apresentadas podem desencadear.

O fenômeno e a palavra

Não existe uma definição simples e geral para o terrorismo, apesar de se tratar de um recurso muito utilizado por vários grupos em diversas lutas no decorrer da história. O termo surge durante a Revolução Francesa (1789-1799), utilizado para definir as ações que visavam combater a reação aristocrática e defender a Revolução. Neste período, o governo revolucionário utilizou largamente a violência contra seus opositores, o que incluiu centenas de execuções. A palavra aparecerá pela primeira vez em 1798, no suplemento do Dicionário da Academia Francesa, definindo o extermínio em massa de pessoas ligadas à oposição do regime promovido pela autoridade governamental instituída (SUTTI, 2003, p.1-3). Esta foi a única ocasião em sua trajetória na qual ele não possuía uma conotação ruim, estando relacionado à virtude e sentimentos patrióticos.

No período entre 1880 e 1918, predominou o terrorismo anarquista, colocado em prática por uma minoria dentro do movimento, e populista ocorrido em países como Rússia, Itália, Sérvia, França, Espanha e Portugal. Este possuía uma “função pedagógica” que, através de atentados contra chefes de Estado e figuras importantes dos regimes em vigor, buscava “acordar” a opinião pública. Não visava alvos coletivos e de público variado, tomando sempre cuidado com a manutenção da simpatia da opinião pública em relação ao movimento. (SILVA, 2009, p.25-26).

É por volta deste período que surge a acepção política do terrorismo, no trabalho Das Mord (?), escrito por Karl Heinzen (1809-1880). No livro, o autor pregava o uso da violência e de métodos que causassem terror para alcançar certos objetivos, assim como admitia o envolvimento com bandidos e o recrutamento de pessoas para morrerem em defesa de uma causa. Suas ideias foram influentes nesta época, chegando a nomes importantes do anarquismo, como Mikhail Bakunin (1814-1876) e Piotr Kropotkin (1842-1921). (SUTI; RICARDO, 2003, p.4).

Entre as décadas de 1940 e 1970, predominou o terrorismo ocorrido dentro dos processos de descolonização e das assim denominadas guerras de libertação nacional. Este foi muito recorrente em países como Argélia, Indonésia, Malásia, Vietnã e Palestina (ainda na forma do terrorismo judaico anti-britânico).[1] Além disto, o terrorismo surgiu em movimentos nacionais de resistência como o IRA (Irish Republican Army, ou Exército Republicano Irlandês), na Irlanda do Norte, e o ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou Pátria Basca e Liberdade em português), na Espanha; nas organizações de resistência palestina, surgidas após a derrota árabe para Israel em 1967 e pelas mãos de armênios e curdos contra alvos turcos, buscando evitar o esquecimento dos genocídios ocorridos durante a Primeira Guerra Mundial. (SILVA, 2009, p.25-26).

Entre 1975 e 1985, há grande atividade do terrorismo de vertente extremista de direita e esquerda. Como exemplos podemos apontar o Baader-Meinhof na Alemanha Ocidental, as Brigadas Vermelhas na Itália e os neofascistas na Itália e Alemanha. Nesta época também houve participação ativa de vários Estados nas atividades; como Coréia do Norte, Bulgária e Sudão; através da oferta de apoio logístico e financeiro a grupos terroristas.

O terrorismo presente em conflitos de cunho anticolonial e nacionalista se manteve ativo nesta década, através de grupos como IRA e ETA e com o surgimento de diversas organizações palestinas de resistência a ocupação israelense, como a Al-Fatah, a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e a FPLP (Frente Popular de Libertação da Palestina). Além disto, a partir de 1979, com a invasão soviética no Afeganistão, surge uma ampla rede de sustentação ao terrorismo empreendido pelos mujahidin [2] apoiada pela CIA (Central Intelligence Agency), Arábia Saudita, Jordânia e Paquistão. (SILVA, 2009, p.25-26). Esta também foi considerada uma época com forte ocorrência de tortura e contraterrorismo, com agentes de exércitos, polícias e serviços de informação ou inteligência agindo com um alto nível de liberdade (SUTTI; RICARDO, 2003, p.43).

A partir de 1993, após uma relativa calmaria, excetuando-se Irlanda do Norte, Espanha e Palestina, surge um novo tipo de terrorismo. Oriunda da reorganização dos mujahidin, desmobilizados da luta contra os soviéticos, esta nova categoria se voltou contra os norte-americanos, regimes árabes moderados e Israel. O atentado ocorrido em 1993 contra o World Trade Center, organizado por uma rede terrorista ligada a Al-Qaeda[3] marcou o inicio de uma nova etapa, compreendida como uma guerra contra os EUA e o Ocidente. (SILVA, 2009, p.26-27). No entanto, é o ataque de 11 de Setembro de 2001 que representará uma transformação para o terrorismo, graças à escala, complexidade e magnitude dos alvos.

O 11 de Setembro também foi o marco do chamado Neoterrorismo, a fase do terrorismo internacional posterior a este atentado. Este é caracterizado pelo seu caráter transnacional e pela emergência de atores e redes não-estatais, que desafiam a Ordem Internacional vigente através de meios e ações violentos e premeditados direcionados contra não-combatentes, regimes, princípios ou práticas correntes. Ele busca a destruição em massa e costuma ser cultivado em Estados falidos ou onde o combate pela legitimidade foi perdido para o crime organizado ou organizações extremistas. (ZHEBIT; SILVA, 2009, p.321).

Ataque às torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, Nova York, EUA | Imagem: Reuters/Brad Rickerby/Agência Brasil

A globalização foi muito útil a este novo tipo de terrorismo. Modernas tecnologias, sofisticados meios de comunicação, paraísos fiscais, desregulamentações financeiras, todos estes traços do mundo globalizado são motivos para odiar os EUA, enquanto oferecem os meios para fazer algo quanto a isto. O mesmo pode ser dito das liberdades democráticas. Sociedades deste tipo geralmente são os alvos de terrorismo devido a pouca interferência do Estado na vida do cidadão, à maior possibilidade de mobilização política extraoficial e à plena liberdade da mídia para difundir notícias. No fim, o próprio combate ao terrorismo em nome da liberdade democrática acaba atacando-a, legitimando a adoção de medidas mais severas e de cerceamento de liberdades civis, fazendo com que a sociedade possa sofrer mais com a repressão estatal do que com o próprio terrorismo. (GARCIA MORENO, 2009, p.108).

Em resposta ao atentado executado em Nova York o governo de George W. Bush (2001-2009) lançou a Guerra ao Terror, atacando bases e campos de treinamento da Al-Qaeda no Afeganistão e no Paquistão. Além disto, foi colocada em ação uma profunda reforma no sistema de segurança norte-americano, nos serviços de inteligência e na legislação, com estas últimas permitindo uma série de violações aos direitos civis e humanos.

No plano internacional formou-se uma coalizão que tinha como objetivo trocar informações, prisioneiros e realizar ações coordenadas buscando desmantelar redes terroristas. Devido a estes ataques as lideranças da Al-Qaeda se espalharam por diversos países. Em 2013 os EUA conseguiram desferir um golpe simbólico contra a organização com o assassinato de seu líder, Osama Bin Laden, no Paquistão. Eliminaram a pessoa, porém, não se pode dizer o mesmo das suas ideias, já que apesar dos revezes a Al-Qaeda continuou ativa. (CABRAL, 2014, p.578-581).

A Europa também enfrentou uma situação preocupante, já que representa uma fonte de recursos e de recrutamento para organizações islâmicas. Isto se deve em grande parte às concessões de asilo político concedidas a radicais religiosos, que se aproveitavam das liberdades democráticas para difundir seus ideais. Além disto, os europeus tiveram que lidar com os ataques de caráter xenófobo e racista de grupos nacionalistas e de extrema-direita e com o ressurgimento da extrema-esquerda. Os governos europeus recorreram ao endurecimento da legislação antiterrorismo, investimento em operações de inteligência, repressão de radicais, estreitamento da cooperação e troca de informações, além da cassação de asilo e extradição de radicais como resposta.

Na África também se verificou um aumento das atividades terroristas, por parte de grupos ligados a Al-Qaeda. No Iraque as tropas de ocupação norte-americanas e os sunitas sofreram com elas, assim como o enfraquecido governo legítimo do Afeganistão na sua luta contra o Talibã.[4] Na Ásia, países como Rússia, China e Índia também enfrentaram problemas com grupos que recorreram ao uso do terrorismo. (CABRAL, 2014, p.578-581).

Atualmente o Estado Islâmico (EI), grupo extremista derivado da Al-Qaeda, tem estado no centro das atenções. Nascido da crise política no Iraque após a invasão militar estadunidense, este grupo chegou a dominar uma razoável porção de território no Oriente Médio, porém, combatido por uma coalizão internacional liderada pelos EUA, vem perdendo domínio gradualmente na região, o que não significa um encerramento de suas atividades.

A busca (infinda) por uma definição

Ao fazer uma pesquisa mais aprofundada sobre a definição de terrorismo, encontra-se uma grande quantidade de conceitos provenientes de órgãos estatais e meios acadêmicos. Basicamente entende-se por ato de terror qualquer uso da violência ou ameaça desta buscando impor objetivos políticos, mas qualquer tentativa de aprofundamento que tente ir além leva a discordâncias e imprecisões que ainda impossibilitam uma definição que seja, ao menos, seguida por todos, levando em conta a impossibilidade de se chegar a um consenso geral sobre um conceito.

Terrorismo não é um termo neutro. A subjetividade, por exemplo, é intrínseca às definições acadêmicas impregnadas de juízo de valor. Por ser um rótulo político, ele descreverá o fenômeno ao mesmo tempo que oferecerá um julgamento. É uma simplificação útil que combina elementos descritivos, simbólicos e evocativos, mas com significados flexíveis, ambíguos e até contraditórios. É por isto que antes de defini-lo é necessário levar em conta que se trata de um termo político, empregado como julgamento moral, muitas vezes atendendo a interesses de alguns grupos dentro de uma sociedade. Isto faz com que sejamos obrigados a analisar quem chama terrorismo de que, onde e por quê.

O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública. (BRASIL, 2016)

Atos criminosos, inclusive contra civis, que busquem causar morte, sérias lesões corporais ou a tomada de reféns com o propósito de provocar um estado de terror em uma pessoa, grupo ou no público geral; intimidar uma população ou forçar um governo ou uma organização internacional a fazer ou deixar de fazer algum ato que transgrida as convenções e protocolos relacionados ao terrorismo, não são justificáveis em qualquer razão, seja de natureza política, filosófica, ideológica, racial, étnica ou religiosa… (Conselho de Segurança da ONU, 2004).

Uso indiscriminado de violência ou da ameaça dela por grupos não-estatais contra civis e não-combatentes buscando objetivos políticos radicais ou extremistas e disseminando pânico, medo ou terror. (ZHEBIT; SILVA, 2009, p.326).

Os deliberados e sistemáticos assassinatos, mutilações e ameaças a inocentes para inspirar medo e alcançar metas políticas […] O terrorismo […] é inerentemente maléfico, necessariamente maléfico e totalmente maléfico. (WHITTAKER, 2005, p.19).

Estas são algumas das muitas definições atribuídas ao terrorismo, cada uma com sua própria insuficiência ou ponto de discordância que, mesmo sem parecer, pode gerar consequências sérias quando colocadas em prática, já que contribuem para o desenvolvimento de arcabouços jurídicos. Por exemplo, apenas às ações de agentes não-estatais está destinado o enquadramento como ato de terror? Quando um Estado utiliza a força para intimidar uma população civil ou grupo de oposição, esse fato não pode ser considerado terrorismo? Além disso, se considerarmos como terrorismo apenas as agressões a civis ou não-combatentes, o que dizer dos ataques como os executados pela Jihad Islâmica contra bases militares francesas e norte-americanas em Beirute, que deixaram vários mortos? São questões como estas que dificultam as tentativas de consenso, ao menos jurídico, sobre o terrorismo.

Quem aborda tal dificuldade é Marcelle Pires em O tratamento dos suspeitos de terrorismo: uma abordagem preliminar. Para a autora, o neoterrorismo fez emergir um novo tipo de conflito, que apresenta desafios para o Direito Internacional. Tais dificuldades viriam justamente da falta de concordância entre os membros da comunidade internacional quanto ao trato do termo, e ela as demonstra através de três questões, das quais destacamos as seguintes: o ataque de 11 de setembro deu início a uma guerra? Como deveriam ser enquadrados juridicamente os membros da Al-Qaeda e do Talibã?

Para o governo dos EUA de então, as ações seriam atos de guerra, baseado no fato de: o ataque ter sido coordenado por uma entidade estrangeira, buscando causar perdas à população civil; não possuir a intenção de obtenção de lucro, mas objetivos políticos e ideológicos; a declaração de guerra aos Estados Unidos ter sido feita por Osama Bin Laden em 1996 e por ter utilizado recursos e causado danos que em nada diferem de uma agressão armada por parte de um Estado. Considerando que os terroristas conseguiram deflagrar, financiar e organizar ataques capazes de atingir o grau de conflito armado, antes esperado apenas de outros Estados, eles não poderiam sofrer as mesmas penas que criminosos comuns, mesmo não se tratando de Estados-nação. Quem defendia este posicionamento apontava o risco de que, caso os atentados fossem tratados como crimes comuns, haveria um incentivo para que outras organizações terroristas fizessem o mesmo.

Outros citavam motivos práticos para defender que os EUA não estavam em guerra, como o fato de a Al-Qaeda não ser um Estado, o que impossibilitaria a classificação como conflito armado e a aplicação das leis que o regem. Críticos apontavam mecanismos do Direito Internacional que permitiam o uso da força contra entidades não-estatais que praticassem atos hostis de maior intensidade. Porém, o que os opositores da guerra ao terrorismo temiam era um conflito global infinito no qual os EUA tivessem o poder de designar suspeitos de terrorismo, detê-los e matá-los, já que a ideia de guerra é radical e permite a fragilização das garantias dadas pelo Direito Penal, deixando liberdades e vidas sob as declarações de boa fé dos governos. (PIRES, 2009, p.172-175).

Sobre a situação dos indivíduos capturados durante o conflito, foi dado aos membros da Al-Qaeda e do Talibã o status de combatente ilegal, considerando o fato da organização não ser um Estado-nação e assim não ser considerada uma parte contratante das Convenções de Genebra.[5] Porém, mesmo que fosse, a Al-Qaeda jamais demonstrou interesse em aceitar tais termos, violando diversas leis de guerra ao operar secretamente, misturar-se a civis, dificultando a distinção entre combatentes e não-combatentes; e visar alvos civis, o que classificaria seus agentes como ilegais de qualquer maneira.

O Talibã, no entanto, seria em tese o governo afegão, o que o colocava sob os acordos de Genebra, porém, o comportamento adotado por seus agentes também fez com que eles fossem considerados ilegais. Há contestações sobre isto, já que mesmo sem possuir distintivos ou uniformes (prática incompatível com as normas de guerra) as forças deste grupo estavam inseridas numa cadeia de comando, portavam armas abertamente e, teoricamente, respeitavam o Direito Internacional.

Os EUA não os consideravam combatentes legais por não estarem a serviço de forças armadas regulares ou submetidos a uma alta parte contratante. No entanto, há um mecanismo legal que dá o direito àqueles cujo status seja discutível de serem ouvidos por um tribunal competente, que o determinará. No fim, os EUA ignoraram este aspecto e os enquadraram como “combatentes inimigos”, termo sem significado exato no Direito Internacional. (PIRES, 2009, p.175-176). Para a autora, os acordos que regem o tratamento de prisioneiros na Convenção de Genebra ainda se baseiam numa concepção clássica de guerra, dificultando a proteção daqueles que não se encaixam. Assim, ao invés de garantir direitos universais a todos ela privilegia aqueles capturados em guerras convencionais entre Estados reconhecíveis. Estas discussões demonstram o quanto a falta de consenso sobre a definição de terrorismo pode causar grandes entraves na esfera jurídica.

Para agravar este quadro, muitos governos asiáticos e africanos não cooperavam com os esforços dos EUA e da Europa em combater o terrorismo. Estes Estados veem os esforços contraterroristas como parte de uma campanha para proibir os métodos irregulares de conflito utilizados por muitos deles durante as lutas contra o colonialismo. Muitos chefes de Estado nestes países já foram enquadrados como terroristas e seus governos excluem guerras de libertação, guerrilha ou outros meios utilizados no passado da definição de terrorismo, principalmente nos Estados que não possuem recursos necessários para a guerra tradicional e nos que veem tais métodos sendo utilizados em prol de causas que apoiam.

Esta posição é consistente com a assumida por tais governos nas Convenções de Genebra, quando procuraram estender direitos e proteções a forças irregulares, temendo que os métodos utilizados pelos nativos fossem tachados como terrorismo e proscritos. Para isto, fizeram notar o caráter etnocêntrico dos tratados reguladores da guerra, já que estes, formulados por europeus, regulavam a guerra entre europeus, mas nada faziam quando estes agrediam africanos ou asiáticos. (WHITTAKER, 2005, p.428-429).

Na Organização das Nações Unidas (ONU), tentou-se discutir a definição de terrorismo. De um lado ficaram os que argumentavam que as respostas a condutas proibidas necessitavam primeiramente de um acordo sobre quais condutas são proibidas. Ou seja, apontavam a controvérsia existente ao se evocar uma resposta comunitária normativa sem deixar claro o que é e o que não é terrorismo. Do outro lado estavam os que afirmavam que a tentativa de definição era improdutiva, defendendo que fossem formuladas normas relevantes para os aspectos diversos do problema. Esta era a única resposta possível, considerando a falta de consenso sobre o termo.

Em 1972, foi estabelecido um comitê pela Assembleia Geral que revelou as ações consideradas como terrorismo pelos Estados, cada uma com sua ênfase própria. Disto foi retirada uma lista de atos terroristas que deixou aparente as suas ambiguidades, deixando claro que terrorismo não poderia ser definido pelo ato em si. Para a maioria era impossível se chegar a uma definição, já que grande parte dos países ocidentais temiam que ela incluísse o terrorismo de Estado, já outros temiam que as guerras de libertação nacional fossem enquadradas. No fim, o termo acabou sem um significado legal específico. (WHITTAKER, 2005, p.438-433).

Dentro da discussão, os atentados de 11 de Setembro de 2001 acabaram por se tornar um marco. Políticas antiterroristas vinham sendo discutidas desde antes deles, mas não com a mesma amplitude, apesar da prioridade dada ao assunto pelo governo de Ronald Reagan (1981-1989). Depois deste evento houve uma transformação na maneira de lidar com o terrorismo que concentrou forças armadas, orçamentos de defesa e um complexo ideológico de ampla difusão como boletins de agências de notícias, análises acadêmicas e filmes.

Foi na esteira destes acontecimentos que veio à tona o Ato Patriótico de 2001, uma legislação que buscou definir as práticas do governo norte-americano em relação ao terrorismo e aumentou o poder de suas agências e instituições na perseguição de suspeitos de atentados, sendo criticada por ferir liberdades civis. Dentro das ações que podiam ser enquadradas como terrorismo se encontravam atos como destruir, descarrilhar, incendiar ou desabilitar veículos de transporte em massa, navios ou as pessoas que os operam; transmitir ou causar a transmissão de informação falsa, tendo ciência da inverdade desta, em relação a um atentado ou um suposto atentado em andamento ou para ser realizado e abrigar ou esconder qualquer pessoa sabendo ou tendo motivos razoáveis para acreditar, que este tenha cometido ou vá cometer algum atentado terrorista. (US CONGRESS, 2001).

No ápice de radicalismo, a proposição criou uma definição de terrorismo doméstico que englobava atos que colocassem em perigo a vida humana e que fossem uma violação das leis criminais dos Estados Unidos ou de qualquer Estado, que parecessem pretender intimidar uma população civil, influenciar uma política governamental através de intimidação ou alterar a conduta de um governo fazendo uso de destruição massiva, assassinato ou sequestro. (Ibidem). Assim, o Ato Patriótico ampliou o que poderia ser considerado como terrorismo permitindo diversos abusos da lei. Como exemplo de tais excessos temos o grande número de passageiros de avião que foram detidos e enquadrados por ações como levantar a voz, demonstrar um comportamento agressivo ou por simplesmente demonstrar afeto a um parceiro. (In-Flight confrontatios can lead to terrorismo charges, 2009).

Logo, mesmo com o papel do Ato Patriótico no maior esforço antiterror de todos os tempos, sua conceituação de terrorismo é falha, já que ampliou as possibilidades, ao invés de delimitá-las e defini-las. Esta amplitude foi inclusive utilizada por antagonistas da Guerra ao Terror para criticá-la, como Noam Chomsky, que ao submeter as ações dos países empenhados neste empreendimento às próprias resoluções do Ato Patriótico chegou a conclusão de que as práticas destes também eram terroristas. (CHOMSKY, 2002).

Em Dictionary of Terrorism, John Richard Thackrah dedica uma reflexão aos termos “terror” e “terrorismo”. Nela afirma que o terrorismo seria uma ameaça vaga, imprevisível, incompreensível e inesperada, capaz de afetar a estrutura social e individual e perturbar o quadro de preceitos e imagens dos quais os membros de uma sociedade dependem e confiam. O terror seria um fenômeno natural e o terrorismo a exploração consciente dele. O terrorismo é coercitivo, feito para manipular suas vítimas, seu público e o grau do medo gerado; a força do terrorista, que o ajuda a comunicar seu desafio à sociedade; dependerá da natureza do crime, maneira de perpetração e nível de insensibilidade quanto à vida humana.

O mesmo autor afirma que terrorismo é uma forma mais organizada de terror; por isso o emprego do sufixo “ismo”, utilizado para denotar um caráter sistemático no nível teórico, referindo-se a uma filosofia política, ou prática, referente a um modo de agir ou uma atitude; outros que terror é um estado mental enquanto terrorismo uma atividade social organizada. Porém, logo de inicio, Thackrah afirma que não existe um consenso sobre suas definições, isentando-se da tarefa de fornecer uma. (THACKRAH, 2004, p.264-265).

Dentro do meio acadêmico, a falta de consenso e de uma melhor elaboração leva cada autor a criar um conceito, utilizando semelhanças entre eventos reais considerados atos de terror para tentar delimitar a palavra dentro de uma lógica analítica. Porém, graças ao grande número de possibilidades, variações, disputas políticas e implicações nenhuma definição ganhou força consensual, de síntese ou concisão.

No primeiro volume do Dicionário de Política (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1998), há uma sessão dedicada ao que é colocado como terrorismo político, sob a responsabilidade de Luigi Bonanate. Este autor também faz questão de distinguir terror e terrorismo, sendo o primeiro um tipo de regime emergencial ao qual um governo recorre para se manter no poder e o segundo um atalho no processo revolucionário. Como tal o terrorismo surgiria em situações sócio-políticas atrasadas, tentando despertar o povo e fazer com que ele passe do ressentimento passivo à luta ativa, logo, o atentado político não tem fim em si mesmo, na verdade ele representaria o momento catalisador que deveria desencadear a luta política e abrir caminho para a conquista do poder.

Bonanate também distingue terrorismo revolucionário de terrorismo fascista; enquanto o revolucionário aceita o atentado político, mas nega o terrorismo, devido ao fato deste atingir tanto inimigos como aliados, os grupos fascistas o têm como elemento determinante já que buscam criar uma situação de medo e incerteza que propicie um golpe de Estado “pacificador e libertador.” (BONATE, 1998, p.1252-1254).

As reflexões desenvolvidas por Bonanate são bem fundamentadas, porém, insuficientes na nossa opinião. Sua definição de terrorismo não oferece uma delimitação precisa, ainda deixando lacunas. Assim, cremos que apesar de apresentar uma reflexão de qualidade sobre o termo ele não consegue englobar satisfatoriamente os debates sobre o tema.

Um dos que tentaram obter a “definição perfeita” foi o holandês Alex Schmid. Ele reuniu mais de 200 conceitos sobre terrorismo, buscando criar a partir deles uma definição consensual. Porém, o produto deste esforço, a obra intitulada The Routledge handbook of terrorism research (2011), não ajudou a explicar e caracterizar melhor o conceito, já que as implicações políticas e jurídicas também devem ser levadas em conta, além da melhor definição científica. Logo, seu trabalho mostra os limites de uma análise baseada no aparato conceitual e cria mais uma definição, que mesmo sintetizando alguns aspectos não contribuiu fundamentalmente para a discussão. (DE PAULA, 2013, p.56).

Já a crítica de Noam Chomsky é desenvolvida sem rebater nenhum dos conceitos de terrorismo vigentes, afirmando inclusive que a definição contida na legislação dos EUA seria razoável. Ele os aceita e os trata com coerência, levando os pressupostos até a última consequência. Com isto chega à conclusão de que as práticas dos países autointitulados antiterroristas são tão, ou até mais, terroristas do que as daqueles que eles caçam, principalmente as executadas pelos Estados Unidos.

O autor comenta os atentados de 11 de setembro, concordando que estes foram uma atrocidade. No entanto, afirma que não há nenhuma novidade neles além do lugar onde ocorreram e que isto era previsível, dada a facilidade de obtenção de armas e dos avanços tecnológicos, que permitem que um pequeno grupo cause grandes danos. Além disto, cita o ódio contra os EUA presente no povo do Oriente Médio, que fortaleceu a Al-Qaeda nesta região. Tal sentimento teria sido causado pelo apoio dado pelos norte-americanos a regimes corruptos e brutais e ao impedimento do desenvolvimento da região, buscando controlar suas reservas petrolíferas. (DE PAULA, 2013, p.56). Para o autor o que tornou o 11 de setembro uma data histórica foi a direção para onde as armas estavam apontadas.

Chomsky cita estudos que apontam o apoio norte-americano a várias violações dos direitos humanos, por exemplo na guerra ao terrorismo empreendida pelo governo de Ronald Reagan na América Central e Oriente Médio. Na primeira o empreendimento custou a vida de milhões de pessoas, principalmente pelas mãos de exércitos nacionais, e quando não conseguiram controlar esta instituição os EUA invadiram e destruíram os países, como no caso da Nicarágua (1912-1933).

Este é um caso incontestável e julgado pelas maiores autoridades internacionais. Perante a invasão o governo nicaraguense respondeu reunindo provas e recorrendo a vários órgãos internacionais, que condenaram os EUA por uso ilegítimo da força. Como resposta, este país desprezou as condenações e emitiu ordens para que civis indefesos fossem atacados e o exército evitado. Para Chomsky este episódio se encaixa claramente nas definições de terrorismo vigentes (CHOMSKY, 2002).

Já no Oriente Médio ele afirma que os piores atos terroristas vieram de Estados, apoiados pelos norte-americanos. Seria o exemplo de Israel com a invasão do Líbano em 1982, o bombardeio de Túnis em 1985 e a explosão de uma bomba numa mesquita em Beirute, associada a CIA e ao serviço secreto britânico. Para o autor todas estas ações se encaixam na definição de terrorismo de Estado, no entanto, elas não foram punidas, pelo contrário, foram até comemoradas como sucesso. Já durante os anos 1990 cita as diversas atrocidades cometidas por governos como os da Colômbia e Turquia contra grupos opositores, todas apoiadas pelos EUA, assim como o terrorismo perpetrado por este através de guerras econômicas, como nos casos de Cuba e Haiti.

Para Chomsky, a violência geralmente é bem-sucedida e o terrorismo transforma-se em arma dos fracos porque os fortes dominam os sistemas doutrinários, fazendo com que o terror perpetrado por eles não seja denominado desta maneira. Assim, para o autor, EUA são na verdade um país terrorista, o maior deles, assim como grande parte dos envolvidos na Guerra ao Terror, que o fizeram buscando maior liberdade para reprimir grupos dissidentes internos ao enquadrá-los como terroristas.

O terrorismo de Estado durante a ditadura militar no Brasil: o caso Riocentro (30/04/1981) | Imagens: Brasil 247

O princípio na verdade funcionaria da seguinte forma: quando alguém utiliza a força contra nós ou nossos aliados isto é terrorismo, mas quando o praticamos contra outros, muitas vezes de maneiras piores, chamamos de contraterrorismo ou guerra justa. Segundo Chomsky há uma maneira simples de reduzir as atividades terroristas no mundo: os EUA pararem de apoiá-lo e praticá-lo, assim como repensar diretrizes que geram reserva de apoio contra ele. Isto por si só já causaria um grande efeito. (Idem).

As reflexões colocadas por este autor são muito razoáveis, denunciando o que foi discutido os usos políticos do terrorismo e sua apropriação por setores dominantes na busca por legitimação para o uso da violência contra grupos opositores. Porém, ela tem um tom de denúncia e na verdade não tenta oferecer nenhuma solução para o problema da falta de consenso sobre o que é terrorismo.

Por último gostaríamos de demonstrar as discussões apresentadas pelo historiador Eric Hobsbawm em Globalização, Democracia e Terrorismo. Nesta obra o autor focaliza cinco questões contemporâneas que segundo ele requerem pensamento claro e bem-informado: guerra e paz no século XXI, o passado e futuro dos impérios globais, a natureza e o contexto cambiante do nacionalismo, o futuro da democracia liberal e o problema da violência política e do terror.

Para o autor vivemos num mundo mais violento, graças ao aumento da facilidade de obtenção de armas advinda com o fim da Guerra Fria. Além disto, cita o enfraquecimento dos Estados nacionais, fenômeno que segundo ele fica claro ao observarmos diversos fatores como a perda do monopólio da força armada, da estabilidade, do poder e cada vez mais da legitimidade para impor obrigações consensuais aos cidadãos por parte destas instituições. O resultado da combinação destes dois elementos poderia ser visto através do aumento do preço dos conflitos para os civis, que cada vez mais se tornaram vítimas, intencionais ou não, de operações armadas. (HOBSBAWM, 2007).

O autor afirma que, dentro desta conjuntura, ocorreu uma degeneração patológica da violência política resultante de diversos fatores, dentre os quais o mais preocupante na geração de violência ilimitada é a convicção ideológica de que a causa defendida é tão justa, e a do adversário tão terrível, que é necessário fazer de tudo para conquistar a vitória, o que justifica moralmente o barbarismo. Assim, a ascensão do terror durante o final do século XX e início do XXI, refletiria a substituição de conceitos morais por imperativos superiores (Ibidem, p.46).

Para Hobsbawm, os movimentos terroristas seriam sintomas e não agentes históricos significativos, e sua fraqueza seria evidente. Ao operar em países estáveis eles são problemas policiais se não possuírem apoio popular, mesmo dentro de movimentos dissidentes maiores eles não são a parte mais importante ou militarmente efetiva. Quando suas operações são executadas fora de um ambiente no qual possuem apoio popular, elas não passam de propaganda. Isto não significa que não devam ser combatidos por importantes medidas policiais internacionais, principalmente levando em conta a possibilidade de obterem armas nucleares, porém, seu potencial político real é maior em países instáveis ou em decomposição.

Considerando isto, Hobsbawm critica a retórica política que alerta contra perigos vindos do estrangeiro e contra inimigos externos mal definidos e seus agentes terroristas internos, nascida após o 11 de Setembro. Para ele, só amedronta os cidadãos, o que seria o objetivo dos terroristas, e não entende por que tal retórica tem tanto espaço na mídia, ao contrário do que era feito com o IRA anteriormente. O nervosismo despertado nas pessoas comuns seria compreensível, devido ao clima de medo gerado pela imprensa e pelos governos para alcançar seus próprios objetivos. Mas este seria um medo irracional, produzido pela política dos EUA buscando reviver os temores apocalípticos da Guerra Fria quando a criação de um inimigo que legitime a expansão e o emprego do seu poder global não é mais plausível (HOBSBAWM, 2007, p.135-136).

O autor afirma que a Guerra ao Terror piorou a situação ao globalizar o conflito e retomar intervenções estrangeiras. Logo, os efeitos negativos ocorreram mais por ações norte-americanas do que por ações dos terroristas. Estes ainda se articulam da mesma forma que antigamente, com duas diferenças: a disposição para ataques indiscriminados e a inovação representada pelo homem-bomba. Na era da internet e do fácil acesso a armas isto é um problema, maior do que o terrorismo foi no passado, que pede medidas excepcionais por parte dos responsáveis em enfrentá-lo. Mas isto não deve ser tratado como uma guerra, apenas como um problema de ordem pública.

Assim, o terrorismo pediria esforços especiais, mas sem a perda da calma. Seu perigo maior residiria nos massacres indiscriminados e no medo irracional causado pelas suas ações, com o incentivo da imprensa e de governos insensatos, não na ação política e estratégica. Há muito medo sobre os grupos terroristas, contudo suas atividades representam riscos irrisórios para a estabilidade mundial ou de qualquer país estável. Além disto, o risco à vida oferecido por eles é estatisticamente mínimo e praticamente inexistente militarmente, a menos que estes grupos obtenham armas nucleares.

Hobsbawm, portanto, tenta desconstruir a supervalorização dada ao terrorismo, contrariando a retórica global do momento, chamando a atenção para os erros dos condutores de políticas públicas, que executam ações incoerentes e incompatíveis com o tamanho da ameaça. Mesmo assim, ele não ensaiou uma definição para o problema, mas o analisou a partir do tempo no qual viveu, deixando, como anunciamos no título deste artigo, mais uma vez, a resposta irresoluta para uma definição, senão consensual, ao menos convergente sobre a categoria Terrorismo.

Referências

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BONANATE, Luigi. Terrorismo Político. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade Federal de Brasília, 1998. v. 1, p. 1252-1254.

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CABRAL, Ricardo Pereira. Terrorismo (Pós-11/09/2001). In: SILVA, Francisco Carlos Teixeira da; MEDEIROS, Sabrina; VIANNA, Alexandre Martins. (Orgs.). Enciclopédia de Guerras e Revoluções – A época da Guerra Fria (1945-1991) e da Nova Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014, p. 578-581.

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Notas

[1] Terrorismo perpetrado por grupos sionistas contra a autoridade britânica.

[2] Forma plural de Mujahid (combatente ou alguém que se empenha na Jihad). No fim do século XX, a palavra se popularizou através dos mass-media, aplicando-se quase exclusivamente a combatentes armados que se inspiram no fundamentalismo islâmico. Entretanto, mujahid nem sempre tem significado religioso, podendo designar também aquele que combate pela pátria, por seu povo, por seu Estado, por sua família ou pelo bem da coletividade, com um sentido laico e nacionalista.

[3] Organização fundamentalista islâmica internacional, constituída por células colaborativas e independentes que visam disputar o poder geopolítico no Oriente Médio. A princípio, seu foco de atuação foi expulsar as tropas russas do território do Afeganistão. Durante esse período os Estados Unidos ofereceram ajuda financeira à organização, no entanto, com a Guerra do Golfo e a instalação de bases militares estadunidenses na península arábica, sede dos principais santuários do Islã, esta organização se empenhou numa campanha contra os estadunidenses e o Ocidente.

[4] Movimento nacionalista islâmico que governou o Afeganistão entre 1996 e 2001.

[5] Série de tratados formulados em Genebra, na Suíça, definindo as normas para as leis internacionais relativas ao Direito Humanitário Internacional.


Autor

Andrey Augusto Ribeiro dos Santos é aluno de doutorado no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professor de História do Curso Pré-Universitário Comunitário Rubem Alves (UFRJ) e atuou em processos de avaliação Programa Nacional do Livro Didático (2016/2019). Entre outros trabalhos, publicou: Da virtude inabalável ao questionamento desiludido: uma análise do agente contraterrorismo no cinema estadunidense pós-11 de setembro” e “Combate Antiterrorista e Violação de Direitos: uma análise comparada a partir do Patriot Act e da Lei 13.260“.  Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4591382665207174; https://orcid.org/0000-0002-3824-9747; E – mail: [email protected].


Para citar este artigo

SANTOS, Andrey Augusto Ribeiro dos. Sobre o conceito de Terrorismo. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out, 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/artigo-de-revisao-sobre-o-conceito-de-terrorismo-por-andrey-augusto-ribeiro-dos-santos/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

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