Outras formas de expressão – Resenha de “Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos”, organizado por Patrícia Cavalcante, Raimundo Nonato Castro e Leonardo Castro Novo

Resenhado por Luís Felipe Gomes Valcácio (UFRN) | ID: https://orcid.org/0000-0002-9119-6736.


Detalhe de capa de Ensino de História mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos Imagem Galatea of the Spheres, de Salvador Dali (1952)

O livro Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos, organizado por Patrícia Cavalcante, Raimundo Nonato de Castro e Leonardo Castro Novo, é uma coletânea de experiências de diferentes profissionais do ensino. O livro é organizado em dois capítulos que trazem os relatos e ideias dos autores sobre o ensino presencial e as imagens nos livros didáticos, discutidos de forma plural, de modo a possibilitar um diálogo entre leitor e escritor.

Ambos os capítulos têm sua origem nas discussões da 12.ª edição do Encontro de História da Associação Nacional de História (ANPUH-Pará), em formato virtual sob o tema: “Passado e Presente: os desafios da história social e do ensino de história”. Realizado entre os dias 2 a 4 de dezembro de 2020, o evento discutiu as problemáticas ligadas ao ensino e à pesquisa histórica, associados à especialidade da história social.

Cada capítulo é dividido em tópicos, nos quais diferentes autores trazem discussões relacionadas a um tema central. A primeira parte – “Ensino de história presencial mediado no estado do Pará antes e depois da pandemia ” – está focada nas experiências de pesquisa e ensino escolar dos autores Ieda Palheta Moraes, Harian Pires Braga e Orinaldo Jorge Monteiro da Silva. Em conjunto, uma segunda parte traz novas discussões, com um viés mais analítico, denominada “Ensino de História e o Uso das Imagens nos Livros Didáticos”, apresentando o trabalho de pesquisa de Jorge Edson, Letícia Costa Silva e Victor Callari. Os textos refletem a pesquisa em diferentes níveis. Há trabalhos em andamento, em fase de elaboração, definidos e, até mesmo, já defendidos por seus autores. Todos estão focados em experiências de docência no ensino de História no estado do Pará, especialmente na utilização de diferentes formas de comunicação como meios metodológicos de ensino.

O primeiro tópico da parte um – “Ensino de História e Violência de Gênero: um estudo de caso em uma escola de Ananindeua/PA”, de Ieda Palheta Moraes – é fruto de uma pesquisa de Mestrado, em andamento, no programa de pós-graduação em Ensino de História (Profhistória). Utilizando da metodologia de estudo de caso, a autora visa analisar as ocorrências catalogadas de violência de gênero no ambiente escolar. Para isso, emprega conceitos de Dominique Julia (1995), que tratam a escola como um lugar social de cultura própria. A autora investiga a relação entre bullying e Cyberbullying e os costumes do cotidiano escolar e discute as causas dessas práticas, ou seja, a heteronormatividade compulsória entre os alunos, em que o corpo feminino é objetificado e julgado por seus agressores. Baseando sua análise baseada nos casos ocorridos na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio paraense, no município de Ananindeua, e empregando entrevistas com dois professores, uma professora, a diretora e coordenadora da escola, a autora recolhe relatos de casos de violência nas dependências da escola. Por fim, discute a importância do ensino de História no ambiente escolar para combater às desigualdades e promover a valorização e o respeito às diferenças entre os indivíduos.

Com o objetivo de relatar a experiência de participação na Olimpíadas Nacional em História do Brasil (ONHB), no ano de 2020, Harian Pires Braga escreve o segundo texto do livro – “Olimpianos da História: a experiência pedagógica de participação na ONHB em meio pandêmico”. O autor discute as dificuldades e potencialidades dessa experiência de interação em ambiente remoto, em que se permitiu a descoberta e consolidação de laços pedagógicos e da quebra do cotidiano, nessa situação física e psicologicamente caótica que foi o isolamento social. A história é narrada pelo docente a partir da sua participação como orientador de equipe da Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof. André Tosello, no distrito do Ouro Verde, região periférica de Campinas/SP, lugar em que conduziu um projeto de Oficina de História para os nonos anos, debatendo sobre fontes primárias e historiografia, ainda em regime presencial. Porém, tudo mudou com o advento da pandemia e a instauração da prática de regime remoto, alterando significativamente o planejamento da disciplina. O docente responsável pelo trabalho mostra as dificuldades sofridas pelos professores e estudantes, como a falta de acesso à internet e equipamentos, o temor de não passar de ano pelos alunos e uma evasão escolar (principalmente observada na EJA). Assim, são postas as metodologias utilizadas para o prosseguimento do cronograma e a viabilização da participação dos estudantes na ONHB. Apesar das dificuldades relatadas, o trabalho possibilitou a interação e aprendizado em conjunto entre os alunos, mesmo remotamente.

A última temática da primeira parte do livro – “O Ensino de História Mediado pelas TIC em uma Escola Pública do Município de Belém-PA: caminhos e desafios”, de Orinaldo Jorge Monteiro da Silva – trata da inserção de recursos e linguagens tecnológicas para uma democratização do acesso ao conhecimento. Utilizando, como exemplo, a experiência do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) em uma escola pública no ano de 2017, o autor apresenta as dificuldades na sua implementação em razão de uma carência de estrutura logística, física e de profissionais capacitados na utilização dessas ferramentas que se fazem tão presentes no cotidiano dos estudantes. Destacando as estratégias utilizadas pelos professores para uso das TIC em sua prática pedagógica, ele objetiva contornar esse déficit estrutural e formativo e potencializa os conteúdos, compreensão e formação dos alunos por meio da introdução dessas tecnologias que estimulam novas formas de ensinar e aprender. O autor também mostra que o profissional de História deve partir de uma proposta de trabalho aliada a essa metodologia, possibilitando ao aluno o desenvolvimento de diferentes habilidades como a criatividade, coordenação motora, percepção visual e auditiva, além de estimulá-lo a cultivar hábitos de pesquisa. O autor propõe a constituição de uma rede de aprendizagem que propicie a construção de conhecimento de maneira colaborativa, intuitiva e interativa, de modo aos envolvidos no processo interagirem, modificarem, produzirem e divulgarem os saberes por meio da TIC.

No primeiro tópico da segunda parte – “Do Roteiro à Arte Final: uma entrevista com Antonio Altarriba” – Jorge Edson se propõe a analisar a obra A arte de voar, escrita por Antonio Altarriba Lopes, ex-combatente anarquista que vivenciou guerras e traumas, passando anos exilado e, dando fim a sua vida aos 90 anos de idade. Essa narrativa chegou às prateleiras em 2009, no formato de quadrinho, escrito pelo seu próprio filho Antonio Altarriba e ilustrada por Joaquim Aubert (Kim). Uma história que se passa em cenário Europeu, divulgando e dialogando com importantes eventos históricos do século XX, como a Guerra Civil Espanhola, torna-se, em pouco tempo, um sucesso mundial, premiado em diversas categorias, chegando ao Brasil em 2012, sendo reeditada em 2018. Trata-se de um feito que evidencia o desejo e fascínio popular por conteúdos relacionados a acontecimentos históricos, provado pelo sucesso do quadrinho. Nesse capítulo, Edson também apresenta um guia didático sobre a obra, que proporciona uma leitura analítica da mesma, demonstra o potencial de utilização desse tipo de material, tanto em ambiente escolar como acadêmico, de forma a oferecer um entendimento dos acontecimentos descritos.

“SANKARAWAVE: afrofuturismo e anti-imperialismo em memes”, de Letícia Costa Silva, é o segundo capítulo dessa segunda parte do livro. A autora divide a temática em tópicos, definindo e exemplificando os conceitos de maneira a prover uma melhor compreensão. A autoria inicia pela própria imagem de Thomas Sankara (1949-1987) que, nascido no então Alto Volta em uma família multiétnica e católica, decidiu se tornar militar, entrando em contato com o marxismo durante a sua formação para a função. Foi preso várias vezes, eleito primeiro-ministro e presidente, sendo assassinado em um golpe. Foi responsável pela renovação política do país e pela fundação da república semipresidencialista de Burkina Faso. O personagem é, hoje, apropriado pela estética Vaporwave, que se utiliza de elementos culturais ocidentais satirizando-os, especialmente em forma de memes que demonstram a insatisfação com a sociedade de consumo e os ideais neoliberais. É uma estética criada em 2010 que depende muito dos meios virtuais, necessitando de um conhecimento específico prévio para os entender, de modo a reafirmar os valores do grupo que os publica sem a necessidade de alcançar públicos novos. Pertencendo a um desses grupos, o movimento do Afrofuturismo mistura as temáticas distópicas e utópicas, apresentando soluções para problemas do sistema capitalista e trazendo visibilidade a personagens e pessoas afrocentradas. O texto destaca histórias e culturas antes ignoradas por uma mentalidade eurocêntrica ocidental. Assim, unindo essas ideias, surge o Sankarawave, microgênero derivado do Vaporwave que busca exaltar a imagem e memória de Thomas Sankara por meio de memes difundidos na internet, que servem como resposta aos conteúdos conservadores, utilizando-se dessa figura revolucionária para combatê-los.

Comentando sobre as diversas revistas que falam sobre o assunto e a forma que lidam com ele, o terceiro texto – “O Holocausto nas Histórias em Quadrinhos”, de Victor Callari – traz as representações desse acontecimento histórico e o esquecimento que ele vem sofrendo. O autor disserta sobre a importância do estudo do Tempo Presente e das representações de narrativas sobre o passado em quadrinhos, declarando que a Segunda Guerra Mundial se torna cada vez mais distante das novas gerações.

Na primeira aparição do Capitão América (1/03/1941), uma série de jovens se alistam no exército norte-americano para combater os nazistas que estão camuflados entre as fileiras norte-americanas | Imagem: Joe Simon, Jack Kirby Marvel/El Pais

Os quadrinhos seriam uma forma de atingir esse público e de recuperar esses eventos, mantendo viva as suas memórias e compondo uma narrativa didática sobre esse passado. Esse tema guarda proximidade com o abordado no primeiro tópico da segunda parte do livro, em que se apresentam as formas como esses acontecimentos são descritos nas obras, bem como a sua função didática.

O último tema discutido no livro é “Como o Desfile da Mangueira (2019) contribuiu para o Ensino de História do Brasil? Um Apontamento Metodológico”, de Vivian Jaqueline Viana do Amor Divino. No texto, a autora faz análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), especialmente sobre a competência de “análise dos processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.” (p. 103). Demonstrando a necessidade de um ensino de História que transcenda o modelo tradicional (baseado em livros didáticos e na transcrição de conhecimentos), a autora denuncia que, em tal proposta, o aluno não se percebe enquanto sujeito histórico, não conseguindo transferir o conhecimento adquirido para a sua vida prática por causa da desconexão entre o que é apresentado na sala de aula e o que ocorre na sua própria realidade social. Expondo a demanda de um ensino crítico que incorpore diferentes metodologias de ensino para aproximar o conteúdo dos estudantes, a autora propõe oferecer ao aluno a voz ativa na construção do conhecimento. É assim que surge a utilização do desfile vitorioso da G.R.E.S. Estação Primeiro de Mangueira, por meio do qual se mostra a necessidade de estudar a história para além das versões ditas oficiais, difundida no ambiente acadêmico, mas que ainda não atinge a educação escolar em sua totalidade. A autora apresenta, assim, o desfile a partir da consagração de “novos heróis” e novas versões das narrativas, que atinge públicos antes ignorados. Essa estratégia pode ser utilizada pelo docente para a ampliação dos debates e na transmissão do conhecimento, permitindo a compreensão da história do Brasil a partir de outras perspectivas e de outros meios para além da escola.

Como vemos pelos resumos acima, Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos está muito distante de um mero conjunto de relatos e pesquisas, dado que compõe um discurso maior por meio da contribuição de diferentes autores que fortalecem e edificam os temas propostos em cada uma das duas partes da obra. A obra forma um texto íntegro que se utiliza de diferentes contribuições e fontes para a divulgação científica, dentre elas relatos, imagens, análises de obras e de metodologias, que se encaixam com o propósito de fomentar o debate proposto. A obra também possibilita a composição de uma narrativa que converse tanto com a divulgação acadêmica, quanto a da experiência em sala de aula, por meio das discussões, problemáticas e metodologias apresentadas no decorrer do livro. A obra, por fim, relaciona o saber científico com o ensino de História por meio da experiência, pesquisa e campo de interesse dos autores que a compõem.

De modo geral, portanto, é possível observar a pluralidade, explicitada nas diferentes formas que os autores expõem seus pensamentos, desenvolvem as suas pesquisas e selecionam seus temas. Essa pluralidade é um mérito da obra, que cumpre o seu objetivo de divulgar as problemáticas e metodologias ligadas ao ensino de História. Embora a obra tenha a pluralidade como um mérito, essa diversidade de autores atrapalha em alguns momentos, pois não fornece espaço suficiente para desenvolver as ideias trabalhadas. Ao transformar as pesquisas apresentadas em algo mais superficial, que expõe somente a ideia central ou o objetivo perseguido pelo pesquisador, sem a devida possibilidade de aprofundar os temas debatidos, as temáticas, como a História Social, não são desenvolvidas e apresentadas de maneira satisfatória. Ainda que os autores busquem dialogar com a História Social – trazendo relatos que exploram os conflitos e vivências da sociedade e do ambiente escolar –, essa simplificação dos temas faz com que a narrativa social fique muitas vezes somente como o plano de fundo do desenvolvimento das ideias propostas por quem escreveu. Algo que se resolveria caso em uma nova edição os autores pudessem trazer o seu texto de maneira completa, permitindo cumprir um dos principais objetivos da obra, que é a discussão sobre a relação entre História Social e o ensino de História.

Sumário de Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos

  • Apresentação: Os desafios da história social e do ensino de história em coletâneas | Francivaldo Alves Nunes
  • Parte 1. Ensino de História presencial mediado, no Estado do Pará, antes e depois da pandemia
    • Ensino de história e violência de gênero: um estudo de caso em uma escola de Ananindeua/PA| Ieda Palheta Moraes
    • Olimpianos da história: a experiência pedagógica de participação na ONHB em meio pandêmico | Harian Pires Braga
    • O ensino de história mediado pelas TIC em uma escola pública do município de Belém-PA: caminhos e desafios | Orinaldo Jorge Monteiro da Silva
  • Parte 2. Ensino de História e o uso das imagens nos livros didáticos
    • Apresentação | Raimundo Nonato de Castro e Leonardo Castro Novo
    • Do roteiro à arte final: uma entrevista com Antonio Altarriba | Jorge Edson
    • Sankarawave: afrofuturismo e anti-imperialismo em memes | Letícia Costa Silva
    • O holocausto nas histórias em quadrinhos | Victor Callari
    • Como o desfile da Mangueira – 2019 contribuiu para o ensino de história do brasil? Um apontamento metodológico | Vivian Jaqueline Viana do Amor Divino
  • Sobre os autores

Resenhista

Luís Felipe Gomes Valcácio é aluno da licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), participa do grupo de pesquisa Espaços, Poder e Práticas Sociais, no qual faz parte de um projeto na área de Teoria e Filosofia da História. ID: https://orcid.org/0000-0002-9119-6736. Instagram: l_felp. E-mail: [email protected].

 

 


Para citar esta resenha

CAVALCANTE, Patrícia; CASTRO, Raimundo Nonato; NOVO, Leonardo Castro (org.). Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos. Belém, PA: Cabana, 2021. 118. Resenha de: VALCÁCIO, Luís Felipe Gomes. Outras formas de expressão. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out., 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/outras-formas-de-expressao-resenha-de-ensino-de-historia-midias-digitais-e-o-uso-das-imagens-nos-livros-didaticos-organizado-por-patricia-cavalcante-raimundo-nonat/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisa/Search

Alertas/Alerts

Outras formas de expressão – Resenha de “Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos”, organizado por Patrícia Cavalcante, Raimundo Nonato Castro e Leonardo Castro Novo

Resenhado por Luís Felipe Gomes Valcácio (UFRN) | ID: https://orcid.org/0000-0002-9119-6736.


Detalhe de capa de Ensino de História mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos Imagem Galatea of the Spheres, de Salvador Dali (1952)

O livro Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos, organizado por Patrícia Cavalcante, Raimundo Nonato de Castro e Leonardo Castro Novo, é uma coletânea de experiências de diferentes profissionais do ensino. O livro é organizado em dois capítulos que trazem os relatos e ideias dos autores sobre o ensino presencial e as imagens nos livros didáticos, discutidos de forma plural, de modo a possibilitar um diálogo entre leitor e escritor.

Ambos os capítulos têm sua origem nas discussões da 12.ª edição do Encontro de História da Associação Nacional de História (ANPUH-Pará), em formato virtual sob o tema: “Passado e Presente: os desafios da história social e do ensino de história”. Realizado entre os dias 2 a 4 de dezembro de 2020, o evento discutiu as problemáticas ligadas ao ensino e à pesquisa histórica, associados à especialidade da história social.

Cada capítulo é dividido em tópicos, nos quais diferentes autores trazem discussões relacionadas a um tema central. A primeira parte – “Ensino de história presencial mediado no estado do Pará antes e depois da pandemia ” – está focada nas experiências de pesquisa e ensino escolar dos autores Ieda Palheta Moraes, Harian Pires Braga e Orinaldo Jorge Monteiro da Silva. Em conjunto, uma segunda parte traz novas discussões, com um viés mais analítico, denominada “Ensino de História e o Uso das Imagens nos Livros Didáticos”, apresentando o trabalho de pesquisa de Jorge Edson, Letícia Costa Silva e Victor Callari. Os textos refletem a pesquisa em diferentes níveis. Há trabalhos em andamento, em fase de elaboração, definidos e, até mesmo, já defendidos por seus autores. Todos estão focados em experiências de docência no ensino de História no estado do Pará, especialmente na utilização de diferentes formas de comunicação como meios metodológicos de ensino.

O primeiro tópico da parte um – “Ensino de História e Violência de Gênero: um estudo de caso em uma escola de Ananindeua/PA”, de Ieda Palheta Moraes – é fruto de uma pesquisa de Mestrado, em andamento, no programa de pós-graduação em Ensino de História (Profhistória). Utilizando da metodologia de estudo de caso, a autora visa analisar as ocorrências catalogadas de violência de gênero no ambiente escolar. Para isso, emprega conceitos de Dominique Julia (1995), que tratam a escola como um lugar social de cultura própria. A autora investiga a relação entre bullying e Cyberbullying e os costumes do cotidiano escolar e discute as causas dessas práticas, ou seja, a heteronormatividade compulsória entre os alunos, em que o corpo feminino é objetificado e julgado por seus agressores. Baseando sua análise baseada nos casos ocorridos na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio paraense, no município de Ananindeua, e empregando entrevistas com dois professores, uma professora, a diretora e coordenadora da escola, a autora recolhe relatos de casos de violência nas dependências da escola. Por fim, discute a importância do ensino de História no ambiente escolar para combater às desigualdades e promover a valorização e o respeito às diferenças entre os indivíduos.

Com o objetivo de relatar a experiência de participação na Olimpíadas Nacional em História do Brasil (ONHB), no ano de 2020, Harian Pires Braga escreve o segundo texto do livro – “Olimpianos da História: a experiência pedagógica de participação na ONHB em meio pandêmico”. O autor discute as dificuldades e potencialidades dessa experiência de interação em ambiente remoto, em que se permitiu a descoberta e consolidação de laços pedagógicos e da quebra do cotidiano, nessa situação física e psicologicamente caótica que foi o isolamento social. A história é narrada pelo docente a partir da sua participação como orientador de equipe da Escola Municipal de Ensino Fundamental Prof. André Tosello, no distrito do Ouro Verde, região periférica de Campinas/SP, lugar em que conduziu um projeto de Oficina de História para os nonos anos, debatendo sobre fontes primárias e historiografia, ainda em regime presencial. Porém, tudo mudou com o advento da pandemia e a instauração da prática de regime remoto, alterando significativamente o planejamento da disciplina. O docente responsável pelo trabalho mostra as dificuldades sofridas pelos professores e estudantes, como a falta de acesso à internet e equipamentos, o temor de não passar de ano pelos alunos e uma evasão escolar (principalmente observada na EJA). Assim, são postas as metodologias utilizadas para o prosseguimento do cronograma e a viabilização da participação dos estudantes na ONHB. Apesar das dificuldades relatadas, o trabalho possibilitou a interação e aprendizado em conjunto entre os alunos, mesmo remotamente.

A última temática da primeira parte do livro – “O Ensino de História Mediado pelas TIC em uma Escola Pública do Município de Belém-PA: caminhos e desafios”, de Orinaldo Jorge Monteiro da Silva – trata da inserção de recursos e linguagens tecnológicas para uma democratização do acesso ao conhecimento. Utilizando, como exemplo, a experiência do uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) em uma escola pública no ano de 2017, o autor apresenta as dificuldades na sua implementação em razão de uma carência de estrutura logística, física e de profissionais capacitados na utilização dessas ferramentas que se fazem tão presentes no cotidiano dos estudantes. Destacando as estratégias utilizadas pelos professores para uso das TIC em sua prática pedagógica, ele objetiva contornar esse déficit estrutural e formativo e potencializa os conteúdos, compreensão e formação dos alunos por meio da introdução dessas tecnologias que estimulam novas formas de ensinar e aprender. O autor também mostra que o profissional de História deve partir de uma proposta de trabalho aliada a essa metodologia, possibilitando ao aluno o desenvolvimento de diferentes habilidades como a criatividade, coordenação motora, percepção visual e auditiva, além de estimulá-lo a cultivar hábitos de pesquisa. O autor propõe a constituição de uma rede de aprendizagem que propicie a construção de conhecimento de maneira colaborativa, intuitiva e interativa, de modo aos envolvidos no processo interagirem, modificarem, produzirem e divulgarem os saberes por meio da TIC.

No primeiro tópico da segunda parte – “Do Roteiro à Arte Final: uma entrevista com Antonio Altarriba” – Jorge Edson se propõe a analisar a obra A arte de voar, escrita por Antonio Altarriba Lopes, ex-combatente anarquista que vivenciou guerras e traumas, passando anos exilado e, dando fim a sua vida aos 90 anos de idade. Essa narrativa chegou às prateleiras em 2009, no formato de quadrinho, escrito pelo seu próprio filho Antonio Altarriba e ilustrada por Joaquim Aubert (Kim). Uma história que se passa em cenário Europeu, divulgando e dialogando com importantes eventos históricos do século XX, como a Guerra Civil Espanhola, torna-se, em pouco tempo, um sucesso mundial, premiado em diversas categorias, chegando ao Brasil em 2012, sendo reeditada em 2018. Trata-se de um feito que evidencia o desejo e fascínio popular por conteúdos relacionados a acontecimentos históricos, provado pelo sucesso do quadrinho. Nesse capítulo, Edson também apresenta um guia didático sobre a obra, que proporciona uma leitura analítica da mesma, demonstra o potencial de utilização desse tipo de material, tanto em ambiente escolar como acadêmico, de forma a oferecer um entendimento dos acontecimentos descritos.

“SANKARAWAVE: afrofuturismo e anti-imperialismo em memes”, de Letícia Costa Silva, é o segundo capítulo dessa segunda parte do livro. A autora divide a temática em tópicos, definindo e exemplificando os conceitos de maneira a prover uma melhor compreensão. A autoria inicia pela própria imagem de Thomas Sankara (1949-1987) que, nascido no então Alto Volta em uma família multiétnica e católica, decidiu se tornar militar, entrando em contato com o marxismo durante a sua formação para a função. Foi preso várias vezes, eleito primeiro-ministro e presidente, sendo assassinado em um golpe. Foi responsável pela renovação política do país e pela fundação da república semipresidencialista de Burkina Faso. O personagem é, hoje, apropriado pela estética Vaporwave, que se utiliza de elementos culturais ocidentais satirizando-os, especialmente em forma de memes que demonstram a insatisfação com a sociedade de consumo e os ideais neoliberais. É uma estética criada em 2010 que depende muito dos meios virtuais, necessitando de um conhecimento específico prévio para os entender, de modo a reafirmar os valores do grupo que os publica sem a necessidade de alcançar públicos novos. Pertencendo a um desses grupos, o movimento do Afrofuturismo mistura as temáticas distópicas e utópicas, apresentando soluções para problemas do sistema capitalista e trazendo visibilidade a personagens e pessoas afrocentradas. O texto destaca histórias e culturas antes ignoradas por uma mentalidade eurocêntrica ocidental. Assim, unindo essas ideias, surge o Sankarawave, microgênero derivado do Vaporwave que busca exaltar a imagem e memória de Thomas Sankara por meio de memes difundidos na internet, que servem como resposta aos conteúdos conservadores, utilizando-se dessa figura revolucionária para combatê-los.

Comentando sobre as diversas revistas que falam sobre o assunto e a forma que lidam com ele, o terceiro texto – “O Holocausto nas Histórias em Quadrinhos”, de Victor Callari – traz as representações desse acontecimento histórico e o esquecimento que ele vem sofrendo. O autor disserta sobre a importância do estudo do Tempo Presente e das representações de narrativas sobre o passado em quadrinhos, declarando que a Segunda Guerra Mundial se torna cada vez mais distante das novas gerações.

Na primeira aparição do Capitão América (1/03/1941), uma série de jovens se alistam no exército norte-americano para combater os nazistas que estão camuflados entre as fileiras norte-americanas | Imagem: Joe Simon, Jack Kirby Marvel/El Pais

Os quadrinhos seriam uma forma de atingir esse público e de recuperar esses eventos, mantendo viva as suas memórias e compondo uma narrativa didática sobre esse passado. Esse tema guarda proximidade com o abordado no primeiro tópico da segunda parte do livro, em que se apresentam as formas como esses acontecimentos são descritos nas obras, bem como a sua função didática.

O último tema discutido no livro é “Como o Desfile da Mangueira (2019) contribuiu para o Ensino de História do Brasil? Um Apontamento Metodológico”, de Vivian Jaqueline Viana do Amor Divino. No texto, a autora faz análise da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), especialmente sobre a competência de “análise dos processos políticos, econômicos, sociais, ambientais e culturais nos âmbitos local, regional, nacional e mundial em diferentes tempos, a partir da pluralidade de procedimentos epistemológicos, científicos e tecnológicos, de modo a compreender e posicionar-se criticamente em relação a eles, considerando diferentes pontos de vista e tomando decisões baseadas em argumentos e fontes de natureza científica.” (p. 103). Demonstrando a necessidade de um ensino de História que transcenda o modelo tradicional (baseado em livros didáticos e na transcrição de conhecimentos), a autora denuncia que, em tal proposta, o aluno não se percebe enquanto sujeito histórico, não conseguindo transferir o conhecimento adquirido para a sua vida prática por causa da desconexão entre o que é apresentado na sala de aula e o que ocorre na sua própria realidade social. Expondo a demanda de um ensino crítico que incorpore diferentes metodologias de ensino para aproximar o conteúdo dos estudantes, a autora propõe oferecer ao aluno a voz ativa na construção do conhecimento. É assim que surge a utilização do desfile vitorioso da G.R.E.S. Estação Primeiro de Mangueira, por meio do qual se mostra a necessidade de estudar a história para além das versões ditas oficiais, difundida no ambiente acadêmico, mas que ainda não atinge a educação escolar em sua totalidade. A autora apresenta, assim, o desfile a partir da consagração de “novos heróis” e novas versões das narrativas, que atinge públicos antes ignorados. Essa estratégia pode ser utilizada pelo docente para a ampliação dos debates e na transmissão do conhecimento, permitindo a compreensão da história do Brasil a partir de outras perspectivas e de outros meios para além da escola.

Como vemos pelos resumos acima, Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos está muito distante de um mero conjunto de relatos e pesquisas, dado que compõe um discurso maior por meio da contribuição de diferentes autores que fortalecem e edificam os temas propostos em cada uma das duas partes da obra. A obra forma um texto íntegro que se utiliza de diferentes contribuições e fontes para a divulgação científica, dentre elas relatos, imagens, análises de obras e de metodologias, que se encaixam com o propósito de fomentar o debate proposto. A obra também possibilita a composição de uma narrativa que converse tanto com a divulgação acadêmica, quanto a da experiência em sala de aula, por meio das discussões, problemáticas e metodologias apresentadas no decorrer do livro. A obra, por fim, relaciona o saber científico com o ensino de História por meio da experiência, pesquisa e campo de interesse dos autores que a compõem.

De modo geral, portanto, é possível observar a pluralidade, explicitada nas diferentes formas que os autores expõem seus pensamentos, desenvolvem as suas pesquisas e selecionam seus temas. Essa pluralidade é um mérito da obra, que cumpre o seu objetivo de divulgar as problemáticas e metodologias ligadas ao ensino de História. Embora a obra tenha a pluralidade como um mérito, essa diversidade de autores atrapalha em alguns momentos, pois não fornece espaço suficiente para desenvolver as ideias trabalhadas. Ao transformar as pesquisas apresentadas em algo mais superficial, que expõe somente a ideia central ou o objetivo perseguido pelo pesquisador, sem a devida possibilidade de aprofundar os temas debatidos, as temáticas, como a História Social, não são desenvolvidas e apresentadas de maneira satisfatória. Ainda que os autores busquem dialogar com a História Social – trazendo relatos que exploram os conflitos e vivências da sociedade e do ambiente escolar –, essa simplificação dos temas faz com que a narrativa social fique muitas vezes somente como o plano de fundo do desenvolvimento das ideias propostas por quem escreveu. Algo que se resolveria caso em uma nova edição os autores pudessem trazer o seu texto de maneira completa, permitindo cumprir um dos principais objetivos da obra, que é a discussão sobre a relação entre História Social e o ensino de História.

Sumário de Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos

  • Apresentação: Os desafios da história social e do ensino de história em coletâneas | Francivaldo Alves Nunes
  • Parte 1. Ensino de História presencial mediado, no Estado do Pará, antes e depois da pandemia
    • Ensino de história e violência de gênero: um estudo de caso em uma escola de Ananindeua/PA| Ieda Palheta Moraes
    • Olimpianos da história: a experiência pedagógica de participação na ONHB em meio pandêmico | Harian Pires Braga
    • O ensino de história mediado pelas TIC em uma escola pública do município de Belém-PA: caminhos e desafios | Orinaldo Jorge Monteiro da Silva
  • Parte 2. Ensino de História e o uso das imagens nos livros didáticos
    • Apresentação | Raimundo Nonato de Castro e Leonardo Castro Novo
    • Do roteiro à arte final: uma entrevista com Antonio Altarriba | Jorge Edson
    • Sankarawave: afrofuturismo e anti-imperialismo em memes | Letícia Costa Silva
    • O holocausto nas histórias em quadrinhos | Victor Callari
    • Como o desfile da Mangueira – 2019 contribuiu para o ensino de história do brasil? Um apontamento metodológico | Vivian Jaqueline Viana do Amor Divino
  • Sobre os autores

Resenhista

Luís Felipe Gomes Valcácio é aluno da licenciatura em História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), participa do grupo de pesquisa Espaços, Poder e Práticas Sociais, no qual faz parte de um projeto na área de Teoria e Filosofia da História. ID: https://orcid.org/0000-0002-9119-6736. Instagram: l_felp. E-mail: [email protected].

 

 


Para citar esta resenha

CAVALCANTE, Patrícia; CASTRO, Raimundo Nonato; NOVO, Leonardo Castro (org.). Ensino de História: mídias digitais e o uso das imagens nos livros didáticos. Belém, PA: Cabana, 2021. 118. Resenha de: VALCÁCIO, Luís Felipe Gomes. Outras formas de expressão. Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n.7, set./out., 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/outras-formas-de-expressao-resenha-de-ensino-de-historia-midias-digitais-e-o-uso-das-imagens-nos-livros-didaticos-organizado-por-patricia-cavalcante-raimundo-nonat/>


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 7, set./out, 2022 | ISSN 2764-2666

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Resenhistas

Privacidade

Ao se inscrever nesta lista de e-mails, você estará sujeito à nossa política de privacidade.

Acesso livre

Crítica Historiográfica não cobra taxas para submissão, publicação ou uso dos artigos. Os leitores podem baixar, copiar, distribuir, imprimir os textos para fins não comerciais, desde que citem a fonte.

Foco e escopo

Publicamos resenhas de livros e de dossiês de artigos de revistas acadêmicas que tratem da reflexão, investigação, comunicação e/ou consumo da escrita da História. Saiba mais sobre o único periódico de História inteiramente dedicado à Crítica em formato resenha.

Corpo editorial

Somos professore(a)s do ensino superior brasileiro, especializado(a)s em mais de duas dezenas de áreas relacionadas à reflexão, produção e usos da História. Faça parte dessa equipe.

Submissões

As resenhas devem expressar avaliações de livros ou de dossiês de revistas acadêmicas autodesignadas como "de História". Conheça as normas e envie-nos o seu texto.

Pesquisa


Enviar mensagem de WhatsApp