Radicalismo em questão — Resenha de Alexis Magnum Azevedo de Jesus (Faculdade de Direito 8 de Julho) sobre o livro “Marxismo negro: a criação da tradição radical negra”, de Cedric J. Robinson

Cedric J. Robinson | Illustração de Joe Ciardiello/The Nation

Resumo: A obra Marxismo Negro, de Cedric J. Robinson, explora a interseção entre o marxismo e o radicalismo europeu, ressaltando a tradição radical negra. Críticas apontam para reducionismo marxista e uma visão etapista da evolução intelectual negra. Apesar disso, é essencial para estudos étnico-raciais, indicando leitura para comunidade negra e adeptos de perspectivas revolucionárias.

Palavras-chave: Marxismo negro, Estudos étnico-raciais, Tradição radical negra.


A obra Marxismo Negro: a criação da tradição radical negra, escrita por Cedric J. Robinson (1940–2016) foi publicada pela editora Perspectiva (2023) e integra o gênero teoria social nas Ciências Humanas. Seu objetivo é “mapear os contornos históricos e intelectuais do encontro entre o marxismo e o radicalismo europeu” (p.77), destacando as raízes e a contribuição intelectual da tradição radical negra.

A obra chega ao Brasil em um contexto de fortalecimento do movimento negro e aprofundamento do debate teórico acerca da questão étnico-racial após mais de uma década do sistema de cotas raciais nas universidades públicas e o seu impacto na produção científica. Entretanto, mesmo no interior da produção científica negra e antirracista no Brasil, a obra ocupa um flanco minoritário, dado que a perspectiva epistemológica marxista não tem sido a referência da maioria dos estudos que, atualmente, buscam apoio nas teorias pós-modernas, decoloniais, pós-coloniais, feminismos negros não marxistas, entre outras abordagens. Essa é uma explicação para demora de quarenta anos da tradução portuguesa. Dessa forma, é possível extrair o grau de importância para o campo dos estudos étnico-raciais e, particularmente, no âmbito da corrente de pensamento marxista.

A obra é dividida em três partes, somando doze capítulos. O texto contém uma apresentação à edição brasileira elaborada por Muryatan Barbosa, um prólogo redigido por Robin D. G. Kelley e um prefácio escrito por Damien Sojoyner e Tiffany Willoughby-Herard. Contém também dois prefácios do próprio autor, referentes à edição de 2000 e à terceira edição. A apresentação à edição brasileira é curta e objetiva, destacando três teses: 1. a obra “mostrou o véu da historiografia eurocêntrica (inclusive a marxista)” (p. 14); 2. está inserida “no debate sobre alternativas progressistas dos anos 1980 e 1990, envolvendo o marxismo, teorias da descolonização da África, estudos culturais e ativismo antirracista” (p. 14); 3. é importante para as lutas presentes como o Black Livres Matter nos EUA.

O prólogo é um texto longo, dividido em cinco partes. Inicialmente, o Kelley destaca que “a tradição radical negra está em movimento” (p.17) com as lutas negras desencadeadas após o assassinato de George Floyd. Ele menciona as organizações negras históricas nos Estados Unidos que foram influenciadas pela obra Marxismo Negro, frisando que “os dois conceitos-chave, capitalismo racial e Tradição Radical Negra, apresentados nessas páginas há quase quarenta anos, se tornaram uma parte comum da linguagem política e compartilhada” (p. 20). Em seguida, apresenta uma breve biografia de Cedric Robinson. O prefácio, por fim, é um texto curto, tem um tom mais descontraído e é dividido em quatro partes. Partindo de “reminiscências favoritas sobre o que era aprender com ele” (p. 47), Willoughby-Herard oferece aos leitores uma reconstrução de bons momentos de convivência e aprendizado com Robinson: “Sua pedagogia é inspirada no humor, na consciência da classe trabalhadora, no pensamento das mulheres negras” (p. 63).

O conjunto dos textos introdutórios (apresentação, prólogo e prefácio) valoriza a obra de modo positivo: “Fundamental” (p.13), “grande impacto nas gerações atuais e futuras de intelectuais” (p.17). O prefácio à edição de 2000 escrito pelo próprio Robinson é curto e destaca a importância de recuperar a tradição radical negra como forma de superação do marxismo. O prefácio à terceira edição tem apenas uma página, um parágrafo sobre a importância de recuperar as lutas negras para “os irmãos e irmãs mais jovens” (p.74).

No prefácio e na introdução, Robinson defende que em Marx há “arrogância”, “eurocentrismo e messianismo” (p.68). Ainda que considerasse “a escravidão abominável, também afastou os escravos de seu discurso sobre a liberdade humana” (p. 68). Robinson afirmou ainda que o universalismo da teoria de Marx é aparente. Sobre a tradição radical negra, declara que “foi resultado de uma acumulação ao longo de gerações, da inteligência obtida na luta” (p.70) e, assim, “começou a emergir e a superar o marxismo” (p.71). Para Robinson, marxismo e radicalismo negro são distintos, “dois programas de mudanças revolucionárias” (p.77). Ao reivindicar as contribuições de W. E. B. Dubois, C. L. R. James e R. Wright, o autor sustenta que sua aprendizagem marxista “provou ser significativa, mas insatisfatória. Com o tempo, os eventos e as experiências o atraíram ao radicalismo negro” (p.84).

Na primeira parte da obra, Robinson caracteriza o racismo como elemento intrínseco à história dos povos europeus, sustentando a tese de que o capitalismo é racial posto que foi estruturado a partir das diferenças raciais existentes na Europa, muito antes da era capitalista. Nesses termos, o radicalismo europeu — inclusive o marxismo — estaria limitado por essas questões sócio-históricas.

Na segunda parte, o autor evidencia as raízes do radicalismo negro, destacando o processo de escravização, diáspora e resistência negra nas ex-colônias. Na terceira parte, o autor estabelece que a “tradição radical negra” ultrapassa as lutas nas ex-colônias, conformando assim uma intelectualidade negra, destacando as figuras de Dubois, James e Wright como representantes.

Na conclusão, o autor estabelece que a tradição radical negra “amadureceu” (p.547), evoluiu “sem que ele estivesse consciente de si mesmo como tradição” (p.547) e que, finalmente, “a experimentação com inventários políticos ocidentais, como o nacionalismo e a luta de classes, está chegando ao fim. O radicalismo negro está transcendendo essas tradições, a fim de aderir à sua própria autoridade” (p.549)

Traçado o resumo da obra, nos resta fazer alguns comentários críticos. Sobre os pontos problemáticos da obra, destacamos tanto o reducionismo do marxismo a uma forma de radicalismo europeu, quanto as conclusões da obra que entendem a radicalidade negra como uma tradição que supera o marxismo. O autor estabelece uma relação “etapista” entre o marxismo e a tradição radical negra, isto é, a passagem dos intelectuais negros pelo marxismo seria uma espécie de etapa em seus processos de desenvolvimento de consciência. O radicalismo negro seria, assim, um momento mais avançado de compreensão e ação nas lutas negras.

Para que Robinson mantivesse a coerência entre a análise que apresenta na obra e o título, deveria deixar explícito que não há “marxismo negro”, pois para o autor, ou é marxismo, com suas limitações próprias de um radicalismo europeu, ou é a sua superação, portanto, a tradição radical negra. O fato de a “tradição radical negra” constar como subtítulo da expressão “marxismo negro”, passa uma impressão errônea de que a tradição seria o próprio marxismo negro ou, no mínimo, um tipo de marxismo negro, quando, na verdade, para Robinson, é a sua superação histórica.

Quanto aos aspectos positivos da obra, destacamos o capítulo que aborda as lutas negras nas ex-colônias, inclusive citando o caso do Brasil, estabelecendo uma relação histórica e política comum entre essas movimentações, bem como o resgate do significado político da intelectualidade negra marxista do início do século XX. Assim, o autor evidencia, por um lado, que as comunidades negras em diáspora jamais aceitaram pacificamente o processo de escravidão, lutando cotidianamente por sua liberdade e, por outro, que a resistência negra também se deu por meio da produção teórica.

Aos leitores mais interessados no aprofundamento dos estudos numa perspectiva crítica, sugerimos a leitura elaborada pelo professor Nimtz Jr. em 1984, um ano após a publicação de Marxismo Negro. Curiosamente, a crítica de Nimtz Jr. chegou ao Brasil antes da obra de Robinson, traduzida pelo pesquisador Mário Soares Neto (2022). Em termos gerais,

Nimtz Jr. sustenta que a obra de Robinson apresenta uma “metodologia idealista e estática” (NIMTZ JR., p. 2073), emprega o conceito “tradição radical negra” destituído de bases sólidas e erra ao afirmar que os intelectuais escolhidos romperam com o marxismo: “Du Bois morreu membro do Partido Comunista dos Estados Unidos e James […] ainda se considera um marxista.” (NIMTZ JR., p. 2058)

Nimtz Jr. | Imagem: University of Minnesota

Apesar dos equívocos aqui listados, obra em questão cumpre com seu objetivo central de estabelecer uma relação entre o marxismo, radicalismo europeu e a importância de destacar a tradição radical negra. É leitura incontornável para aquelas e aqueles que sonham e lutam pelo fim do racismo e do capitalismo. Por essa razão, recomendamos a obra para toda a comunidade negra e demais pessoas interessadas em aprofundar os estudos étnico-raciais numa perspectiva negra e radical, isto é, revolucionária.

Referências

NIMTZ JR, August H. Marxism and the Black Struggle: The ‘Class vs. Race’ Debate Revisited. Journal of African Marxists. London, n. 7, p. 75-89., March, 1984.

SOARES NETO, Mario. Marxismo e a luta negra: o debate “classe vs. raça” revisitado. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v.13, n.3, p.2051-2078, 2022. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/63074/39775. Acessado em 23 de junho de 2023.

Sumário de Marxismo Negro: a criação radical da tradição negra

  • I. O surgimento e as limitações do radicalismo europeu
    • 1. Capitalismo racial: o caráter não objetivo do desenvolvimento capitalista
    • 2. A classe trabalhadora inglesa como espelho da produção
    • 3. Teoria socialista e nacionalismo
  • II. As raízes do radicalismo negro
    • 4. O processo e as consequências da transmutação da África
    • 5. O tráfico de escravos no Atlântico e a mão de obra africana
    • 6. A arqueologia histórica da tradição radical negra
    • 7. A natureza da tradição radical negra
  • III. Radicalismo negro e teoria marxista
    • 8. A formação de uma intelectualidade
    • 9. A historiografia e a tradição radical negra
    • 10. C.L.R. James e a tradição radical negra
    • 11. Richar Wright e a crítica à teoria de classes
  • Um final

Resenhista

Alexis Magnum Azevedo de Jesus é doutor em Educação (UFS), mestre em Educação (UFS), especialista em Direito Constitucional (EJUSE) e graduado em Direito (UFS). É Professor na Faculdade de Direito 8 de Julho e militante do movimento negro. Publicou, entre outros textos, Apontamentos teóricos sobre o genocídio da população negra no Brasil: (re) pensando a necropolítica a partir da crise estrutural do capital (2022), Racismo e Covid-19 em Sergipe: a não divulgação do indicador cor/raça e a luta da população negra pela vida (2022) e 20 anos da lei 10.639: por uma educação das relações étnico-raciais para além do capital” (2023). ID Lattes: https://lattes.cnpq.br/0989008334842080 ID Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3559-1221 Instagram: @alexispedrao Twitter: @alexispedrao E-mail: [email protected].

Para citar esta resenha

ROBINSON, Cedric James. Marxismo negro: a criação da tradição radical negra. São Paulo: Perspectiva, 2023. Resenha de: RESUS, Alexis Magnum Azevedo de. Radicalismo em questão. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.15, jan./fev., 2024. Disponível em <Radicalismo em questão — Resenha de Alexis Magnum Azevedo de Jesus sobre a obra “Marxismo negro: a criação da tradição radical negra”, de Cedric J. Robinson – Crítica Historiografica (criticahistoriografica.com.br)>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 15, jan./fev., 2024 | ISSN 2764-2666.

 

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Radicalismo em questão — Resenha de Alexis Magnum Azevedo de Jesus (Faculdade de Direito 8 de Julho) sobre o livro “Marxismo negro: a criação da tradição radical negra”, de Cedric J. Robinson

Cedric J. Robinson | Illustração de Joe Ciardiello/The Nation

Resumo: A obra Marxismo Negro, de Cedric J. Robinson, explora a interseção entre o marxismo e o radicalismo europeu, ressaltando a tradição radical negra. Críticas apontam para reducionismo marxista e uma visão etapista da evolução intelectual negra. Apesar disso, é essencial para estudos étnico-raciais, indicando leitura para comunidade negra e adeptos de perspectivas revolucionárias.

Palavras-chave: Marxismo negro, Estudos étnico-raciais, Tradição radical negra.


A obra Marxismo Negro: a criação da tradição radical negra, escrita por Cedric J. Robinson (1940–2016) foi publicada pela editora Perspectiva (2023) e integra o gênero teoria social nas Ciências Humanas. Seu objetivo é “mapear os contornos históricos e intelectuais do encontro entre o marxismo e o radicalismo europeu” (p.77), destacando as raízes e a contribuição intelectual da tradição radical negra.

A obra chega ao Brasil em um contexto de fortalecimento do movimento negro e aprofundamento do debate teórico acerca da questão étnico-racial após mais de uma década do sistema de cotas raciais nas universidades públicas e o seu impacto na produção científica. Entretanto, mesmo no interior da produção científica negra e antirracista no Brasil, a obra ocupa um flanco minoritário, dado que a perspectiva epistemológica marxista não tem sido a referência da maioria dos estudos que, atualmente, buscam apoio nas teorias pós-modernas, decoloniais, pós-coloniais, feminismos negros não marxistas, entre outras abordagens. Essa é uma explicação para demora de quarenta anos da tradução portuguesa. Dessa forma, é possível extrair o grau de importância para o campo dos estudos étnico-raciais e, particularmente, no âmbito da corrente de pensamento marxista.

A obra é dividida em três partes, somando doze capítulos. O texto contém uma apresentação à edição brasileira elaborada por Muryatan Barbosa, um prólogo redigido por Robin D. G. Kelley e um prefácio escrito por Damien Sojoyner e Tiffany Willoughby-Herard. Contém também dois prefácios do próprio autor, referentes à edição de 2000 e à terceira edição. A apresentação à edição brasileira é curta e objetiva, destacando três teses: 1. a obra “mostrou o véu da historiografia eurocêntrica (inclusive a marxista)” (p. 14); 2. está inserida “no debate sobre alternativas progressistas dos anos 1980 e 1990, envolvendo o marxismo, teorias da descolonização da África, estudos culturais e ativismo antirracista” (p. 14); 3. é importante para as lutas presentes como o Black Livres Matter nos EUA.

O prólogo é um texto longo, dividido em cinco partes. Inicialmente, o Kelley destaca que “a tradição radical negra está em movimento” (p.17) com as lutas negras desencadeadas após o assassinato de George Floyd. Ele menciona as organizações negras históricas nos Estados Unidos que foram influenciadas pela obra Marxismo Negro, frisando que “os dois conceitos-chave, capitalismo racial e Tradição Radical Negra, apresentados nessas páginas há quase quarenta anos, se tornaram uma parte comum da linguagem política e compartilhada” (p. 20). Em seguida, apresenta uma breve biografia de Cedric Robinson. O prefácio, por fim, é um texto curto, tem um tom mais descontraído e é dividido em quatro partes. Partindo de “reminiscências favoritas sobre o que era aprender com ele” (p. 47), Willoughby-Herard oferece aos leitores uma reconstrução de bons momentos de convivência e aprendizado com Robinson: “Sua pedagogia é inspirada no humor, na consciência da classe trabalhadora, no pensamento das mulheres negras” (p. 63).

O conjunto dos textos introdutórios (apresentação, prólogo e prefácio) valoriza a obra de modo positivo: “Fundamental” (p.13), “grande impacto nas gerações atuais e futuras de intelectuais” (p.17). O prefácio à edição de 2000 escrito pelo próprio Robinson é curto e destaca a importância de recuperar a tradição radical negra como forma de superação do marxismo. O prefácio à terceira edição tem apenas uma página, um parágrafo sobre a importância de recuperar as lutas negras para “os irmãos e irmãs mais jovens” (p.74).

No prefácio e na introdução, Robinson defende que em Marx há “arrogância”, “eurocentrismo e messianismo” (p.68). Ainda que considerasse “a escravidão abominável, também afastou os escravos de seu discurso sobre a liberdade humana” (p. 68). Robinson afirmou ainda que o universalismo da teoria de Marx é aparente. Sobre a tradição radical negra, declara que “foi resultado de uma acumulação ao longo de gerações, da inteligência obtida na luta” (p.70) e, assim, “começou a emergir e a superar o marxismo” (p.71). Para Robinson, marxismo e radicalismo negro são distintos, “dois programas de mudanças revolucionárias” (p.77). Ao reivindicar as contribuições de W. E. B. Dubois, C. L. R. James e R. Wright, o autor sustenta que sua aprendizagem marxista “provou ser significativa, mas insatisfatória. Com o tempo, os eventos e as experiências o atraíram ao radicalismo negro” (p.84).

Na primeira parte da obra, Robinson caracteriza o racismo como elemento intrínseco à história dos povos europeus, sustentando a tese de que o capitalismo é racial posto que foi estruturado a partir das diferenças raciais existentes na Europa, muito antes da era capitalista. Nesses termos, o radicalismo europeu — inclusive o marxismo — estaria limitado por essas questões sócio-históricas.

Na segunda parte, o autor evidencia as raízes do radicalismo negro, destacando o processo de escravização, diáspora e resistência negra nas ex-colônias. Na terceira parte, o autor estabelece que a “tradição radical negra” ultrapassa as lutas nas ex-colônias, conformando assim uma intelectualidade negra, destacando as figuras de Dubois, James e Wright como representantes.

Na conclusão, o autor estabelece que a tradição radical negra “amadureceu” (p.547), evoluiu “sem que ele estivesse consciente de si mesmo como tradição” (p.547) e que, finalmente, “a experimentação com inventários políticos ocidentais, como o nacionalismo e a luta de classes, está chegando ao fim. O radicalismo negro está transcendendo essas tradições, a fim de aderir à sua própria autoridade” (p.549)

Traçado o resumo da obra, nos resta fazer alguns comentários críticos. Sobre os pontos problemáticos da obra, destacamos tanto o reducionismo do marxismo a uma forma de radicalismo europeu, quanto as conclusões da obra que entendem a radicalidade negra como uma tradição que supera o marxismo. O autor estabelece uma relação “etapista” entre o marxismo e a tradição radical negra, isto é, a passagem dos intelectuais negros pelo marxismo seria uma espécie de etapa em seus processos de desenvolvimento de consciência. O radicalismo negro seria, assim, um momento mais avançado de compreensão e ação nas lutas negras.

Para que Robinson mantivesse a coerência entre a análise que apresenta na obra e o título, deveria deixar explícito que não há “marxismo negro”, pois para o autor, ou é marxismo, com suas limitações próprias de um radicalismo europeu, ou é a sua superação, portanto, a tradição radical negra. O fato de a “tradição radical negra” constar como subtítulo da expressão “marxismo negro”, passa uma impressão errônea de que a tradição seria o próprio marxismo negro ou, no mínimo, um tipo de marxismo negro, quando, na verdade, para Robinson, é a sua superação histórica.

Quanto aos aspectos positivos da obra, destacamos o capítulo que aborda as lutas negras nas ex-colônias, inclusive citando o caso do Brasil, estabelecendo uma relação histórica e política comum entre essas movimentações, bem como o resgate do significado político da intelectualidade negra marxista do início do século XX. Assim, o autor evidencia, por um lado, que as comunidades negras em diáspora jamais aceitaram pacificamente o processo de escravidão, lutando cotidianamente por sua liberdade e, por outro, que a resistência negra também se deu por meio da produção teórica.

Aos leitores mais interessados no aprofundamento dos estudos numa perspectiva crítica, sugerimos a leitura elaborada pelo professor Nimtz Jr. em 1984, um ano após a publicação de Marxismo Negro. Curiosamente, a crítica de Nimtz Jr. chegou ao Brasil antes da obra de Robinson, traduzida pelo pesquisador Mário Soares Neto (2022). Em termos gerais,

Nimtz Jr. sustenta que a obra de Robinson apresenta uma “metodologia idealista e estática” (NIMTZ JR., p. 2073), emprega o conceito “tradição radical negra” destituído de bases sólidas e erra ao afirmar que os intelectuais escolhidos romperam com o marxismo: “Du Bois morreu membro do Partido Comunista dos Estados Unidos e James […] ainda se considera um marxista.” (NIMTZ JR., p. 2058)

Nimtz Jr. | Imagem: University of Minnesota

Apesar dos equívocos aqui listados, obra em questão cumpre com seu objetivo central de estabelecer uma relação entre o marxismo, radicalismo europeu e a importância de destacar a tradição radical negra. É leitura incontornável para aquelas e aqueles que sonham e lutam pelo fim do racismo e do capitalismo. Por essa razão, recomendamos a obra para toda a comunidade negra e demais pessoas interessadas em aprofundar os estudos étnico-raciais numa perspectiva negra e radical, isto é, revolucionária.

Referências

NIMTZ JR, August H. Marxism and the Black Struggle: The ‘Class vs. Race’ Debate Revisited. Journal of African Marxists. London, n. 7, p. 75-89., March, 1984.

SOARES NETO, Mario. Marxismo e a luta negra: o debate “classe vs. raça” revisitado. Revista Direito e Práxis. Rio de Janeiro, v.13, n.3, p.2051-2078, 2022. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/63074/39775. Acessado em 23 de junho de 2023.

Sumário de Marxismo Negro: a criação radical da tradição negra

  • I. O surgimento e as limitações do radicalismo europeu
    • 1. Capitalismo racial: o caráter não objetivo do desenvolvimento capitalista
    • 2. A classe trabalhadora inglesa como espelho da produção
    • 3. Teoria socialista e nacionalismo
  • II. As raízes do radicalismo negro
    • 4. O processo e as consequências da transmutação da África
    • 5. O tráfico de escravos no Atlântico e a mão de obra africana
    • 6. A arqueologia histórica da tradição radical negra
    • 7. A natureza da tradição radical negra
  • III. Radicalismo negro e teoria marxista
    • 8. A formação de uma intelectualidade
    • 9. A historiografia e a tradição radical negra
    • 10. C.L.R. James e a tradição radical negra
    • 11. Richar Wright e a crítica à teoria de classes
  • Um final

Resenhista

Alexis Magnum Azevedo de Jesus é doutor em Educação (UFS), mestre em Educação (UFS), especialista em Direito Constitucional (EJUSE) e graduado em Direito (UFS). É Professor na Faculdade de Direito 8 de Julho e militante do movimento negro. Publicou, entre outros textos, Apontamentos teóricos sobre o genocídio da população negra no Brasil: (re) pensando a necropolítica a partir da crise estrutural do capital (2022), Racismo e Covid-19 em Sergipe: a não divulgação do indicador cor/raça e a luta da população negra pela vida (2022) e 20 anos da lei 10.639: por uma educação das relações étnico-raciais para além do capital” (2023). ID Lattes: https://lattes.cnpq.br/0989008334842080 ID Orcid: https://orcid.org/0000-0002-3559-1221 Instagram: @alexispedrao Twitter: @alexispedrao E-mail: [email protected].

Para citar esta resenha

ROBINSON, Cedric James. Marxismo negro: a criação da tradição radical negra. São Paulo: Perspectiva, 2023. Resenha de: RESUS, Alexis Magnum Azevedo de. Radicalismo em questão. Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n.15, jan./fev., 2024. Disponível em <Radicalismo em questão — Resenha de Alexis Magnum Azevedo de Jesus sobre a obra “Marxismo negro: a criação da tradição radical negra”, de Cedric J. Robinson – Crítica Historiografica (criticahistoriografica.com.br)>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.4, n. 15, jan./fev., 2024 | ISSN 2764-2666.

 

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