Uma Introdução à Historiografia – Resenha de “Notas Preliminares de Teoria da História: questões contemporâneas do ofício do historiador”, de Ivo dos Santos Canabarro e Wellington Rafael Balém 

Resenhado por Verônica Nogueira (SMEL-SE/SMEP-BA/ProfHistória/UFS) | ID Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0445-2317 | Jeanne Rezende (SEC-AR/SMEP-BA/ProfHistória/UFS) | ID Orcid: Orcid: 0000-0003-1659-1856.


Ivo dos Santos Canabarro e Wellington Rafael Balém| Imagens: Academia Edu/GP Mundus

Notas preliminares de Teoria da História – Questões contemporâneas do ofício do Historiador, de Ivo dos Santos Canabarro e Wellington Rafael Balém, é um estudo sobre História da Historiografia e Teoria da História para iniciantes. O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira possui cinco notas explicativas. A segunda é formada por quatro e a terceira por duas notas, além do anexo. Os dois primeiros capítulos são escritos por Ivo Canabarro bem como o anexo. O terceiro é escrito por Wellington Balém. Todas as partes possuem introdução e considerações finais.  A obra foi  produzida no contexto da pandemia do COVID-19 quando  a História vivia mais uma crise de autoridade, sendo fortemente contestada em suas verdades e até negada.

Curioso notar que, apesar de o livro ser destinado ao público interessado em Teorias de História, a experiência dos autores parece apontar para campos um pouco distanciados. Ivo dos Santos Canabarro é Doutor em História e professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Social da Cultura, e publicou trabalhos sobre fotografia, patrimônio, cultura, família, memória e representação e direitos humanos. É vice-líder do Núcleo de Estudos Agrários e Culturais (ARCA), grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Wellington Rafael Balém é doutorando em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), membro do Laboratório de Estudos da Antiguidade Oriental (LEAO-UFRGS) e pesquisador da área de Egiptologia com ênfase em Estudos Biográficos, Cultura Material e Teoria da História.

Notas Preliminares de Teoria da História descreve o percurso dos estudos historiográficos a partir da construção do conhecimento histórico contemporâneo. Reafirma a história como ciência com base em teorias e métodos apropriados para a sistematização científica, apresentando autores e obras das escolas historiográficas e suas diferentes linguagens para acadêmicos, professores e comunidade em geral. Lançado em 20 de agosto de 2021, em transmissão pelo Youtube com acesso disponível de forma permanente, o livro foi destacado pelos autores como um importante instrumento formativo, sobretudo nesse momento de negacionismo e de descrédito da História. O livro, em síntese, viria resolver problemas do campo historiográfico que está em constante mudança e auxiliar as pessoas a compreenderem a natureza do conhecimento histórico. Vejamos, então, se o conteúdo da obra faz justiça à divulgação.

No capítulo 1, Ivo Canabarro categoriza as fontes diferenciando-as entre as suas correntes teóricas, pois identifica a produção historiográfica como uma tarefa em que  colaboram entre si teoria, método e discussão de aspectos significativos de toda pesquisa histórica. Ele estimula a busca por novas fontes e pela curiosidade acerca do trabalho dos historiadores profissionais, apresentando aspectos importantes no percurso da formação historiadora, materializada  nas instituições acadêmicas de ensino superior.

Canabarro identifica, na historiografia da contemporaneidade, autores e obras importantes para o entendimento do tempo presente. Com isso, instiga a leitura para adentrar no universo das narrativas históricas a partir das teorias. Dessa forma, reconhece os desafios de escrever, pesquisar e ensinar História cujo ponto de partida é sempre o tempo atual. Valoriza a escrita da História simples, direta, factual e criativa para contribuir com a divulgação e acessibilidade aos leitores a partir de pesquisas construídas por profissionais da área.

Embora esse capítulo apresente aspectos importantes sobre as práticas ideais de um profissional da pesquisa histórica, o autor comete deslizes. Em algumas passagens, há textos densos para o público leigo em metodologia da pesquisa histórica, repetição  exaustiva da palavra interdisciplinaridade parecendo justificar sua escolha por abordagens da Escola dos Annales. Mais sérias, entretanto, são a atribuição de juízo de valor ao criticar a corrente teórica marxista, afirmando que algumas de suas ideias perderam a validade, e o exagero ao falar sobre a regulamentação da profissão do historiador, priorizando a atividade da pesquisa na experiência do formado em História.

O segundo capítulo, também escrito por Ivo Canabarro, reverbera discussões mais recentes sobre o ofício do historiador, a partir da contextualização de suas escolas e autores. Para o autor, a diversidade do conhecimento histórico emergiu das reflexões dos historiadores acerca do seu ofício quando passaram a dar vozes a diferentes grupos sociais, considerando o resgate de suas vivências. Com isso, os grupos que, em tempos remotos, foram excluídos passaram a ser objeto de pesquisa, uma vez que a diversidade sempre esteve presente nas sociedades, embora, apenas os autores sociais no topo de certa hierarquia fossem privilegiados na História.

As notas dessa parte aludem também à “Nova História”, responsável por novos objetos de pesquisa, o Cotidiano e a História Cultural, relacionados à cultura popular, deixando de lado a cultura mais clássica. O capítulo avança para os temas da História Social, Narrativa Histórica e da Memória, esta última responsável por perpetuar informações tanto dos grupos quanto dos indivíduos. O capítulo  é encerrado com Notas sobre a imagem como fonte de representação histórica, sobre a História das mentalidades e a importância das representações sociais como para compreendermos a construção das subjetividades.

Esse capítulo dois se ressente da melhor distribuição do conteúdo, pois em determinado ponto descreve muito mais a historiografia do século XX que do século XXI. No capítulo também há um proposição inaceitável, nos dias atuais: a legitimação da diferença entre professores e pesquisadores a partir das suas funções profissionais, ou seja, entre as tarefas de lecionar para alunos da educação básica e se dedicar a escrever os resultados da sua pesquisa no ambiente acadêmico. O autor também afirma que muitos estudantes de História estão despreparados para atuar como historiadores visto que se apegaram a preconceitos relacionados a alguns grupos sociais e, por conseguinte, deveriam ser professores e não pesquisadores. Ora, como pode um pesquisador (cientista) reverberar um discurso de que o professor deve reproduzir preconceitos? O professor contemporâneo também não é um pesquisador? Já que a proposta de Canabarro e Balém é escrever de forma simples e acessível, considerando os métodos pertinentes aos historiadores profissionais, é lamentável a falta de esforços para estreitar os ambientes das escolas e da academia, como por exemplo, o envolvimento das escolas públicas no lançamento do livro.

No capítulo 3, escrito por Wellington Balém, são apresentados os conceitos da História Pública e da História Digital como ampliação do campo histórico além da docência e pesquisa e, também, como fonte de renda. Segundo o autor, o conceito de História Pública surgiu nos Estados Unidos, nos anos 70 do século XX, quando os historiadores tiveram a possibilidade de sair do âmbito acadêmico para atuar no setor público, empregando os meios de comunicação, prédios públicos e privados, museus entre outros. No Brasil, embora fosse praticada muito antes do conceito existir, só em 2011, no curso ofertado pela Universidade de São Paulo (USP), “Introdução à História Pública”, que o nome foi utilizado.

Para o autor, a História Digital, ora entendida como um novo campo historiográfico, ora como objeto de pesquisa, foi popularizada, no final dos anos 90, com a Internet quando emergiu o conceito de cultura digital. Trata-se da História produzida, disseminada e interpretada por meio  de métodos e ferramentas digitais. Tais ferramentas não se restringem à digitalização das fontes, incluindo, entre outros elementos, a criação de softwares educativos, aplicativos, e iniciativas de preservação e disseminação de material histórico na web.

História digital | Foto: Bruno Leal/Café História

Além de traçar o histórico da escola pública, o autor alerta para as vulnerabilidades quanto à propagação e veracidade. Outros problemas são a falta de controle do autor sobre a sua obra, quando circula na Internet, e a necessidade de questionamento das fontes, uma vez que as intencionalidades podem trazer juízo de valor de quem as disponibilizou. Mais um problema é fato de que o acesso ao meio digital não é universal e as suas atualizações acontecem de forma mais rápida do que as pessoas conseguem consumir, o que concorre para a necessidade da preservação da informação digital, formato e tecnologia. Vale ressaltar que esse é um capítulo muito bem redigido, embasado teoricamente e com uma linguagem bastante acessível.

Chegando ao final da obra, após as contribuições de Balém, Ivo Canabarro disponibiliza o texto “Algumas tendências da Historiografia no final do século 20 na perspectiva de Jean Claude Bonbalan Ruano”, extraída do livro “L’Histoire ujourd’hui. Neste escrito, são apresentadas sinteticamente as novas tendências de pesquisa dos historiadores, no final do século XX, bem como seus respectivos autores, debates, conquistas e propensões da história atual.

Encerrando esta resenha gostaríamos de destacar três pontos positivos do livro: respeito à diversidade, a sensibilidade em relação ao trabalho do professor da escola básica e a contribuição para a formação inicial em matéria tão árida como a Teoria da História.

O respeito à diversidade está na demonstração da necessidade de uma abordagem inclusiva e interdisciplinar da pesquisa histórica, presente em toda a escrita de Balém. Está também no texto que utilizou substantivos femininos e masculinos durante o terceiro capítulo, uma forma sensível pautada nas discussões de gêneros tão emergentes na atualidade.

Quanto à sensibilidade em relação ao trabalho do professor, apesar da crítica apresentada acima, destacamos o reconhecimento de que essa categoria docente, durante as aulas, não utiliza apenas livros didáticos. Emprega, entre tantos aportes, o senso comum, história oral e plataformas digitais. A preocupação de Balém também é demonstrada quando reafirma a necessidade da formação continuada por meio de curso de pós-graduação stricto senso em História, enfatizando a importância dos cursos profissionais nessa área.

Por fim, entre as positividades encontradas nesta obra, destacamos a sua contribuição ao conhecimento das teorias da História para este público, na medida em que demonstra, com detalhes, obras mais conhecidas no meio acadêmico, como A apologia da história e o ofício de historiador, do historiador Marc Bloch.

O livro de Ivo Canabarro e Wellington Balém se dispõe a apresentar uma leitura simples e acessível a todos e todas que tenham interesse em ampliar o entendimento sobre aspectos da escrita da História e de conhecer como essas referências norteiam a caminhada dos historiadores profissionais até o  reconhecimento da profissão no Brasil. Entretanto, o domínio das habilidades técnicas também deve estar contido no modo como o livro é escrito. Sobretudo nas partes 1 e 2, a escrita do autor parece estar escondida pelas notas de autores clássicos da História. Na sequência, a ausência de estímulo à atividade dos professores da escola básica é patente, afinal de contas, na graduação, se referenciam teorias para os futuros licenciados que irão para as escolas lecionar às crianças e jovens.

Considerando que se faz importante oportunizar a construção do conhecimento histórico e sua trajetória pretérita, assim como discutir as incongruências, recomendamos a leitura e aquisição deste livro como forma introdutória de conhecer os estudos sobre a História da Historiografia e da Ciência da História até os dias atuais.

Sumário de Notas Preliminares de Teoria da História: questões contemporâneas do ofício do historiador

  • Apresentação
  • Parte 1 | Ivo dos Santos Canabarro
    • Nota 1 – A tarefa do Historiador é Escrever História
    • Nota 2 – História escrita e Historiografia
    • Nota 3 – A importância das Escolas Históricas
    • Nota 4 – Marxismo como uma Escola Histórica Revolucionária
    • Nota 5 – Uma Escola Histórica Contemporânea: A Escola dos Annales
  • Parte 2 | Ivo dos Santos Canabarro 
    • Nota 6 – A diversidade do Conhecimento Histórico
    • Nota 7 – Nova História, Cotidiano e História Cultural
    • Nota 8 – História Social, Memória e Narrativa Histórica
    • Nota 9 – Imagem e História, Representações e Mentalidades
    • Parte 3 | Wellington Rafael Balém
    • Nota 10 – História Pública em uma Perspectiva Profissional
    • Nota 11 – Palavras Analógicas Sobre História Digital
  • Anexo – Algumas Tendências da Historiografia no Final do Século

Acessar o vídeo de lançamento da obra


Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhistas

Verônica Nogueira é professora da Escola Municipal Manoel Rabelo de Andrade, em Paripiranga/BA, e na Escola Municipal Santa Luzia, em Lagarto/SE. Aluna do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/85845516724236 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0445-2317; Instagran: professoraveronicanogueira; E-mail: [email protected].

 

Jeane Rezende é professora do Colégio Estadual Professora Maria do Carmo Santana, em Aramari/BA. e aluna do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Instagram:@jeanne_nrezende; ID ORCID: Orcid: 0000-0003-1659-1856; E-mail: [email protected].

 


Para citar essa resenha

CANABARRO, Ivo dos Santos; BALÉM, Wellington Rafael. Notas Preliminares de Teoria da História: questões contemporâneas do ofício do historiador. Ijuí: Editora Unijuí, 2021. 236 p. Resenha de: NOGUEIRA, Verônica; REZENDE, Jeanne. Uma introdução à Historiografia. Crítica Historiográfica, v.2, n.8, nov./dez., 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/uma-introducao-a-historiografia-resenha-de-notas-preliminares-de-teoria-da-historia-de-ivo-dos-santos-canabarro-e-wellington-rafael-balem/>. DOI: 10.29327/254374.2.8-5


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo 7ara fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 8, nov./dez., 2022 | ISSN 2764-2666

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Resenhado por Verônica Nogueira (SMEL-SE/SMEP-BA/ProfHistória/UFS) | ID Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0445-2317 | Jeanne Rezende (SEC-AR/SMEP-BA/ProfHistória/UFS) | ID Orcid: Orcid: 0000-0003-1659-1856.


Ivo dos Santos Canabarro e Wellington Rafael Balém| Imagens: Academia Edu/GP Mundus

Notas preliminares de Teoria da História – Questões contemporâneas do ofício do Historiador, de Ivo dos Santos Canabarro e Wellington Rafael Balém, é um estudo sobre História da Historiografia e Teoria da História para iniciantes. O livro é dividido em três partes, sendo que a primeira possui cinco notas explicativas. A segunda é formada por quatro e a terceira por duas notas, além do anexo. Os dois primeiros capítulos são escritos por Ivo Canabarro bem como o anexo. O terceiro é escrito por Wellington Balém. Todas as partes possuem introdução e considerações finais.  A obra foi  produzida no contexto da pandemia do COVID-19 quando  a História vivia mais uma crise de autoridade, sendo fortemente contestada em suas verdades e até negada.

Curioso notar que, apesar de o livro ser destinado ao público interessado em Teorias de História, a experiência dos autores parece apontar para campos um pouco distanciados. Ivo dos Santos Canabarro é Doutor em História e professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Social da Cultura, e publicou trabalhos sobre fotografia, patrimônio, cultura, família, memória e representação e direitos humanos. É vice-líder do Núcleo de Estudos Agrários e Culturais (ARCA), grupo de pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Wellington Rafael Balém é doutorando em História, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS), membro do Laboratório de Estudos da Antiguidade Oriental (LEAO-UFRGS) e pesquisador da área de Egiptologia com ênfase em Estudos Biográficos, Cultura Material e Teoria da História.

Notas Preliminares de Teoria da História descreve o percurso dos estudos historiográficos a partir da construção do conhecimento histórico contemporâneo. Reafirma a história como ciência com base em teorias e métodos apropriados para a sistematização científica, apresentando autores e obras das escolas historiográficas e suas diferentes linguagens para acadêmicos, professores e comunidade em geral. Lançado em 20 de agosto de 2021, em transmissão pelo Youtube com acesso disponível de forma permanente, o livro foi destacado pelos autores como um importante instrumento formativo, sobretudo nesse momento de negacionismo e de descrédito da História. O livro, em síntese, viria resolver problemas do campo historiográfico que está em constante mudança e auxiliar as pessoas a compreenderem a natureza do conhecimento histórico. Vejamos, então, se o conteúdo da obra faz justiça à divulgação.

No capítulo 1, Ivo Canabarro categoriza as fontes diferenciando-as entre as suas correntes teóricas, pois identifica a produção historiográfica como uma tarefa em que  colaboram entre si teoria, método e discussão de aspectos significativos de toda pesquisa histórica. Ele estimula a busca por novas fontes e pela curiosidade acerca do trabalho dos historiadores profissionais, apresentando aspectos importantes no percurso da formação historiadora, materializada  nas instituições acadêmicas de ensino superior.

Canabarro identifica, na historiografia da contemporaneidade, autores e obras importantes para o entendimento do tempo presente. Com isso, instiga a leitura para adentrar no universo das narrativas históricas a partir das teorias. Dessa forma, reconhece os desafios de escrever, pesquisar e ensinar História cujo ponto de partida é sempre o tempo atual. Valoriza a escrita da História simples, direta, factual e criativa para contribuir com a divulgação e acessibilidade aos leitores a partir de pesquisas construídas por profissionais da área.

Embora esse capítulo apresente aspectos importantes sobre as práticas ideais de um profissional da pesquisa histórica, o autor comete deslizes. Em algumas passagens, há textos densos para o público leigo em metodologia da pesquisa histórica, repetição  exaustiva da palavra interdisciplinaridade parecendo justificar sua escolha por abordagens da Escola dos Annales. Mais sérias, entretanto, são a atribuição de juízo de valor ao criticar a corrente teórica marxista, afirmando que algumas de suas ideias perderam a validade, e o exagero ao falar sobre a regulamentação da profissão do historiador, priorizando a atividade da pesquisa na experiência do formado em História.

O segundo capítulo, também escrito por Ivo Canabarro, reverbera discussões mais recentes sobre o ofício do historiador, a partir da contextualização de suas escolas e autores. Para o autor, a diversidade do conhecimento histórico emergiu das reflexões dos historiadores acerca do seu ofício quando passaram a dar vozes a diferentes grupos sociais, considerando o resgate de suas vivências. Com isso, os grupos que, em tempos remotos, foram excluídos passaram a ser objeto de pesquisa, uma vez que a diversidade sempre esteve presente nas sociedades, embora, apenas os autores sociais no topo de certa hierarquia fossem privilegiados na História.

As notas dessa parte aludem também à “Nova História”, responsável por novos objetos de pesquisa, o Cotidiano e a História Cultural, relacionados à cultura popular, deixando de lado a cultura mais clássica. O capítulo avança para os temas da História Social, Narrativa Histórica e da Memória, esta última responsável por perpetuar informações tanto dos grupos quanto dos indivíduos. O capítulo  é encerrado com Notas sobre a imagem como fonte de representação histórica, sobre a História das mentalidades e a importância das representações sociais como para compreendermos a construção das subjetividades.

Esse capítulo dois se ressente da melhor distribuição do conteúdo, pois em determinado ponto descreve muito mais a historiografia do século XX que do século XXI. No capítulo também há um proposição inaceitável, nos dias atuais: a legitimação da diferença entre professores e pesquisadores a partir das suas funções profissionais, ou seja, entre as tarefas de lecionar para alunos da educação básica e se dedicar a escrever os resultados da sua pesquisa no ambiente acadêmico. O autor também afirma que muitos estudantes de História estão despreparados para atuar como historiadores visto que se apegaram a preconceitos relacionados a alguns grupos sociais e, por conseguinte, deveriam ser professores e não pesquisadores. Ora, como pode um pesquisador (cientista) reverberar um discurso de que o professor deve reproduzir preconceitos? O professor contemporâneo também não é um pesquisador? Já que a proposta de Canabarro e Balém é escrever de forma simples e acessível, considerando os métodos pertinentes aos historiadores profissionais, é lamentável a falta de esforços para estreitar os ambientes das escolas e da academia, como por exemplo, o envolvimento das escolas públicas no lançamento do livro.

No capítulo 3, escrito por Wellington Balém, são apresentados os conceitos da História Pública e da História Digital como ampliação do campo histórico além da docência e pesquisa e, também, como fonte de renda. Segundo o autor, o conceito de História Pública surgiu nos Estados Unidos, nos anos 70 do século XX, quando os historiadores tiveram a possibilidade de sair do âmbito acadêmico para atuar no setor público, empregando os meios de comunicação, prédios públicos e privados, museus entre outros. No Brasil, embora fosse praticada muito antes do conceito existir, só em 2011, no curso ofertado pela Universidade de São Paulo (USP), “Introdução à História Pública”, que o nome foi utilizado.

Para o autor, a História Digital, ora entendida como um novo campo historiográfico, ora como objeto de pesquisa, foi popularizada, no final dos anos 90, com a Internet quando emergiu o conceito de cultura digital. Trata-se da História produzida, disseminada e interpretada por meio  de métodos e ferramentas digitais. Tais ferramentas não se restringem à digitalização das fontes, incluindo, entre outros elementos, a criação de softwares educativos, aplicativos, e iniciativas de preservação e disseminação de material histórico na web.

História digital | Foto: Bruno Leal/Café História

Além de traçar o histórico da escola pública, o autor alerta para as vulnerabilidades quanto à propagação e veracidade. Outros problemas são a falta de controle do autor sobre a sua obra, quando circula na Internet, e a necessidade de questionamento das fontes, uma vez que as intencionalidades podem trazer juízo de valor de quem as disponibilizou. Mais um problema é fato de que o acesso ao meio digital não é universal e as suas atualizações acontecem de forma mais rápida do que as pessoas conseguem consumir, o que concorre para a necessidade da preservação da informação digital, formato e tecnologia. Vale ressaltar que esse é um capítulo muito bem redigido, embasado teoricamente e com uma linguagem bastante acessível.

Chegando ao final da obra, após as contribuições de Balém, Ivo Canabarro disponibiliza o texto “Algumas tendências da Historiografia no final do século 20 na perspectiva de Jean Claude Bonbalan Ruano”, extraída do livro “L’Histoire ujourd’hui. Neste escrito, são apresentadas sinteticamente as novas tendências de pesquisa dos historiadores, no final do século XX, bem como seus respectivos autores, debates, conquistas e propensões da história atual.

Encerrando esta resenha gostaríamos de destacar três pontos positivos do livro: respeito à diversidade, a sensibilidade em relação ao trabalho do professor da escola básica e a contribuição para a formação inicial em matéria tão árida como a Teoria da História.

O respeito à diversidade está na demonstração da necessidade de uma abordagem inclusiva e interdisciplinar da pesquisa histórica, presente em toda a escrita de Balém. Está também no texto que utilizou substantivos femininos e masculinos durante o terceiro capítulo, uma forma sensível pautada nas discussões de gêneros tão emergentes na atualidade.

Quanto à sensibilidade em relação ao trabalho do professor, apesar da crítica apresentada acima, destacamos o reconhecimento de que essa categoria docente, durante as aulas, não utiliza apenas livros didáticos. Emprega, entre tantos aportes, o senso comum, história oral e plataformas digitais. A preocupação de Balém também é demonstrada quando reafirma a necessidade da formação continuada por meio de curso de pós-graduação stricto senso em História, enfatizando a importância dos cursos profissionais nessa área.

Por fim, entre as positividades encontradas nesta obra, destacamos a sua contribuição ao conhecimento das teorias da História para este público, na medida em que demonstra, com detalhes, obras mais conhecidas no meio acadêmico, como A apologia da história e o ofício de historiador, do historiador Marc Bloch.

O livro de Ivo Canabarro e Wellington Balém se dispõe a apresentar uma leitura simples e acessível a todos e todas que tenham interesse em ampliar o entendimento sobre aspectos da escrita da História e de conhecer como essas referências norteiam a caminhada dos historiadores profissionais até o  reconhecimento da profissão no Brasil. Entretanto, o domínio das habilidades técnicas também deve estar contido no modo como o livro é escrito. Sobretudo nas partes 1 e 2, a escrita do autor parece estar escondida pelas notas de autores clássicos da História. Na sequência, a ausência de estímulo à atividade dos professores da escola básica é patente, afinal de contas, na graduação, se referenciam teorias para os futuros licenciados que irão para as escolas lecionar às crianças e jovens.

Considerando que se faz importante oportunizar a construção do conhecimento histórico e sua trajetória pretérita, assim como discutir as incongruências, recomendamos a leitura e aquisição deste livro como forma introdutória de conhecer os estudos sobre a História da Historiografia e da Ciência da História até os dias atuais.

Sumário de Notas Preliminares de Teoria da História: questões contemporâneas do ofício do historiador

  • Apresentação
  • Parte 1 | Ivo dos Santos Canabarro
    • Nota 1 – A tarefa do Historiador é Escrever História
    • Nota 2 – História escrita e Historiografia
    • Nota 3 – A importância das Escolas Históricas
    • Nota 4 – Marxismo como uma Escola Histórica Revolucionária
    • Nota 5 – Uma Escola Histórica Contemporânea: A Escola dos Annales
  • Parte 2 | Ivo dos Santos Canabarro 
    • Nota 6 – A diversidade do Conhecimento Histórico
    • Nota 7 – Nova História, Cotidiano e História Cultural
    • Nota 8 – História Social, Memória e Narrativa Histórica
    • Nota 9 – Imagem e História, Representações e Mentalidades
    • Parte 3 | Wellington Rafael Balém
    • Nota 10 – História Pública em uma Perspectiva Profissional
    • Nota 11 – Palavras Analógicas Sobre História Digital
  • Anexo – Algumas Tendências da Historiografia no Final do Século

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Verônica Nogueira é professora da Escola Municipal Manoel Rabelo de Andrade, em Paripiranga/BA, e na Escola Municipal Santa Luzia, em Lagarto/SE. Aluna do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/85845516724236 ; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0445-2317; Instagran: professoraveronicanogueira; E-mail: [email protected].

 

Jeane Rezende é professora do Colégio Estadual Professora Maria do Carmo Santana, em Aramari/BA. e aluna do Mestrado Profissional em Ensino de História (ProfHistória), da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Instagram:@jeanne_nrezende; ID ORCID: Orcid: 0000-0003-1659-1856; E-mail: [email protected].

 


Para citar essa resenha

CANABARRO, Ivo dos Santos; BALÉM, Wellington Rafael. Notas Preliminares de Teoria da História: questões contemporâneas do ofício do historiador. Ijuí: Editora Unijuí, 2021. 236 p. Resenha de: NOGUEIRA, Verônica; REZENDE, Jeanne. Uma introdução à Historiografia. Crítica Historiográfica, v.2, n.8, nov./dez., 2022. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/uma-introducao-a-historiografia-resenha-de-notas-preliminares-de-teoria-da-historia-de-ivo-dos-santos-canabarro-e-wellington-rafael-balem/>. DOI: 10.29327/254374.2.8-5


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo 7ara fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.2, n. 8, nov./dez., 2022 | ISSN 2764-2666

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