Abordagens da Docência Histórica – Resenha de Clivya Nobre (UFRN), sobre o livro “Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes”, organizado por João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos

João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos | Imagens: UFS/UFPEL/Infonet

Resumo: João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos organizaram a obra Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Esta coletânea reuniu trabalhos sobre a história ensinada no Brasil, no Ensino Primário, Secundário e Superior, nos séculos XIX e XX. Os textos analisam recursos didáticos e seus usos, as trajetórias dos docentes, os projetos para o ensinar História e as relações entre a legislação nacional, os currículos, e as práticas em sala de aula.

Palavras-chave: Ensino de História, História da Educação, Práticas Pedagógicas.


Os pesquisadores João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos organizaram a obra Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Esta coletânea teve por objetivo reunir trabalhos voltados para a abordagem da história ensinada no Brasil, no Ensino Primário, Secundário e Superior, nos séculos XIX e XX, através da análise de aspectos como os recursos didáticos e seus usos, as trajetórias dos docentes, os projetos pensados para o ensinar História e como se relacionaram com a legislação nacional, os currículos, e as práticas em sala de aula. A publicação resultou das atividades do projeto interinstitucional Ensino de História: currículo, materiais didáticos e trajetórias docentes, que integrou pesquisadores do Ensino de História de diferentes universidades, sob a coordenação dos organizadores da obra.

João Paulo Gama Oliveira tem Doutorado e Mestrado em Educação e Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe, instituição onde atua como professor adjunto na área de Educação. Suas pesquisas se concentram nos temas ligados à História da educação e do ensino de História nos níveis secundário e superior, ao patrimônio educacional e as trajetórias de intelectuais e docentes. Lisiane Sias Manke possui Doutorado e Mestrado em Educação e Graduação em História pela Universidade Federal de Pelotas, instituição onde exerce a docência na área de Educação. Pesquisa temáticas relacionadas a história do ensino de História e a história da leitura, do livro e da cultura escrita. Magno Francisco de Jesus Santos é Graduado em História, Especialista em Ciências da Religião e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense e é professor adjunto da área de História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Suas análises têm foco nas áreas de História do Ensino de História, História da Historiografia, Intelectuais, Religiosidades, Instituições acadêmicas e educacionais.

O primeiro capítulo foi escrito por Ane Luíse Silva Mecenas Santos e Cristiano Ferronato. Caracterizou os valores, demandas e orientações dos pensadores da educação Ruy Barbosa, Thomaz Espíndola e Ulysses Vianna quanto ao ensino de História, a partir da análise do parecer da Comissão de Deputados do Império sobre o projeto da reforma na instrução pública. Destacou-se o uso de fontes históricas, da investigação, de elementos do cotidiano dos estudantes e da narrativa envolvente, para fins didáticos. Memorização e repetição de dados históricos foram desaprovadas. Através desta pesquisa, nota-se que algumas das principais críticas feitas ao ensino de História recuam ao século XIX.

O segundo capítulo tem como autor Magno Francisco de Jesus Santos. Foram analisados aspectos da cultura política republicana paulista presentes no escrito escolar Lições de História Pátria, de Américo Braziliense. Identificou-se na obras uma narrativa que partiu do presente ao passado, através das efemérides, e do espaço mais restrito e mais próximo dos estudantes, a província de São Paulo, ao mais abrangente, da história nacional. Além disso, a obra foi politicamente liberal, com função da História como “mestra da vida”, uma representação de valores morais a serem seguidos pelos alunos. O primeiro e o segundo capítulos demonstraram como a elite brasileira oitocentista pensava a educação e seus fins para a formação cidadã, identitária e patriótica.

Finalidades similares, mas focadas no século XX, foram perceptíveis na análise da vida e da obra do intelectual João Baptista de Mello e Souza, no terceiro capítulo, de autoria de Sônia Maria da Silva Gabriel e Arnaldo Pinto Júnior. Ao investigar a tese escrita por Mello e Souza, o Ensino de História na Formação de Caráter, identificou-se a orientação do intelectual pela valorização das classes populares e da cultura, e o uso de cinema, literatura, rádio e excursões na práxis pedagógica. Além disso, a escrita dele evocou o ensino através de exemplos morais de figuras históricas. O artigo poderia ser mais fluido se a análise da principal fonte documental, a tese de Mello e Souza, estivesse no início da escrita, e as considerações biográficas e contextuais estivessem distribuídas ao longo do texto, ao invés de concentrados na parte inicial.

João Paulo Gama Oliveira e Roselucia Teresa de Morais Oliveira foram os coautores do quarto capítulo. Discutiu-se a atuação docente de Arthur Fortes nas memórias de seus ex-alunos Joel Silveira, Felte Bezerra e Maria Thétis Nunes, e identificaram-se menções à atuação dele em grêmios estudantis e suas habilidades na oratória, na escrita e no ensino, e à influência na formação dos ex-alunos, e posteriormente colegas na docência, através de um encontro entre gerações. O artigo apresentou um diálogo entre História do Ensino de História e História dos Intelectuais, pela análise de itinerários e de memórias.

Aryana Lima Costa escreveu o quinto capítulo, abordagem da práxis pedagógica de Jean Gagé, dos planejamentos didáticos, e do material produzido para a Cadeira de História da Civilização do Curso de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Identificou-se eurocentrismo, valorização da neutralidade histórica, e articulação de dados e argumentação sobre temas como alternativa à formação pelo acúmulo de dados e memorização. Portanto, Jean Gagé foi considerado um consolidador do Ensino Superior de História na USP.

O sexto capítulo, de Vânia Cristina da Silva, investigou perspectivas históricas e pedagógicas na obra Pontos de História do Brasil, da professora Eudésia Vieira. Identificaram-se exemplos de vida de líderes políticos, fomento a sentimentos patrióticos, e contribuições paraibanas à História nacional, similarmente ao notado por Magno Santos quanto ao lugar paulista na escrita de Américo Braziliense. Ou seja, elites locais associaram a história das províncias/estados à narrativa nacional. Além disso, Vânia Silva observou o destaque dado por Eudésia Vieira à História Indígena e à resistência dos escravizados negros.

O sétimo capítulo, de Osvaldo Rodrigues Júnior, analisou orientações da professora Lydinea Gasman nos manuais didáticos Guia Metodológico (1971) e Fontes Históricas (1978), como alunado ativo na aprendizagem, adaptação da escola à lógica empresarial, tecnicismo educacional, e uso de fontes históricas. Gasman criticou a História factual, a simplificação e o destaque ao pitoresco, e argumentou a favor da disciplina de Estudos Sociais como um meio para interdisciplinaridade. Notou-se ligação entre as orientações e demandas do Regime Militar. O artigo poderia integrar mais os aspectos da carreira de Lydinea Gasman com a investigação das fontes, assim como a discussão teórica sobre a categoria de análise de autoria.

O oitavo capítulo, de Dóris Bittencourt Almeida, analisou a cultura escolar e práticas do Ensino Polivalente no Colégio da Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAp/UFRGS) entre 1978 e 1986, nas anotações da professora de Estudos Sociais e Ensino Polivalente Isabel Loss. Identificou-se alta menção a temas cívicos, e correções ao comportamento do alunado nas aulas de Humanas, como resultado da influência do Regime Militar.

Escolas cívico-militares | Imagem: CPERS

Porém, notou-se resistência a essas pressões, pela crítica aos símbolos cívicos, aos estereótipos sobre negros e indígenas, à herança colonial, e pela vanguarda no ensino, com aulas de campo, incentivo à leitura e produção de poesia, discussão de temas polêmicos e atuais (como exemplos o Movimento Negro e a Constituinte), e interdisciplinaridade.

O nono e último capítulo da obra foi o artigo de Lisiane Sias Manke, sobre produção e usos do livro didático OSPB: introdução à política brasileira, de Frei Betto. Perceberam-se relações do período da publicação, a década de 1980, demandas sociais democráticas, e os objetivos da Editora Ática, no convite do intelectual progressista para autoria. A obra criticou aspectos do sistema capitalista, apesar de a disciplina de Organização Social e Política Brasileira ser popularmente associada ao conservadorismo. A obra instrumentalizou reformas curriculares e representação estudantil nas escolas.

A coletânea, portanto, cumpre os objetivos anunciados, quando contribui para o campo do Ensino de História, ao apresentar ao leitor diferentes possibilidades de questões, objetos, conceitos, fontes e abordagens de pesquisa na área. Além disso, suscita a reflexão sobre as relações entre docentes, estudantes, sociedade, elites políticas e intelectuais, suas influências, aproximações, discordâncias, orientações e resistências, com destaque para a pluralidade de suas características, o que põe em xeque generalizações. O diálogo entre áreas como Ensino de História, História dos Intelectuais, História Política e História Cultural foi outra contribuição da obra.

Sumário de Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes.

  • Prefácio | Thais Nívia de Lima e Fonseca
  • Apresentação
  • I. Professores de História e projetos de nação
  • 1. ‘Afortunados os povos que não têm História’: Ruy Barbosa, os pareceres da instrução pública e o ensino de História no Império do Brasil oitocentista | Ane Luíse Silva Mecenas Santos e Cristiano Ferronato
  • 2. ‘Aos que tivessem avidez de saber das cousas pátrias’: Américo Braziliense, a escrita da História escolar e a invenção do espaço paulista (1873-1879) | Magno Francisco de Jesus Santos
  • 3. João Baptista de Mello e Souza: trajetórias e memórias de um professor de História | Sônia Maria da Silva e Gabriel Arnaldo Pinto Junior
  • 4. Arthur Fortes: um professor de História da primeira metade do século XX pelas memórias de seus alunos | João Paulo Gama Oliveira Roselusia e Teresa de Morais Oliveira
  • 5. Jean Gagé: um professor na Cadeira de História da Civilização da USP (1938-1946) | Aryana Costa
  • II. Materiais didáticos e o estudo da História
  • 6. ‘Futuro da humanidade, progresso do patriotismo’: Eudésia Vieira e o livro didático Pontos de História do Brasil | Vânia Cristina da Silva
  • 7. Em defesa dos Estudos Sociais: a escrita didática de Lydinea Gasman | Osvaldo Rodrigues Junior
  • 8. Em meio a cadernos de uma professora polivalente: um estudo sobre práticas das aulas de estudos sociais (Colégio da Aplicação/UFRGS – 1978-1986) | Dóris Bittencourt Almeida
  • 9. O livro didático OSPB: Introdução à Política Brasileira: das circunstâncias de produção aos usos (1986-1993) | Lisiane Sias Manke

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Resenhista

Clivya Nobre é mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Publicou, entre outros trabalhos, A escrita de Tarcísio Medeiros na Revista do IHGRN: política e intelectualidade, Memória sobre os outros, memória sobre si: representações da prática docente no curso de história da UFRN, pelo olhar da “geração de 1976, e Professores, gestores e a produção da Faculdade de Filosofia de Natal e de seu Curso de História (1955–1956). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5873762416854044; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6977-0017. E-mail: [email protected].

Para citar esta resenha

OLIVEIRA, João Paulo Gama; MANKE, Lisiane Sias; SANTOS, Magno Francisco de Jesus (org.). Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Recife: EDUPE, 2020. 244p. Resenha de: NOBRE, Clivya. Abordagens da Docência Histórica. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.13, set./out., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/abordagens-da-docencia-historica-resenha-de-clivya-nobre-ufrn-sobre-o-livro-historias-do-ensino-de-historia-projetos-de-nacao-materiais-didaticos-e-trajetorias-docentes-organizado-por-joao/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, set./out., 2023 | ISSN 2764-2666

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Abordagens da Docência Histórica – Resenha de Clivya Nobre (UFRN), sobre o livro “Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes”, organizado por João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos

João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos | Imagens: UFS/UFPEL/Infonet

Resumo: João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos organizaram a obra Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Esta coletânea reuniu trabalhos sobre a história ensinada no Brasil, no Ensino Primário, Secundário e Superior, nos séculos XIX e XX. Os textos analisam recursos didáticos e seus usos, as trajetórias dos docentes, os projetos para o ensinar História e as relações entre a legislação nacional, os currículos, e as práticas em sala de aula.

Palavras-chave: Ensino de História, História da Educação, Práticas Pedagógicas.


Os pesquisadores João Paulo Gama Oliveira, Lisiane Sias Manke e Magno Francisco de Jesus Santos organizaram a obra Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Esta coletânea teve por objetivo reunir trabalhos voltados para a abordagem da história ensinada no Brasil, no Ensino Primário, Secundário e Superior, nos séculos XIX e XX, através da análise de aspectos como os recursos didáticos e seus usos, as trajetórias dos docentes, os projetos pensados para o ensinar História e como se relacionaram com a legislação nacional, os currículos, e as práticas em sala de aula. A publicação resultou das atividades do projeto interinstitucional Ensino de História: currículo, materiais didáticos e trajetórias docentes, que integrou pesquisadores do Ensino de História de diferentes universidades, sob a coordenação dos organizadores da obra.

João Paulo Gama Oliveira tem Doutorado e Mestrado em Educação e Licenciatura em História pela Universidade Federal de Sergipe, instituição onde atua como professor adjunto na área de Educação. Suas pesquisas se concentram nos temas ligados à História da educação e do ensino de História nos níveis secundário e superior, ao patrimônio educacional e as trajetórias de intelectuais e docentes. Lisiane Sias Manke possui Doutorado e Mestrado em Educação e Graduação em História pela Universidade Federal de Pelotas, instituição onde exerce a docência na área de Educação. Pesquisa temáticas relacionadas a história do ensino de História e a história da leitura, do livro e da cultura escrita. Magno Francisco de Jesus Santos é Graduado em História, Especialista em Ciências da Religião e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Sergipe, Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense e é professor adjunto da área de História na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Suas análises têm foco nas áreas de História do Ensino de História, História da Historiografia, Intelectuais, Religiosidades, Instituições acadêmicas e educacionais.

O primeiro capítulo foi escrito por Ane Luíse Silva Mecenas Santos e Cristiano Ferronato. Caracterizou os valores, demandas e orientações dos pensadores da educação Ruy Barbosa, Thomaz Espíndola e Ulysses Vianna quanto ao ensino de História, a partir da análise do parecer da Comissão de Deputados do Império sobre o projeto da reforma na instrução pública. Destacou-se o uso de fontes históricas, da investigação, de elementos do cotidiano dos estudantes e da narrativa envolvente, para fins didáticos. Memorização e repetição de dados históricos foram desaprovadas. Através desta pesquisa, nota-se que algumas das principais críticas feitas ao ensino de História recuam ao século XIX.

O segundo capítulo tem como autor Magno Francisco de Jesus Santos. Foram analisados aspectos da cultura política republicana paulista presentes no escrito escolar Lições de História Pátria, de Américo Braziliense. Identificou-se na obras uma narrativa que partiu do presente ao passado, através das efemérides, e do espaço mais restrito e mais próximo dos estudantes, a província de São Paulo, ao mais abrangente, da história nacional. Além disso, a obra foi politicamente liberal, com função da História como “mestra da vida”, uma representação de valores morais a serem seguidos pelos alunos. O primeiro e o segundo capítulos demonstraram como a elite brasileira oitocentista pensava a educação e seus fins para a formação cidadã, identitária e patriótica.

Finalidades similares, mas focadas no século XX, foram perceptíveis na análise da vida e da obra do intelectual João Baptista de Mello e Souza, no terceiro capítulo, de autoria de Sônia Maria da Silva Gabriel e Arnaldo Pinto Júnior. Ao investigar a tese escrita por Mello e Souza, o Ensino de História na Formação de Caráter, identificou-se a orientação do intelectual pela valorização das classes populares e da cultura, e o uso de cinema, literatura, rádio e excursões na práxis pedagógica. Além disso, a escrita dele evocou o ensino através de exemplos morais de figuras históricas. O artigo poderia ser mais fluido se a análise da principal fonte documental, a tese de Mello e Souza, estivesse no início da escrita, e as considerações biográficas e contextuais estivessem distribuídas ao longo do texto, ao invés de concentrados na parte inicial.

João Paulo Gama Oliveira e Roselucia Teresa de Morais Oliveira foram os coautores do quarto capítulo. Discutiu-se a atuação docente de Arthur Fortes nas memórias de seus ex-alunos Joel Silveira, Felte Bezerra e Maria Thétis Nunes, e identificaram-se menções à atuação dele em grêmios estudantis e suas habilidades na oratória, na escrita e no ensino, e à influência na formação dos ex-alunos, e posteriormente colegas na docência, através de um encontro entre gerações. O artigo apresentou um diálogo entre História do Ensino de História e História dos Intelectuais, pela análise de itinerários e de memórias.

Aryana Lima Costa escreveu o quinto capítulo, abordagem da práxis pedagógica de Jean Gagé, dos planejamentos didáticos, e do material produzido para a Cadeira de História da Civilização do Curso de História e Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Identificou-se eurocentrismo, valorização da neutralidade histórica, e articulação de dados e argumentação sobre temas como alternativa à formação pelo acúmulo de dados e memorização. Portanto, Jean Gagé foi considerado um consolidador do Ensino Superior de História na USP.

O sexto capítulo, de Vânia Cristina da Silva, investigou perspectivas históricas e pedagógicas na obra Pontos de História do Brasil, da professora Eudésia Vieira. Identificaram-se exemplos de vida de líderes políticos, fomento a sentimentos patrióticos, e contribuições paraibanas à História nacional, similarmente ao notado por Magno Santos quanto ao lugar paulista na escrita de Américo Braziliense. Ou seja, elites locais associaram a história das províncias/estados à narrativa nacional. Além disso, Vânia Silva observou o destaque dado por Eudésia Vieira à História Indígena e à resistência dos escravizados negros.

O sétimo capítulo, de Osvaldo Rodrigues Júnior, analisou orientações da professora Lydinea Gasman nos manuais didáticos Guia Metodológico (1971) e Fontes Históricas (1978), como alunado ativo na aprendizagem, adaptação da escola à lógica empresarial, tecnicismo educacional, e uso de fontes históricas. Gasman criticou a História factual, a simplificação e o destaque ao pitoresco, e argumentou a favor da disciplina de Estudos Sociais como um meio para interdisciplinaridade. Notou-se ligação entre as orientações e demandas do Regime Militar. O artigo poderia integrar mais os aspectos da carreira de Lydinea Gasman com a investigação das fontes, assim como a discussão teórica sobre a categoria de análise de autoria.

O oitavo capítulo, de Dóris Bittencourt Almeida, analisou a cultura escolar e práticas do Ensino Polivalente no Colégio da Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAp/UFRGS) entre 1978 e 1986, nas anotações da professora de Estudos Sociais e Ensino Polivalente Isabel Loss. Identificou-se alta menção a temas cívicos, e correções ao comportamento do alunado nas aulas de Humanas, como resultado da influência do Regime Militar.

Escolas cívico-militares | Imagem: CPERS

Porém, notou-se resistência a essas pressões, pela crítica aos símbolos cívicos, aos estereótipos sobre negros e indígenas, à herança colonial, e pela vanguarda no ensino, com aulas de campo, incentivo à leitura e produção de poesia, discussão de temas polêmicos e atuais (como exemplos o Movimento Negro e a Constituinte), e interdisciplinaridade.

O nono e último capítulo da obra foi o artigo de Lisiane Sias Manke, sobre produção e usos do livro didático OSPB: introdução à política brasileira, de Frei Betto. Perceberam-se relações do período da publicação, a década de 1980, demandas sociais democráticas, e os objetivos da Editora Ática, no convite do intelectual progressista para autoria. A obra criticou aspectos do sistema capitalista, apesar de a disciplina de Organização Social e Política Brasileira ser popularmente associada ao conservadorismo. A obra instrumentalizou reformas curriculares e representação estudantil nas escolas.

A coletânea, portanto, cumpre os objetivos anunciados, quando contribui para o campo do Ensino de História, ao apresentar ao leitor diferentes possibilidades de questões, objetos, conceitos, fontes e abordagens de pesquisa na área. Além disso, suscita a reflexão sobre as relações entre docentes, estudantes, sociedade, elites políticas e intelectuais, suas influências, aproximações, discordâncias, orientações e resistências, com destaque para a pluralidade de suas características, o que põe em xeque generalizações. O diálogo entre áreas como Ensino de História, História dos Intelectuais, História Política e História Cultural foi outra contribuição da obra.

Sumário de Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes.

  • Prefácio | Thais Nívia de Lima e Fonseca
  • Apresentação
  • I. Professores de História e projetos de nação
  • 1. ‘Afortunados os povos que não têm História’: Ruy Barbosa, os pareceres da instrução pública e o ensino de História no Império do Brasil oitocentista | Ane Luíse Silva Mecenas Santos e Cristiano Ferronato
  • 2. ‘Aos que tivessem avidez de saber das cousas pátrias’: Américo Braziliense, a escrita da História escolar e a invenção do espaço paulista (1873-1879) | Magno Francisco de Jesus Santos
  • 3. João Baptista de Mello e Souza: trajetórias e memórias de um professor de História | Sônia Maria da Silva e Gabriel Arnaldo Pinto Junior
  • 4. Arthur Fortes: um professor de História da primeira metade do século XX pelas memórias de seus alunos | João Paulo Gama Oliveira Roselusia e Teresa de Morais Oliveira
  • 5. Jean Gagé: um professor na Cadeira de História da Civilização da USP (1938-1946) | Aryana Costa
  • II. Materiais didáticos e o estudo da História
  • 6. ‘Futuro da humanidade, progresso do patriotismo’: Eudésia Vieira e o livro didático Pontos de História do Brasil | Vânia Cristina da Silva
  • 7. Em defesa dos Estudos Sociais: a escrita didática de Lydinea Gasman | Osvaldo Rodrigues Junior
  • 8. Em meio a cadernos de uma professora polivalente: um estudo sobre práticas das aulas de estudos sociais (Colégio da Aplicação/UFRGS – 1978-1986) | Dóris Bittencourt Almeida
  • 9. O livro didático OSPB: Introdução à Política Brasileira: das circunstâncias de produção aos usos (1986-1993) | Lisiane Sias Manke

Para ampliar a sua revisão da literatura


Resenhista

Clivya Nobre é mestra em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Publicou, entre outros trabalhos, A escrita de Tarcísio Medeiros na Revista do IHGRN: política e intelectualidade, Memória sobre os outros, memória sobre si: representações da prática docente no curso de história da UFRN, pelo olhar da “geração de 1976, e Professores, gestores e a produção da Faculdade de Filosofia de Natal e de seu Curso de História (1955–1956). ID LATTES: http://lattes.cnpq.br/5873762416854044; ID ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6977-0017. E-mail: [email protected].

Para citar esta resenha

OLIVEIRA, João Paulo Gama; MANKE, Lisiane Sias; SANTOS, Magno Francisco de Jesus (org.). Histórias do Ensino de História: projetos de nação, materiais didáticos e trajetórias docentes. Recife: EDUPE, 2020. 244p. Resenha de: NOBRE, Clivya. Abordagens da Docência Histórica. Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n.13, set./out., 2023. Disponível em <https://www.criticahistoriografica.com.br/abordagens-da-docencia-historica-resenha-de-clivya-nobre-ufrn-sobre-o-livro-historias-do-ensino-de-historia-projetos-de-nacao-materiais-didaticos-e-trajetorias-docentes-organizado-por-joao/>.


© – Os autores que publicam em Crítica Historiográfica concordam com a distribuição, remixagem, adaptação e criação a partir dos seus textos, mesmo para fins comerciais, desde que lhe sejam garantidos os devidos créditos pelas criações originais. (CC BY-SA).

 

Crítica Historiográfica. Natal, v.3, n. 13, set./out., 2023 | ISSN 2764-2666

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